Depois de discutido e aprovado em reunião de Conselho de Ministros, o Programa do XXIII Governo Constitucional (2022-2026) foi remetido à Assembleia da República na passada sexta-feira, dia 1 de abril. Será discutido no Parlamento durante esta quinta e sexta feira.
Este programa visa prosseguir objetivos da Agenda para a Década (2015) e defrontar quatro grandes desafios estratégicos: (i) responder à emergência climática; (ii) assegurar a transição digital; (iii) contrariar o inverno demográfico; e (iv) combater as desigualdades.
Ao perpassar os assuntos relacionados com a saúde, destacamos cinco aspetos deste novo programa:
- É manifesto neste novo programa uma contenção da ambição do programa de 2019, no qual se garantia uma equipa de saúde familiar a todos os portugueses ou do programa de 2015-2019, onde se garantia um médico de família para todos os portugueses e o relançamento da reforma dos cuidados de saúde primários.
- De salientar a revisão do modelo de organização e funcionamento dos serviços de urgência, o que não deixa de parecer mais complexo sem uma reforma a montante nos cuidados de saúde primários.
- A tão necessária autonomia na gestão hospitalar, essencial para incrementar a eficiência das organizações e responsabilização dos seus gestores, será apenas “reforçada” neste novo programa. De referir que o programa de 2015 já previa reforçar a autonomia e a responsabilidade dos gestores, assim como reformar os hospitais na sua organização interna e modelo de gestão, apostando na aplicação de incentivos ligados ao desempenho.
- A criação da Direção Executiva do SNS (prevista no novo Estatuto do SNS) suscita-nos fortes reservas uma vez que existem várias estruturas tuteladas pelo Ministério da Saúde focadas na mesma missão. Mais redundância na gestão comprometerá ou anulará o processo de atribuição de maior autonomia gestionária para a governação dos hospitais e agrupamentos de centros de saúde (ACES).
- Assistiremos com expectativa à implementação do regime de trabalho em dedicação plena, um regime de aplicação progressiva, a iniciar pelos médicos numa base voluntária e de compromisso assistencial.
Integrada num eixo estratégico de combate às desigualdades, a área da saúde pretende reforçar o investimento e melhorar a prestação de serviço, em vista, presume-se, a mitigar diferentes níveis de acesso (desigualdades). Paradoxalmente, e apesar de a Constituição da República Portuguesa garantir acesso geral, universal e tendencialmente gratuito, são já 4 milhões os portugueses que beneficiam de seguros ou de subsistemas que lhes garantem acesso a cuidados de saúde a um setor privado em trajetória de crescimento.
Sem surpresa, o Executivo considera que o investimento no SNS é o garante de uma política de saúde que permite assegurar a cobertura universal e a resposta às necessidades de saúde, da nascença até ao final de vida, para as quais prevê um variado leque de ações, que passamos a descrever:
ÁREA DE SAÚDE PÚBLICA
- Promoção do princípio da “Saúde em Todas as Políticas”, dando especial continuidade ao Programa Bairros Saudáveis;
- Articulação entre os setores da saúde, da agricultura e do ambiente, com especial enfoque no combate à resistência aos antimicrobianos;
- Intervenção nos principais fatores de risco, nomeadamente na promoção da alimentação saudável e da atividade física, no combate à obesidade, tabagismo e excesso de álcool, entre outros;
- Garantir rastreios visuais e auditivos a todas as crianças e reforçar o acesso das crianças e adolescentes a atividades de saúde escolar, com prioridade para os que se encontrem em situação vulnerável;
- Disponibilização de atividades preventivas de doença, como os rastreios oncológicos de base populacional e o rastreio da retinopatia diabética;
- Melhoria do acesso a consultas de promoção da saúde e prevenção da doença, de acordo com os Programas Prioritários, designadamente com presença de psicólogos e nutricionistas (ao nível dos cuidados de saúde primários);
- Aprovação de um novo modelo de organização das respostas aos comportamentos aditivos e dependências;
- Melhoria da organização e articulação dos serviços de saúde pública, com mecanismos de maior integração entre as estruturas do SNS, a Proteção Civil, o setor social e a sociedade civil;
- Aprovação de uma lei de emergência em saúde pública, com vista a robustecer o enquadramento jurídico que sustenta as medidas de prevenção, controlo e mitigação decretadas pelas autoridades de saúde.
