“O turismo é um problema que nunca foi encarado a sério na nossa terra.” A constatação poderia ser minha, mas é do jornalista Francisco Rebelo Mesquita (1910-1978), que a tornou pública em 7 de janeiro de 1956, num texto de opinião sobre o assunto, intitulado “Terra de turismo, sem turismo”, publicado no “Jornal de Famalicão”, meio de comunicação que fundara em 1949 e do qual era diretor e proprietário.
Nesse texto, escrito há quase 69 anos, na sequência da reabertura do Hotel Garantia (que tinha sido inaugurado em 19 de junho de 1943, tendo encerrado anos depois por falta de clientes), Rebelo Mesquita abordou as diversas potencialidades turísticas de Vila Nova de Famalicão, lamentando a incapacidade para fazer “a necessária propaganda”.
Em Famalicão, o turismo foi sempre considerado um pelouro menor, um parente pobre, com o orçamento mais baixo e o último vereador da lista.
Para mudar a situação, Rebelo Mesquita defendia a criação de uma Comissão Municipal de Turismo, que tivesse à frente alguém com “sangue novo”, e acrescentava que, assim, “acabaremos por impulsionar a nossa terra que, sendo de turismo, não o tem porque não o explorou ainda”.
O cenário continua muito parecido. Em Vila Nova de Famalicão, o turismo foi sempre um dos calcanhares de Aquiles da gestão municipal. Com o poder local democrático, inaugurado em 1976, na sequência do processo de democratização do país, o turismo passou a ter um vereador responsável.
O problema é que, em todos os executivos municipais, o turismo foi sempre considerado um pelouro menor, um parente pobre, com o orçamento mais baixo, sob a responsabilidade do último vereador da lista. Para utilizar a linguagem futebolística do atual presidente da Câmara, em matéria de turismo, Famalicão continua a jogar para os campeonatos distritais.
Na verdade, nada sabemos sobre uma política municipal de turismo para Vila Nova de Famalicão. Como nada soubemos nos oito anos da presidência de Paulo Cunha. Dou um exemplo: o vereador Augusto Lima, que tutelou o turismo até 2021, lançou a marca “Famalicão Cidade Têxtil” – uma ideia muito boa –, que poderia ser uma das placas giratórias da comunicação turística de Vila Nova de Famalicão. Mas além de uma brochura em papel de luxo, com fios a segurar botões reciclados muito bonitos, nada foi feito. O projeto foi um fiasco.
Feito este curto diagnóstico, importa apontar ideias e projetos para o futuro. Para quem quiser agarrá-los. É esse o propósito do projeto que quero partilhar com os leitores do NOTÍCIAS DE FAMALICÃO. Porque este jornal tem um compromisso informativo com os famalicenses que passa, também, por apontar caminhos e soluções para a gestão pública da nossa terra.
É preciso ter a ambição de ir muito mais além, transformando a atmosfera minhota que Camilo descreveu nas suas obras de literatura em algo que se torne num espaço turístico e cultural que seja incontornável nas rotas nacionais e internacionais, com turistas a frequentar São Miguel de Ceide durante todo o ano.
Em São Miguel de Ceide, a Casa-Museu de Camilo Castelo Branco continua a ser um espaço de cultura cujas potencialidades turísticas ainda estão foram devidamente exploradas. Cuidamos da casa-museu, aliás integrada na Rede Portuguesa de Museus, o que sinaliza a sua qualidade museológica e soubemos ampliar o ambiente camiliano com o Centro de Estudos Camilianos – uma estrutura moderna muito bem integrada pelo génio arquitetónico e paisagístico de Álvaro Siza Vieira. Mais recentemente foi reconstruída a chamada “casa do caseiro”, ao lado da casa de Camilo e Ana Plácido, foi reabilitada a galeria do museu e foi adquirido pela Câmara Municipal um pequeno terreno agrícola nas traseiras da casa.
Agora é preciso ter a ambição de ir muito mais além, fazendo crescer a atmosfera minhota que Camilo descreveu nas suas obras de literatura e transformando-a em algo que se torne num espaço turístico e cultural que seja incontornável nas rotas turísticas nacionais e internacionais, com turistas a frequentar São Miguel de Ceide durante todo o ano. As grandes atrações turísticas internacionais não nascem por geração espontânea. Elas são planeadas. Elas criam-se. Elas são acarinhadas e divulgadas.
Para esse efeito transformador em São Miguel de Ceide, que, por ação estratégica da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, teria envolver e mobilizar todo o setor turístico famalicense, nomeadamente nas áreas da hotelaria, da gastronomia, dos transportes, etc., recomendo a criação de um projeto que pode ser designado por Quinta do Romantismo, em torno da Casa de Camilo, em homenagem a Camilo Castelo Branco e Ana Plácido, eternizando o seu legado e a sua época.
O romantismo foi um movimento artístico e intelectual que surgiu na Europa no final do século XVIII que atingiu o seu auge durante o século XIX. Camilo Castelo Branco, enquanto escritor, o primeiro profissional português a viver daquilo que escrevia, foi um dos representantes mais luminosos desse movimento.
A Quinta do Romantismo seria um espaço público visitável, de verdadeira cultura minhota e popular, que nos tempos atuais significaria uma aposta na agricultura, no ambiente e na sustentabilidade, preservando e regenerando uma zona muito bonita do concelho de Vila Nova de Famalicão.
