Ontem mesmo foi aprovado e apresentado, com pompa e circunstância, o PRR – Plano de Recuperação e Resiliência, mais conhecido como a “bazuca europeia”. Assistimos à formalização do PRR pelos nossos governantes acompanhados pelos mais altos cargos da Comissão Europeia.
Definem-se como grandes linhas de atuação a transição digital, a economia ambiental e a modernização da Administração Pública, para além do enfoque na inovação e produtividade empresarial. Em teoria são objetivos muito válidos. Na prática logo veremos.
Desde logo, e à cabeça, há um conjunto de boas intenções na transição digital da Administração Pública. Desde o SNS, às escolas, passando por outros organismos do Estado, penso que todos estamos de acordo da necessidade urgente de evolução da Administração Pública.
Tirando raras exceções, como é o caso da Administração Tributária, o Estado está já a anos-luz da evolução tecnológica promovida pelas empresas em geral. Não consegue acompanhar a necessidade das empresas e dos cidadãos. É até um entrave, em muitos casos, ao desenvolvimento da economia. Evidencie-se que cerca de 70% dos fundos do PRR serão para a máquina do Estado.
Sublinho, mais uma vez, que considero um excelente objetivo, mas que quanto ao seu sucesso me mostro muito cético. À semelhança do que acontece na iniciativa privada, não se consegue esta transição digital se os recursos humanos e as organizações não se prepararem devidamente, formando, convertendo e reestruturando os seus meios físicos e humanos. Sobre estes últimos, por serem a peça mais importante do puzzle, pouco deslumbro de investimento.
A Administração Pública tem um longo caminho a fazer e será necessário que os nossos governantes sejam capazes de assumirem enormes reformas do Estado para se aproximarem das necessidades da Economia. Será preciso muita coragem pessoal e política dos nossos governantes, sejam quem eles forem, para avançarem destemidamente, mas com capacidade de diálogo contra as “forças” existentes, mas sem nunca prescindir da sua força de decisão que a eleição dos portugueses lhes confere. Nesta matéria serei como S. Tomé – “crer para ver”. Já chega do Estado ser o principal entrave ao desenvolvimento da Economia.
As empresas terão também o seu papel determinante, diria até obrigação, na intervenção construtiva do aproveitamento sério e correto da “bazuca europeia”. Historicamente tivemos situações menos corretas de utilização de fundos, que impediram que quem deles mais precisava não lhes conseguia ter acesso.
A responsabilidade social e económica dos empresários estará novamente à prova. Por um lado, perceber de que modo podem inovar, investir na economia ambiental, na inovação e na produtividade e por outro ter a honestidade intelectual de perceber quais são os seus propósitos e avançarem para investimentos sérios e ao seu alcance.
A “bazuca europeia” não é sinónimo de fundos distribuídos sem regras e sem contrapartidas. Terá sempre que haver um forte envolvimento empresarial e pessoal dos empresários na capitalização de parte dos investimentos. Recorde-se uma reflexão já feita há algum tempo sobre a capitalização das empresas e sua capacidade de musculo para fazer face a investimentos.
O capital humano é provavelmente a pedra de toque do sucesso do PRR. Quer seja na Administração Pública quer seja na iniciativa privada, esquecer o investimento nas pessoas será o maior erro que se pode cometer. A necessidade de formação, reconversão e de dotar as pessoas das devidas ferramentas levará por certo ao fracasso deste enorme conjunto de boas intenções. O estado terá a obrigação de reformar as suas estruturas organizacionais, na sua maioria demasiado pesadas e ineficientes, e as empresas passarem a assumir definitivamente o capital humano como a sua maior valia, atuando nessa concordância.
No que toca à economia ambiental será provavelmente uma das últimas oportunidades de verdadeiramente assumirmos, todos, a responsabilidade e as ações necessárias com o fim de iniciarmos uma mudança profunda.
Por fim, deixar um alerta muito direcionado aos organismos nacionais que irão gerir estes fundos. A minha experiência de duas décadas a acompanhar projetos empresariais de fundos comunitários levam-me a ser receoso quanto á condução no futuro deste Plano. O emaranhado de estruturas de análise, decisão e a falta de capacidade de agilidade levam-me a temer que os fundos ou não cheguem em tempo adequado à Economia ou quando chegam já é demasiado tarde.
As Administrações Públicas, através dos seus órgãos de gestão, terão que ser expeditas e cumprirem as regras, tal e qual como acontece com as empresas. Os prazos de análise e decisão destes projetos, apesar de previstos na legislação, nunca são cumpridos, no oposto do que é imposto às empresas.
Uma última palavra para as micro e pequenas empresas, que representam cerca de 99% do nosso tecido empresarial e geram cerca de 75% do emprego em Portugal. Não pode acontecer, como no passado, que fique a ideia de que os fundos são direcionados só para as médias e grandes empresas.
Há que criar condições de acesso ajustadas ao nosso tecido empresarial de modo que os parâmetros de acesso sejam acessíveis a todos e que não se permita que, em determinados eixos de investimento, as grandes empresas entrem em concorrência direta com as micro e pequenas empresas, deixando estas últimas em desigualdade de oportunidades.
Embora com algumas reservas, estarei esperançoso de que a “bazuca europeia” não seja, como no passado, um caderno de boas intenções e que no final seja apenas “pólvora seca”.
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