ACESSO AO SNS
- Utilização do Centro de Contacto SNS 24 como porta de entrada e referenciação no SNS;
- Reforço do agendamento com hora marcada para a atividade programada de todas as instituições e serviços públicos de saúde;
- Generalização dos mecanismos de agendamento online de consultas no âmbito dos cuidados de saúde primários;
- Utilização da telessaúde e criação de um Centro Nacional de Telemedicina e de uma rede nacional de telemedicina;
- Expansão dos Balcões de Saúde do Cidadão (mais freguesias);
- Intervenção das farmácias comunitárias, em especial no seu papel de estruturas de proximidade;
- Promoção da prescrição de genéricos e de medicamentos biossimilares;
- Desenvolvimento de uma política de inovação para acesso a novos medicamentos e dispositivos médicos;
- Implementação do sistema de informação para gestão do acesso que suporta a referenciação dos utentes entre níveis de cuidados e monitoriza o cumprimento dos tempos máximos de resposta garantidos;
- Integração e continuidade de cuidados centrada no utente, nomeadamente através da criação do processo clínico eletrónico único;
- Garantia do direito dos estrangeiros com processos de regularização pendentes à obtenção de número de utente do SNS.
COBERTURA DOS CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
- Revisão e generalização do modelo das Unidades de Saúde Familiar (USF), garantido que estas cubram 80% da população;
- Visitação domiciliária dos residentes em estruturas para idosos;
- Reforço das Unidades de Cuidados na Comunidade;
- Novos modelos de prestação de cuidados de saúde de proximidade, nomeadamente através de 30 novas unidades de saúde móveis nas regiões do interior e de baixa densidade;
- Realização dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica mais comuns em todos os Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES);
- Dotar progressivamente todos os ACES para a prestação de cuidados no âmbito da saúde mental, nutrição, saúde oral e visual;
- Promoção de projetos de gestão integrada dos percursos dos cidadãos no SNS, reforçando a continuidade de cuidados e o seguimento dos doentes crónicos;
- Simplificação das tarefas administrativas, assegurando mais tempo para a atividade clínica, nomeadamente pela disponibilização de respostas para a doença aguda;
- Desmaterialização e integração dos resultados dos exames complementares de diagnóstico no processo clínico eletrónico;
- Conclusão do processo de descentralização de competências na área da saúde, em especial através da participação dos órgãos municipais no planeamento, na realização de investimento de construção, equipamento e manutenção de unidades de cuidados de saúde primários e na respetiva gestão;
- Construção ou modernização de 100 unidades de cuidados de saúde primários.
REDE HOSPITALAR
- Revisão das redes de referenciação hospitalar e do modelo de organização e funcionamento dos serviços de urgência;
- Desenvolvimento da hospitalização domiciliária, expandindo a escala e as patologias mediante o reforço de equipas;
- Revisão do funcionamento das Equipas de Gestão de Altas, de modo a garantir o alinhamento da alta clínica e social e uma transição segura entre níveis de cuidados;
- Dinamização da organização interna dos hospitais em Centros de Responsabilidade Integrados;
- Alargamento das consultas descentralizadas e a consultoria de especialidade aos cuidados de saúde primários, definindo protocolos de referenciação para as especialidades hospitalares com maior procura;
- Reforço da autonomia na gestão hospitalar, nomeadamente em matéria de contratação de profissionais de saúde;
- Revisão do modelo de financiamento dos hospitais, tendo em conta os cuidados prestados e a população de referência;
- Construção das novas unidades hospitalares Central do Alentejo, Lisboa Oriental, Seixal, Sintra, Central do Algarve e a maternidade de Coimbra.