A Quinta do Romantismo seria uma propriedade agrícola com vida própria, com pessoas a trabalhar, recriando as vivências rurais e as gradições culturais que existiam no século XIX. Um espaço de cultura rural para que as crianças e os jovens urbanos do século XXI – assim como os turistas em geral de todo o país e do estrangeiro – pudessem visitar, para verem com os próprios olhos como vivem as galinhas, as vaquinhas, os porquinhos e outros animais autóctones; como nascem os ovos; como se cultivam as batatas, o milho, as favas ou as árvores de fruto; como se fazem as desfolhadas; como se mata o porco; como se fazem as vindimas e como se faz o vinho verde, etecetera, etecetera.
A Quinta do Romantismo seria um espaço público visitável, de verdadeira cultura minhota e popular, que nos tempos atuais também significaria uma aposta na agricultura, no ambiente e na sustentabilidade, preservando e regenerando uma zona muito bonita do concelho de Vila Nova de Famalicão, colocando-a na rota do turismo cultural, e incentivando todos os famalicenses a cuidarem das suas propriedades.
Paralelamente à propriedade agrícola, que seria da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, eadministrada de acordo com um modelo de gestão a definir, a Quinta do Romantismo seria um centro de atividades culturais permanentes sobre o romantismo, com colóquios, edição de publicações, encontros de escritores e outros artistas, exposições, visitas escolares, enfim, uma programação cultural capaz de atrair públicos diferenciados, populares e eruditos, durante todo o ano.
Para que este projeto tenha lugar, caberia à Câmara Municipal, em sede de Plano Diretor Municipal, cativar terrenos agrícolas em torno da Casa de Camilo, classificando-os como tal e adquirindo-os para o projeto. Terrenos férteis em Ceide e freguesias adjacentes, assim como terrenos florestais. E os famalicenses interessados, teriam bolsas de terrenos nos quais seriam responsáveis pela gestão da produção agrícola, à semelhança do que acontece com o projeto das hortas urbanas.
A produção agrícola poderia ser colocada à venda sob o selo de qualidade da produção biológica e sob a marca da própria Casa de Camilo. E a Casa de Camilo poderia, inclusive, organizar uma feira de produtos biológicos em determinadas alturas do ano, vender os produtos diretamente na quinta e ter a sua própria banca no Mercado Municipal de Vila Nova de Famalicão, mobilizando pequenos produtores da agricultura biológica de outros pontos do concelho, e até da região, que teriam ali uma forma de escoar os seus produtos alimentares.
Depois da Casa de Camilo e do Centro de Estudos Camilianos, a Quinta do Romantismo seria um projeto de valor, formando um tripé perfeito que, estou certo, poderia transformar Famalicão numa referência na Península Ibérica no que diz respeito ao movimento romântico.
A ideia seria desenvolver um projeto com cabeça, tronco e membros, este sim, um projeto para a “Liga dos Campeões”, juntando cultura, agricultura sustentável e economia, que transformasse Camilo Castelo Branco numa atração com vida que fosse um dos verdadeiros motores do turismo de Vila Nova de Famalicão e da economia turística local.
Depois da Casa de Camilo e do Centro de Estudos Camilianos, a Quinta do Romantismo seria um projeto de valor que formaria um tripé perfeito que, estou certo, poderia transformar Vila Nova de Famalicão, senão na verdadeira capital do romantismo da Península Ibérica, pelo menos, numa referência no que diz respeito ao movimento romântico e às suas vivências, capaz de atrair turistas, de desenvolver a nossa economia turística e de mobilizar pequenos produtos da agricultura biológica. Além de fomentar o respeito pela vida animal, de trabalhar a pedagogia da sustentabilidade e dos hábitos saudáveis, etc.
Obviamente, seria um projeto para concretizar e consolidar durante um ou dois mandatos autárquicos. Mas seria um projeto verdadeiramente transformador, diferenciador, com valor acrescentado, que criaria um motivo muito forte de atração turística nacional e internacional. E, assim, talvez Vila Nova de Famalicão pudesse disputar públicos turísticos a outros destinos e os famalicenses pudessem constatar que, afinal, somos uma terra de turismo, com turismo.
Post scriptum – Mesmo com as estruturas existentes, nenhum dos equipamentos do universo que envolve a Casa de Camilo está a ser devidamente promovido e aproveitado. Indico quatro lacunas: 1) O Centro de Estudos Camilianos não está a cumprir a sua função de abertura à investigação literária, disponibilizando ao público e aos investigadores o acervo camiliano. Basta entrar no site da casa-museu para confirmar que a sua plataforma tecnológica, que tem 20 anos, está totalmente ultrapassada; 2) O mesmo Centro de Estudos Camilianos tinha prevista a criação de um bar que nunca funcionou; 3) A Casa-Museu de Camilo tem agora uma zona de venda de livros e produtos de “merchandising”, mas a Câmara Municipal não tem uma estratégia comercial e de marketing para rendibilizar o negócio, tanto na casa-museu como no centro de estudos; 4) A “casa do caseiro” foi reconstruída, mas é um espaço sem vida, pois não vive lá ninguém.
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