Sandra Pimenta é uma ativista política em ascensão no cenário político famalicense. Desde 2019 ela tem sido o rosto do partido Pessoas Animais Natureza (PAN) no concelho, tendo sido candidata à presidência da Câmara Municipal em 2021. Não conseguiu ser eleita vereadora, mas não desistiu.
Recentemente, foi reeleita porta-voz da Comissão Política Concelhia (CPC) do PAN e passou a integrar a Comissão Política Permanente do partido a nível nacional. E no concelho, é uma das raríssimas vozes da oposição nas principais polémicas que envolvem a gestão municipal, apontando soluções e insurgindo-se com frequência contra a política ambiental da Câmara Municipal, de maioria PSD-CDS.
Preocupada com o facto de o concelho de Vila Nova de Famalicão se ter tornado um dos mais quentes do país, e pela subida da temperatura no centro da cidade, em consequência das obras de feabilitação urbana que comportaram o abate de árvores de sombra, Sandra PImenta não tem dúvidas: “É necessário perspetivar mudanças urgentes e profundas no que concerne à situação ambiental do concelho. Consideramos essencial a criação de mais espaços verdes descentralizados e zonas naturais protegidas.”
Em entrevista ao NOTÍCIAS DE FAMALICÃO, Sandra Pimenta aborda outros temas quentes que envolvem a gestão municipal, nomeadamente ao nível do urbanismo e dos transportes, e volta a criticar a cedência da floresta famalicense para projetos empresariais de impacto duvidoso na economia, como a central fotovoltaica que implicou a destruição florestal na zona envolvente ao monte de Santa Catarina. “Não pode valer tudo para a transição energética”, adverte a líder do PAN em Vila Nova de Famalicão.
“O PAN NÃO ACOMPANHA A NARRATIVA POPULISTA…”
NOTÍCIAS DE FAMALICÃO – Recentemente, foi reeleita porta-voz da Comissão Política Concelhia (CPC) do Pessoas Animais Natureza (PAN) e passou a integrar a Comissão Política Permanente do partido a nível nacional. Quais são as principais prioridades da ação política do PAN no concelho de Vila Nova de Famalicão?
SANDRA PIMENTA – Para esta mais recente equipa que forma a comissão política do PAN Famalicão é fundamental respeitar os três eixos base do partido – Pessoas, Animais, Natureza – porque falar de um implica necessariamente impacto nos restantes. O PAN Famalicão considera fundamental debater de forma séria e comprometida questões como a falta de habitação. Sendo certo que se exigem estratégias pensadas a longo prazo. A segurança rodoviária é algo que nos preocupa e inclusive já apresentamos uma recomendação ao executivo para que este lance um estudo sobre causas para a constante ocorrência de acidentes, e, paralelamente, que desenvolva uma campanha municipal de sensibilização para condutores e peões.
Também não podemos esquecer que precisamos de trabalhar diariamente as questões de igualdade de género e respeito pelos direitos LGBTI+, onde se exige uma verdadeira inclusão. É certo que iremos continuar a exigir uma ação concertada em torno do nosso rio Pelhe. Esta é uma bandeira do PAN desde a sua formação em 2019. E sem dúvida que a preservação das poucas zonas florestais que restam ao concelho tem de ser, na nossa opinião, um tema que iremos exigir que esteja presente na agenda do executivo.
Em relação à questão do bem-estar animal, o PAN não acompanha a narrativa populista de que temos um Centro de Recolha Oficial Animal de Famalicão (CROAF) muito moderno e elogiado. Isso para nós vale muito pouco perante as condições de clausura a que os animais ficam sujeitos, anos e anos a fio. Queremos uma política de prevenção, algo que também defendemos desde sempre. E, paralelamente, o executivo vai ter de se definir sobre outras atividades que envolvem a utilização de animais, como por exemplo, feiras agrícolas e a recente medieval. Manter animais presos, horas a fio, sem qualquer possibilidade de mobilidade, expostos a barulhos e ambientes estranhos, não é compatível com o nosso conceito de bem-estar.
NOTÍCIAS DE FAMALICÃO – Qual é a sua perspetiva sobre a situação ambiental do concelho de Famalicão?