CUIDADOS CONTINUADOS E INTEGRADOS
- Aumento do número de camas da rede geral para assegurar a cobertura integral do país;
- Garantir as primeiras Unidades de Dia e Promoção de Autonomia da rede;
- Constituição de equipas de Cuidados Continuados Integrados em todos os ACES;
- Aumento das respostas no âmbito da saúde mental e constituição de Equipas de Apoio Domiciliário de Saúde Mental;
- Alargamento das respostas de internamento de cuidados paliativos em hospitais de agudos;
- Aumento do número de camas de cuidados paliativos de baixa complexidade em todas as regiões (Rede Nacional de Cuidados Paliativos);
- Constituição de Equipas Comunitárias de Suporte em Cuidados Paliativos em todos os ACES que ainda não disponham.
REFORMA DA SAÚDE MENTAL
- Conclusão da cobertura nacional de Serviços Locais de Saúde Mental, nas respostas de internamento, ambulatório e intervenção comunitária;
- Desinstitucionalização dos doentes residentes em hospitais psiquiátricos e em entidades das ordens religiosas para respostas residenciais na comunidade;
- Alargamento da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados na área da Saúde Mental;
- Qualificação dos internamentos de psiquiatria forense e construção de unidades forenses de transição para a comunidade;
- Implementação dos Planos Regionais de Saúde para as demências.
POLÍTICA DE RECURSOS HUMANOS
- Reforço do número de trabalhadores no SNS;
- Implementação do regime de trabalho em dedicação plena, de aplicação progressiva, a iniciar pelos trabalhadores médicos numa base voluntária e de compromisso assistencial, com negociação sindical do acréscimo do período normal de trabalho semanal em vigor, do acréscimo remuneratório e do regime de incompatibilidades;
- Revisão dos incentivos pecuniários e não pecuniários para a atração e fixação de médicos em zonas carenciadas;
- Implementação de medidas de substituição do recurso a empresas de trabalho temporário e de subcontratação de profissionais de saúde;
- Valorização das carreiras dos enfermeiros;
- Criar da carreira de técnico auxiliar de saúde;
- Promoção da integração de médicos dentistas no SNS e recrutamento dos profissionais em número adequado aos gabinetes de saúde oral dos cuidados de saúde primários;
- Desenvolvimento do conteúdo funcional específico do secretariado clínico;
- Reforço dos serviços de saúde ocupacional das unidades do SNS;
- Implementação do Plano de Ação para a Prevenção da Violência no Setor da Saúde, em especial no que se refere ao apoio integral às vítimas dos episódios de violência e às ações preventivas e de promoção de uma cultura de segurança;
- Estimular a oferta de serviços de creche para os filhos dos profissionais de saúde.
GOVERNAÇÃO DO SNS
- Maior participação dos cidadãos na melhoria contínua dos serviços de saúde, através da designação de um representante das associações de utentes no conselho da comunidade dos ACES e no conselho consultivo dos Hospitais e Unidades Locais de Saúde;
- Implementação de sistemas de avaliação sistemática e periódica nos estabelecimentos e serviços do SNS, que incluam a realização de inquéritos de satisfação aos beneficiários ou utentes;
- Criação de um fórum das associações de utentes, que promova a sua audição de forma regular e a participação ativa nas decisões;
- Criação da Direção Executiva do SNS, com o papel de o dirigir a nível central, coordenando a resposta assistencial das suas unidades de saúde, assegurando o seu funcionamento em rede e monitorizando o seu desempenho e resposta;
- Implementação dos Sistemas Locais de Saúde, com atividades que contribuem para a melhoria da saúde das populações e para a redução das desigualdades em saúde.
A NÃO PERDER
No próximo dia 20 de abril tem lugar a conferência “Saúde, Prioridades para Legislatura 2022-2026”, da Convenção Nacional da Saúde, que decorrerá na Ordem dos Médicos, em Lisboa.
A iniciativa, tem como objetivo criar um momento de reflexão sobre as prioridades da saúde para os próximos quatro anos.
Comentários