Desde que o Homem começou a sentir necessidade de se expressar, a partir das gravuras de Lascaux, passando pela arte egípcia, às primeiras enunciações gregas que relacionaram as faculdades dos sentidos, passando pelas considerações da escolástica na alta idade média e o espírito dualista do iluminismo, entre o racionalismo e o empirismo, às considerações fenomenológicas estáticas, genéticas e generativas do devir histórico de Edmund Husserl e seus sucessores, até aos nossos dias, que se criou arte, surgiram ideias e conceitos, acerca do que deve ser o papel do artista na sociedade.
Hoje sabemos que uma obra de arte tem o poder de nos impactar emocionalmente, através dos impulsos automáticos fornecidos pelo nosso inconsciente, a partir do momento em que com ela interagimos, gerando‑se reações imediatas que saem do nosso controlo, conduzindo‑nos a partir da experiência corporal e sensorial, das impressões causadas nos órgãos recetores através dos estímulos internos e externos às nossas sensações e, assim, à primeira forma de consciência, à nossa experiência mental que nos leva aos sentimentos das coisas que nos transformam a nós próprios.
Apesar de no passado ter sido atribuído valor pejorativo às emoções e os sentimentos terem sido subestimados pelas pesquisas, assistimos nos dias de hoje a uma certa convergência dos fenomenologistas com as mais recentes noções neurobiológicas que geraram novas formulações de ordem neurofenomenológica.
As análises filosóficas da fenomenologia que se resumem à experiência vivida não parecem suficientes, sendo necessário compreender e interpretar as suas investigações relacionando‑as com a biologia e a ciência da mente.
Contudo, a ciência não alimenta aquela visão generalista da aproximação do coração ao cérebro. As emoções fazem parte da racionalidade, não estão separadas.
Quando criamos, tocamos a obra com o nosso corpo e somos tocados por ela. Sincronizamos o nosso cérebro com sensações pré‑conscientes que nos dão sentimento de identidade. Sentimo‑nos vivos. Incorporamos neuronalmente afetos que se transformam em sentimentos e nos preparam para as nossas ações, onde ocorrem as nossas emoções e, assim, a obra de arte acontece, quando ela vai carregada de sensações e emoções.
O estimulante diálogo, consciente e inconsciente, que se gera no ato criativo, potenciado pela nossa imaginação, não é de todo linear, é tanto ou mais abstrato, tanto ou mais sublime, tanto mais consciente ou inconsciente. Varia em função de um conjunto de fatores que vão muito para além da nossa génese.
A nossa experiência cultural, a nossa vivência espacial, a nossa maior ou menor aptidão como artistas, conduz‑nos a um patamar cognitivo e percetivo de tal forma indiferenciado, que nos dificulta a concretização de uma definição do que realmente significa a arte, por estar sujeita às mais variadas interpretações de quem a cria e de quem a recebe.
O processo criativo é sobretudo um exercício solitário, onde o artista expressa consciente e inconscientemente as suas emoções, dadas pela sua intencionalidade. É um exercício emocional, mas também racional.
É muitas vezes um exercício egoísta. Pode ser muitas vezes um exercício terapêutico, libertador e estimulante, sobretudo quando somos levados por momentos de inspiração.
Os artistas em geral, repudiam tudo aquilo que coloque em causa a sua liberdade de expressão. Compreendendo-se, por isso, a dificuldade em certas áreas criativas, principalmente aquelas que não têm obrigatoriamente de lidar com pessoas, em partilharem das mesmas preocupações, dos mesmos interesses.
Uma arte mais próxima das pessoas, estimula o fascínio e a sensibilidade de quem a recebe, fazendo com que não passe indiferente. Implicará por isso, uma maior organização mental criativa, consciente e inconscientemente comprometida com as pessoas. Implicará, um tempo de introspeção, uma espécie de negociação entre o mundo sensível e o mundo real.
A qualidade das imagens que imprimimos holograficamente, a qualidade da nossa memória, depende da nossa emoção, do sentimento que temos pelas coisas. Um olhar predisposto à compreensão da arte fará toda a diferença.
É urgente por isso, sensibilizar e fomentar a sua compreensão, a essência do que realmente significa a arte. Independentemente de toda a sua carga emocional e sensorial, ela é tanto ou mais evidente se estivermos mais ou menos preparados para a sentir.
Pela sensibilidade que lhes é reconhecida, pelo papel que podem representar na sociedade, pode ser o momento do artista se colocar ao serviço da vida.
Uma arte onde o artista não dá lugar ao seu “ego”, oferece um pouco de si, sendo mais solidário e mais empenhado com o mundo. Uma arte mais próxima das pessoas contribuirá para o futuro de uma sociedade melhor e mais sensível.
A arte enriquece e as pessoas agradecem.
Comentários