Há até uns chavões que se usam para expressar a volatilidade e incerteza que domina o mundo do futebol. Coisas como “um porco a andar de bicicleta” ou “o que hoje é verdade amanhã é mentira”, a querer mostrar que a lógica é sempre uma batata quando se trata do universo do pontapé na bola. Como se fosse um mundo do absurdo, dominado por dinâmicas e mistérios insondáveis.
Mas a verdade, verdadinha, é que não será bem assim. E nem é preciso recorrer aos exemplos dos Cristianos Ronaldos ou da nova geração de coordenadores desportivos e treinadores portugueses, que vêm mostrando mundo fora que com trabalho, método e dedicação, as coisas podem, afinal, ter um sentido lógico e coerente. Claro está, com base em objectivos, conhecimento, capacidade e competência.
E foi assim que se destacou o novo projecto do FC Famalicão. Uma estrutura coerente e organizada, uma ideia e matriz competitiva, e uma postura positiva com que rapidamente conquistou o respeito e admiração dos portugueses. Muito para além do estrito universo do futebol. Ainda por cima com uma comunicação assertiva e reforçada pelo perfil executivo dos seus dirigentes, em absoluto contraste com a confusão a que o futebol tem habituado o país.
Em suma, em dois tempos o FC Famalicão somou ao êxito desportivo – e financeiro, creio – o respeito e admiração pelo seu projecto. Criou uma marca sólida e com valor, um exemplo que parecia cair como um bálsamo, uma lufada de ar fresco, sobre o ambiente bem pouco apelativo que é a imagem do futebol à nossa maneira.
Parecia sólido, pensado e estruturado, mas eis que ao primeiro solavanco tudo acaba num ápice posto em causa. Sim, porque toda a lógica de projecto correspondia à postura de João Pedro Sousa. E nem só pelo seu papel exemplar como treinador. Também porque ao clube cabia uma ideia de jogo muito própria, positiva e afirmativa, que se projectava no futuro. Da equipa principal aos escalões sub-23 e sub-19.
Todos coerentes, com o mesmo estilo competitivo e de interpretação do jogo. E, porque talvez já nem todos se lembrem, convém ter presente que, pela primeira vez na história do clube, a equipa de sub-19 (Juniores) estava em condições de discutir o título nacional quando a competição foi interrompida por efeito da Covid-19.
Parecia, de facto, um plano com caminho e objectivos definidos, que está agora claramente posto em causa. E pergunta-se o que vai acontecer a essa lógica de coesão, ideia e projecto de futuro. Vão mudar todas as estruturas técnicas? Está definida uma nova postura e orientação? Ou o clube navega agora pura e simplesmente ao sabor dos ventos e da bola-que-entra-ou-bate-na-trave, que alimenta o-que-hoje-é-verdade-amanhã-é-mentira da generalidade dos clubes?
E nem se argumente com a urgência ditada pelos resultados. Que isso só pode funcionar a favor da ideia de falta de solidez, de convicção ou de confiança no projecto. O FC Famalicão, tal como o grosso das equipas, estava à distância uma vitória do meio da tabela e mais dois dedos dos lugares europeus. A meio do campeonato, numa altura em que acomodava, uma vez mais, um lote de novos atletas. Com um ideia de jogo coerente e estabilizada e sem sinais de perda de confiança. Tudo, como se costuma dizer, lançado fora com a água do banho.
Para uma equipa que na camisola até destaca uma marca de carnes, é como se produzisse os presuntos mais reputados e decidisse, de repente, dedicar-se apenas às salsichas e linguiça. Abdicar da sua marca de referência. É caso para perguntar para onde vai o projecto que fez a imagem de marca do FC Famalicão?
Obs. – O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.
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