Gosto muito de palavras. Tenho algumas favoritas e outras que procuro não dizer, porque, ao contrário da música, palavras não são apenas palavras e elas não se perdem no vento. Entre as que gosto muito estão oxímoro. Trata-se de uma figura de linguagem que contém duas ou mais palavras ou ideias que são antagônicas entre si, ou seja, seriam, a priori, mutuamente excludentes. Recurso muito utilizado na economia como eufemismo para uma situação grave, como “crescimento negativo”, ou ainda o muito cruel acrônimo DRID: Deslocamento e Reassentamento Induzidos pelo Desenvolvimento, como estão a chamar o processo em que pessoas são retiradas de suas terras pela indústria extractiva.
Atualmente, um dos oxímoros que mais tem sido usado é “silêncio ensurdecedor”, para denunciar a falta de ação, principalmente por parte de dirigentes políticos, para resolver problemas sérios que afetam uma boa parcela da população.
Oxímoro está no ADN das ironias mais sofisticadas, como a do artista americano Andy Warhol, quando se autodefiniu: “Sou uma pessoa profundamente superficial”. A mente arguta e brilhante doe Winston Churchill premiou-nos com um oxímoro: “Uma piada é negócio extremamente sério”. O escritor angolano José Eduardo Agualusa, em seu livro Barroco Tropical, de 2009, mas cuja ação se passa em 2020, fala, através de um dos seus personagens, que em seu país “até o futuro arcaico”. Mas o melhor continua sendo Mark Twain: “Geralmente levo duas semanas para escrever um discurso de improviso” ou ainda “político honesto é um oxímoro”.
Mas aqui vou-me ater a como oxímoro é usado de forma digamos poética, como “instante eterno”, “lúcida loucura”, “arrebatamento manso”. Caetano Veloso cantou que sente um “calor que provoca arrepios”, Cazuza falou para a pessoa amada que “mentiras sinceras” o interessavam, sim.
Diz-se que Camões foi o primeiro a usar oxímoro em toda a extensão de um poema, quando compôs “Amor é um Fogo que Arde sem se Ver”, no século 16.
Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se e contente;
É um cuidar que ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
E aqui faço uma, digamos, licença poética. Digo-o assim não porque vou trazer aqui um mago dos oxímoros. Trago, sim, um mestre da lógica oximorônica, o poeta Manoel de Barros, que germinou, nasceu, floresceu e ascendeu no Pantanal Matogrossense. Seu livro Tratado Geral Das Grandezas Do Ínfimo é recheado dela, a começar, como se pode ver, pelo próprio título, contém a pérola maior:
A poesia está guardada nas palavras – é tudo que
eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as
insignificâncias (do mundo e as nossa).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios.
O escritor moçambicano Mia Couto chama Manoel de Barros de “ensinador de insignificâncias”. No poema que escreveu em homenagem ao poeta pantaneiro, mostra que aprendeu bem com o mestre. Biólogo por formação, Couto dialoga com água, planta, bicho, árvore, descobrindo, assim, também, as insignificâncias suas e do mundo, pois sente-se “enriquecido de nada”, percebe que “o rio toma banho de troncos” e que “a noite acende escuros”.
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