SANDRA PIMENTA – No início do ano de 2022, o concelho de Vila Nova de Famalicão foi apontado como um dos mais quentes do país, e ainda estávamos no inverno. Já no verão, vimos a temperatura do solo subir até aos 52ºc no centro da cidade, que foi recentemente reabilitado. Estamos agora no verão e o cenário assemelha-se ao do ano passado e é necessário perspetivar mudanças urgentes e profundas no que concerne à situação ambiental do concelho. Consideramos essencial a criação de mais espaços verdes descentralizados e zonas naturais protegidas. O que aconteceu em Gemunde-Outiz foi um exemplo claro daquilo que nos separa dos partidos tradicionais. A nossa visão para aquela zona passaria pela criação de um parque protegido natural e nunca por uma central fotovoltaica. Não pode valer tudo para a transição energética.
“QUALQUER UM CONSTRÓI ONDE LHE APETECE”
NOTÍCIAS DE FAMALICÃO – Estamos na estação do verão, período crítico para os incêndios florestais. O que acha do papel da autarquia na prevenção dos incêndios florestais e na proteção civil em geral?
SANDRA PIMENTA – O papel do poder local no que concerne à prevenção e combate aos incêndios é essencial, pois são as câmaras municipais, juntamente com as juntas de freguesia, que melhor conhecem a realidade do seu território e, portanto, saberão, à partida, gerir as suas necessidades, apontando falhas e solucionando-as, ou pressionando as entidades competentes. Paralelamente, importa reforçar a fiscalização e, antes de tudo, repensar como estamos a organizar o nosso território. Se cada decisão, estratégia, plano, não tiver como ponto assente a prevenção, considerando os fenómenos extremos a que assistimos, cada vez com mais frequência, situações dramáticas como as de Pedrógão podem acontecer em qualquer localidade.
NOTÍCIAS DE FAMALICÃO – O Plano Diretor Municipal está em processo de revisão. Além disso, foram lançadas unidades de execução em determinadas zonas do concelho, algumas envoltas em polémica. Qual é sua posição em relação à política do urbanismo?
SANDRA PIMENTA – O PAN recentemente participou em pelo menos três discussões públicas relativamente a Unidades de Execução – Tribunal, Pelhe e recentemente a da zona envolvente ao Hospital. O que se assiste em comum em todos eles é uma completa indiferença pela questão ambiental, falta de visão a longo prazo e o perpetuar de políticas que criam ainda mais pressão quer urbanística quer de tráfego no centro da cidade. Artificializar os poucos espaços verdes que ainda restam no centro e arredores da cidade, parece ser o grande objetivo deste executivo. Por outro lado, a partir do momento em que as revisões de PDM se fazem sem um verdadeiro debate público promovendo e chamando à participação associações e a comunidade em geral, é continuar a fazer política de gabinete. Os e as famalicenses precisam de ser informados sobre o verdadeiro impacto que uma revisão de PDM e processos inerentes têm na sua qualidade de vida.
O concelho parece uma manta de retalhos, onde qualquer um constrói no local que lhe apetece sem qualquer estratégia a longo prazo de organização territorial. Qualquer zona habitacional corre o risco de no dia de amanhã acordar com um pavilhão em frente à janela, não são criadas zonas seguras para que as famílias possam livremente usufruir do espaço onde vivem, as zonas 30 que tanto defendemos é algo estranho ao executivo, e, continua-se a pensar no hoje, única e exclusivamente.
“FORAM ROUBADOS 9.000 M2 AO PARQUE DA CIDADE E 80 MIL A OUTIZ”
NOTÍCIAS DE FAMALICÃO – Famalicão é o terceiro concelho mais exportador do país. Qual é o papel do ecossistema empresarial na promoção de um concelho mais sustentável?
SANDRA PIMENTA – Essa tem sido uma das bandeiras da maioria PSD-CDS para justificar a carta branca a tudo que é destruição de Reserva Agrícola ou Reserva Ecológica Nacional. A questão que deixamos é: quem e quando vamos pagar essa fatura, se é que não a estamos já a pagar. Sem dúvida que o tecido empresarial tem um papel fundamental na nossa sociedade, mas os pratos da balança não podem continuar neste desequilíbrio constante. Precisamos de regras e limites. Precisamos de equilíbrio.
