Estamos outra vez a caminho de umas novas eleições legislativas. Como tal é sempre bom recordar alguns dos maiores mitos sobre o sistema eleitoral que surgem através da difusão de ideias erradas pela comunicação social e ainda pelo desinteresse e falta de informação sobre o assunto.
O sistema eleitoral é mais complexo do que parece. Efetivamente, nestas eleições legislativas vão ser eleitos 230 deputados distribuídos pelos 22 círculos eleitorais, sendo que o número de deputados a eleger por cada círculo é proporcional ao número de eleitores presentes nessa região. Neste âmbito destaca-se a exceção do círculo da Europa e de Fora da Europa, que compreende os portugueses emigrados e onde não existe esta proporcionalidade.
Assim, é percetível que os portugueses ao votarem no seu círculo eleitoral, elegem como deputados as pessoas presentes nas listas dos partidos. Por causa disto, nestas eleições não pode haver o voto em mobilidade que existiu nas eleições europeias porque nesse ato eleitoral tínhamos um círculo único, de todos os cidadãos portugueses.
Começo já aqui com um mito: não são só os cidadãos portugueses com mais de 18 anos que podem votar. A verdade é que os cidadãos brasileiros, residentes em Portugal, que sejam portadores de cartão de cidadão com estatuto de igualdade de direitos políticos, podem votar nas eleições legislativas. Os direitos políticos são conferidos a estes cidadãos pela nossa Constituição no artigo 15,3.
Há uma ideia muito errada e que surge, por vezes, na televisão de que se elege o primeiro-ministro. Contudo, não se elege, e não há sequer candidatos a primeiro-ministro. Depois das legislativas, o partido mais votado é convidado pelo Presidente da República a formar governo. Tal não quer dizer que vá efetivamente governar, dado que precisa que o seu programa de governo seja aprovado na Assembleia da República, e dependendo de uma maioria à esquerda ou à direita, o cenário governativo pode ser muito diferente, como vimos em 2015.
É preciso desmistificar a ideia que ouvimos no quotidiano de que vamos votar no Pedro Nuno Santos ou no Luís Montenegro para primeiro-ministro. Isto é errado e há mesmo muitas pessoas que não fazem ideia que não votam neles, mas sim nas pessoas que constam da lista do seu distrito a deputadas por aquele partido.
Há ainda quem exponha que não vai votar, porque são todos iguais. Sinceramente, isto é, um mito e um grande descrédito na política, mas não é desta forma que se demonstra descontentamento com os candidatos e até com o sistema.
Se alguém não se identifica com nenhum partido deve ir às urnas e votar em branco, de forma séria e clara. Apesar de ter a liberdade de escolher ficar no sofá, votar é um direito e um dever cívico importante e deixar que os outros escolham por nós, não é uma boa ideia. Há pessoas abstencionistas que criticam tudo na política, mas no dia de ir às urnas não fazem a diferença, ao escolher alguém que fizesse melhor, aliás, que os representasse melhor.
Há quem refira que é exatamente igual não votar ou votar em branco, mas para mim não é, porque os votos em branco apesar de “não servirem para nada” traduzem-se numa percentagem concreta de pessoas que não se reviram em nenhum partido.
Por causa disto, há quem vá longe e defenda que os votos em branco deveriam ser contabilizados para retirar assentos de deputados no Parlamento, ficando o lugar vazio. O mesmo já foi referido sobre a abstenção, mas desse ponto de vista, alguém que não quer escolher e quer que os outros escolham por si não deverá ser contabilizado assim pelo sistema. Contudo, acho esta ideia muito irrealista.
O nosso sistema, que segue o modelo D’Hondt, não é perfeito e apresenta graves problemas. Mas nunca haverá nenhum sistema perfeito por isso, como defende o Professor Vital Moreira, o sistema precisa de obras, de alguns “remendos” circunstanciais que possam trazer melhorias.
Estamos a falar de cerca de 761 mil eleitores que se deslocaram às urnas e o seu voto não serviu para eleger ninguém.
O nosso sistema, com círculos plurinominais e com um modelo dos quocientes, desperdiça imensos votos, chegando ao ponto de haver partidos que elegem, com menos votos, do que outros que tem mais, mas estão dispersos por vários círculos.
No meu entender, está mais que na hora de se optar por criar o designado “círculo de compensação”, isto é, todos os votos que não serviram para eleger nenhum deputado, faziam parte de um círculo único final, que aproveitava de distribuir alguns deputados pelos partidos mais pequenos. Na Região Autónoma dos Açores, esta ideia é aplicada, permitindo que partidos como a IL, CHEGA, BE e PAN consigam eleger para a Assembleia Regional.
A razão para isto ainda não ter sido implementado é muito simples: os dois maiores partidos presentes na Assembleia da República iriam ficar a perder com este círculo, sendo que na minha opinião, a democracia ganha imenso pois teríamos mais representação dos partidos ditos “mais pequenos” abrindo portas a entrada de novos partidos como o ADN, Volt e JPP.
Este era um “remendo” que permitia que o voto de muitos portugueses não fosse desperdiçado. Segundo um estudo do Instituto Mais Liberdade, estamos a falar de cerca de 761 mil eleitores que se deslocaram às urnas e o seu voto não serviu para eleger ninguém. É grave. São cerca de 12% de todos os votos e corresponde, a sua maioria, a círculos do interior de Portugal, círculos onde se elegem poucos deputados.
Veja-se que Braga é o terceiro distrito que elege mais deputados nas eleições de 2025, com 19 deputados a serem eleitos. Enquanto Portalegre, com 90 mil eleitores elege apenas 2 deputados, o que significa que neste círculo surge o problema do voto útil.
Os eleitores que conhecem o sistema veem-se forçados a votar num partido que não é a sua primeira escolha, simplesmente porque o sistema não lhes dá a liberdade de poderem ter um representante do partido que querem, porque os partidos com menos representação não elegem.
Por isso, parece-me que os votos dos portugueses não valem todos o mesmo: um voto de um eleitor em Lisboa, vale muito mais do que um voto de um eleitor em Portalegre, porque há círculos onde os eleitores estão asfixiados com esta questão do voto útil.
Portanto, acredito que há muitos votos vertidos nos ditos “partidos grandes” que não são reais, nesta perspetiva. A única maneira de tornar o sistema mais libertário é optar-se por esta medida.
Esta discussão já dura há alguns anos e surge como remédio para os votos desperdiçados, mas também para o aumento da pluralidade do parlamento. Será que na próxima legislatura haverá uma revisão à lei eleitoral?
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