Seis décadas após o Tratado de Roma, que balizou a maior cooperação internacional alguma vez ocorrida na história da Humanidade, na construção da paz, da democracia e da liberdade, que começou por juntar 6 estados-membros até ser alargada a 27 países, a União Europeia viu ferida a sua coesão com a perda de um dos seus estados-membros, o Reino Unido, num processo conhecido por Brexit.
Diz-nos a sabedoria popular, que “casa que não é ralhada não é bem governada” e, com a União Europeia, não foi exceção. Deu-se lugar ao espaço, à abertura para o diálogo e à discussão de ideias, na procura do estabelecimento de princípios e regras de funcionamento que melhor assegurassem a sua coesão, com todas as diferenças próprias de cada um (dos seus filhos) e das dificuldades de crescimento e de ritmo das mais variadas conjunturas, que diferem de país para país, por uma Europa cada vez mais unida e mais forte. Muitas conquistas se alcançaram.
A Europa cresceu, tornou-se um dos melhores lugares do mundo para se viver, mas pecou por levar ao exagero um conjunto de regras que nos agarrou a uma máquina burocrática muito complexa, cuja inflexibilidade a tornou refém de si própria, condicionando e atrasando o verdadeiro progresso, pondo em causa a liberdade dos próprios estados-membros, conduzindo-os a um cansaço, muito propenso àquilo que poderia significar e levar à desagregação da União Europeia.
Atempadamente, será necessário saber tirar as devidas conclusões destes acontecimentos. Para aprendermos com os erros e procurarmos políticas que agreguem verdadeiramente e nos façam focar e caminhar definitivamente no mesmo sentido.
Ao prolongar a crise de 2008 e os efeitos nefastos das políticas de austeridade, sobrepuseram-se muitos outros problemas, como o elevado fluxo de refugiados, dos migrantes e das ameaças terroristas.
Tais factos, mergulharam a Comunidade Europeia num estado de nervos inquietante, que levou à desilusão, ao descrédito, à deceção, à instabilidade e insegurança das pessoas, e por consequência, ao aparecimento preocupante de grupos oportunistas e fações extremistas.
Fomentaram-se movimentos identitários e nacionalistas de um antieuropeísmo tal que colocaram em causa a construção da Europa e todas as suas conquistas, dando lugar a um crescente ambiente de crispação, “onde todos ralham e ninguém tem razão”.
Este clima colocou a Europa numa situação muito frágil face aos novos tempos, com grandes desafios geopolíticos, os quais requerem resiliência, bom senso, maior adequabilidade e adaptabilidade, maior compreensão e grande capacidade de reinvenção.
Não se percebendo claramente as vantagens que o Brexit trará, olharmos para o Reino Unido sem Europa e deixarmos de ver a União Europeia sem o Reino Unido, no contexto difícil que vivemos, é preocupante. Fica um estranho sentimento de que todos saímos a perder.
O Parlamento Europeu deu luz verde ao acordo do Brexit e a bandeira britânica foi parar ao museu, consumando uma página triste na história da Europa com a queda de uma das suas estrelas douradas.
Depois dos sucessivos avanços e recuos, não se formaram os consensos que permitissem assegurar as condições mínimas para a continuidade do Reino Unido, com todas as proporções que conduziram e motivaram o desejo do isolamento do orgulhoso país em querer fazer jus à sua soberana e gloriosa história e ditar as suas próprias leis, deixando finalmente de se submeter às regras de Bruxelas.
Não se percebendo claramente as vantagens que o Brexit trará, olharmos para o Reino Unido sem Europa e deixarmos de ver a União Europeia sem o Reino Unido, no contexto difícil que vivemos, é preocupante. Fica um estranho sentimento de que todos saímos a perder, considerado por muitos o resultado de um erro que poderia ter sido evitado, não fosse a precipitação de um referendo, cujo resultado mais pareceu dar voz à revolta do povo contra a impopularidade de David Cameron, na altura a favor da Europa, que inclusivamente o levou a renunciar ao cargo no dia seguinte.
O referendo do dia 23 de Junho de 2016, ainda que não vinculativo, jamais podia passar indiferente, deu razão aos mais nacionalistas e antieuropeístas, causando um efeito bola de neve sem fim, sacrificando a coesão europeia, ficando-se com a impressão de não se ter avaliado muito bem as suas reais consequências.
Se o Brexit foi difícil e já não se adivinhavam acordos fáceis com Boris Johnson, ficaram lamentavelmente mais complicados com a atual situação pandémica que assola o mundo, que não só atrasou e dificultou todas negociações, como nos mergulhou numa crise política, económica e social sem precedentes.
Em bom rigor, uma União Europeia sem Londres significará uma vida com novas regras entre os cidadãos britânicos e uma nova relação com os europeus, com todas as dúvidas a que ainda se assistem, face à atual situação mundial, sem que se cheguem a consensos plenos de vantagens para todas as partes, em tempos e lugares escarpados como estes, poderá significar a queda final para o precipício.
Por vezes existe um tempo para acreditar, ultrapassar barreiras e avançar. Um tempo para aceitar, respeitar e minimizar impactos. Outras vezes, poderia significar o tempo de se aprender com os erros, refletir, reavaliar e, se fosse preciso, recuar.
Porém, voltar atrás nesta altura dos acontecimentos parece uma ideia romântica. Não se auguram tempos fáceis e a Europa não pode continuar a viver em permanentes impasses, bloqueios e conflitos institucionais. Não há mais tempo a perder.
É urgente, sim, renegociar, reconstruir e honrar alianças históricas, que não só garantam os direitos dos cidadãos, mas também se assumam novas parcerias geoestratégicas económicas e comerciais, em que se assegurem políticas de defesa e segurança, políticas sociais e ambientais que visem salvaguardar os interesses comuns e do planeta, na esperança de que o sucesso do Reino Unido seja o sucesso da Europa e do Mundo.
Comentários