Sob o chapéu do interesse público municipal lembramos que 9.000 metros quadrados foram roubados ao Parque da Devesa, 80.000 mil metros quadrados a Outiz, ao que acresce uma população em constante desespero porque nem uma janela pode abrir tal é o odor a efluentes derivados da agropecuária. Para o PAN é essencial que cada empresa que se instale em Famalicão tenha consciência que terá de contribuir para a sustentabilidade do município, e essa exigência tem de partir com base critérios ambientais e laborais que as mesmas têm de cumprir, mas também é necessário cativar novas empresas, com produtos diferentes, áreas de investigação diferente. Temos de abrir o leque de ofertas a nível de empregos, até com vista a garantir que os nossos jovens se sentem motivados a trabalhar no nosso concelho. A tríade de metalúrgica, pecuária, têxtil não significa um equilíbrio sustentável para o nosso concelho.
NOTÍCIAS DE FAMALICÃO – Em junho, foi adjudicado o concurso público de transportes que agrega os municípios de Vila Nova de Famalicão, Santo Tirso e Trofa, através da Mobiave. Também foi anunciado um novo regulamento dos parques de estacionamento. Qual é a sua posição sobre a política de transportes e de mobilidade da autarquia?
SANDRA PIMENTA – Mais um exemplo da lentidão dos processos. Lembramos que a parceria entre os três municípios remonta a 2017. Desde há muitos anos que temos um grave problema no que concerne à oferta de transportes públicos e não se perspetiva uma solução estratégica, especialmente quando se continua a privilegiar o uso do automóvel. O excesso de circulação rodoviária é uma realidade cada vez mais constante no nosso concelho, e já se torna claro que as mais recentes obras no centro não resolveram a questão do congestionamento.
Optar por taxar os parques de estacionamento e não reforçar a fiscalização de estacionamento indevidos é a combinação perfeita para continuar a criar o caos. Igualmente, tem de ser garantido que o comércio local não é, uma vez mais, prejudicado quando comparado com as superfícies comerciais que oferecem estacionamento gratuito.
A visão nada ambientalista deste executivo levou inclusive a rejeitar as propostas do PAN aquando da elaboração do Regulamento da partilha de velocípedes, onde apresentamos propostas no sentido de se alargar o horário disponível de acesso às mesmas e criar ligação a freguesias limítrofes e estratégicas, potenciando o uso de meios suaves. As ciclovias continuam a ser pedaços espalhados pela cidade, sem qualquer ligação entre elas e sem qualquer perspetiva de alargamento ao resto do concelho.
“MUNICÍPIO TEM QUE DAR RESPOSTA ÀS CARÊNCIAS DE HABITAÇÃO”
NOTÍCIAS DE FAMALICÃO – Tal como acontece com os portugueses em geral, os famalicenses estão com dificuldades crescentes no acesso à habitação e em cumprir o pagamento das rendas ou das prestações do crédito bancário. O que pensa das medidas municipais que estão a ser tomadas perante essa situação?
SANDRA PIMENTA – Se queremos um concelho verdadeiramente amigo das pessoas, em que seja correto alegar que se gosta de viver aqui, não poderemos continuar a compactuar com a segregação das pessoas e famílias mais carenciadas empurrando-as para a periferia da cidade. O município tem de dar resposta às carências de habitação pública e que estas permitam que quem mais precisa possa ter acesso às mesmas oportunidades de trabalho, de acesso à cultura, aos serviços públicos.
É fácil perceber quais são as prioridades de um executivo. Basta olharmos para o tempo que demora a elaborar uma estratégia local de habitação e a colocar a mesma em prática. Sabendo que a tendência em termos de oferta de habitação quer para a compra quer para o arrendamento está a ser negativa para as famílias, não podemos concordar com decisões que optam por construir hipermercados e restaurantes de fast food em zonas habitacionais e não pensar em aproveitar o espaço – considerando que a questão ambiental está sempre de lado para o executivo – para construção de habitação a preços controlados, algo que poderia ter acontecido na zona do hospital.
NOTÍCIAS DE FAMALICÃO – Um desenvolvimento equilibrado e justo passa pela redução das desigualdades sociais. A atual política autárquica reflete essa preocupação?
SANDRA PIMENTA – A questão da desigualdade social, no geral, remete-nos para vários eixos de atuação. Irá continuar a existir desigualdade enquanto tivermos famalicenses que vivem sem acesso a uma casa condigna, ou se continuar a assistir à diferença salarial entre homens e mulheres, ou se ignora que existem imigrantes que precisam de ser acompanhados e integrados condignamente na nossa comunidade. Mas também, quando por força de limitação de acesso a transportes públicos, acaba-se por limitar o acesso a oportunidades de emprego, por exemplo. E por isso nos debatemos tanto para que se garantam as devidas oportunidades de acesso de forma equitativa. Aqui, importa, um trabalho coordenado entre autarquia e governo central, e tecido empresarial.
“EM FAMALICÃO HÁ 153 IDOSOS POR CADA 100 JOVENS”
NOTÍCIAS DE FAMALICÃO – No período entre 2011 e 2021, houve um decréscimo ligeiro da população famalicense. Há um aumento do envelhecimento e do número de migrantes de diversas nacionalidades. Qual é a sua posição perante as questões demográficas?
SANDRA PIMENTA – É uma realidade um pouco transversal a todo o país. Quando se sabe que em Famalicão existem 153 idosos por cada 100 jovens, significa que desde já temos de por um lado preparar respostas de apoio à população mais vulnerável e por outro cativar famílias – portuguesas ou não – a escolherem Famalicão para viver. Mas isto passa por garantirmos que o nosso concelho é atrativo em termos de emprego, habitação e qualidade ambiental. Por outro lado, não podemos aceitar que se vejam os imigrantes, migrantes ou refugiados como um peso, mas antes como uma mais valia para o nosso país e concelho.
NOTÍCIAS DE FAMALICÃO – Foram realizadas obras de grande dimensão na cidade. Cerca de oito meses após a sua inauguração, em novembro passado, considera que o centro da cidade está mais ou menos atrativo?
SANDRA PIMENTA – A questão da atratividade poderá ser subjetiva. O que nos preocupa é o valor gasto e em que foi gasto. Retirar calçada portuguesa para dar lugar a grandes blocos de granito é ignorar materiais que fazem parte da nossa história e cultura e mostra uma total indiferença pelo impacto ambiental que este obra significa. Não podemos deixar de referir as dezenas de árvores que foram arrancadas para dar lugar à obra, o que se revela crucial em épocas de calor, assim como temos alguma dificuldade como é que as pessoas vão encontrar algum tipo de conforto no mobiliário exterior que lá foi colocado. Ao PAN importa que qualquer projeto considere fatores ambientais e a praticabilidade do que se vai fazer. Se assinalamos como ponto positivo retirar o trânsito de parte de algumas ruas, consideramos que tal poderia ser obtido com obras muito menos megalómanas.
“DEFENDEMOS O REFORÇO DA POLÍCIA MUNICIPAL”
NOTÍCIAS DE FAMALICÃO – Falando ainda no centro da cidade, foi anunciada a implantação de um sistema de videovigilância como medida necessária para a segurança de pessoas e bens. Qual é a sua posição em relação à atuação da autarquia no domínio da segurança pública?
SANDRA PIMENTA – Há cerca de um ano, quando o assunto foi anunciado pelos órgãos de comunicação social, pedimos alguns esclarecimentos à Câmara Municipal nomeadamente sobre o parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados, e as principais fundamentações justificativas sobre a necessidade e conveniência da instalação do sistema de vigilância por câmaras de vídeo. Pedido este que tivemos de reforçar já este ano, por ausência de qualquer resposta. Sabemos, neste momento, que ainda não existem as devidas autorizações. A fundamentação do executivo parece-nos muito insuficiente. Não temos acesso a dados concretos que justifiquem a utilização deste sistema, não podemos esquecer que está em causa a recolha de imagens e isso tem de ser muito bem fundamentado para avançar. Defendemos que deveria, isso sim, existir um reforço da presença da polícia municipal nas ruas, o que permitiria criar a sensação de segurança das pessoas, e paralelamente atuariam na fiscalização de eventuais irregularidades a ocorrer na via pública.
NOTÍCIAS DE FAMALICÃO – Este ano, Vila Nova de Famalicão celebra o seu 38º aniversário de elevação a cidade. Qual a mensagem para os famalicenses neste aniversário?
SANDRA PIMENTA – Que sejam agentes da mudança. Todos e todas precisam de ser partes ativas na nossa sociedade. Precisamos de ser mais reivindicativos e exigentes com quem decide diariamente o destino do nosso concelho. A gestão pública não pode continuar sem o devido escrutínio.
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