A liberdade de escolher o nosso caminho e de nos expressarmos livremente sempre foi um ideal perseguido, uma promessa de horizontes vastos onde poderíamos ser quem quiséssemos. No início do século XXI, com a revolução digital e a globalização a encurtar distâncias, parecia que as últimas amarras iriam finalmente ceder, inaugurando uma era de aceitação e compreensão sem precedentes. No entanto, olhamos à nossa volta e deparamo-nos com uma realidade paradoxal e desconcertante. Somos mais “abertos” em teoria, sim, mas nunca antes vimos tanto preconceito a circular, tanto discurso de ódio a proliferar e tanta intolerância a sufocar o que deveria ser a nossa maior virtude.
A liberdade de reivindicar os nossos direitos tornou-se um hino entoado a plenos pulmões. Gritamos por igualdade, por espaço, por reconhecimento. Mas, no eco dessas vozes tão vibrantes, parece que nos esquecemos de uma melodia fundamental: a do respeito pelo outro. Enclausuramo-nos em nós mesmos, obcecados pelos nossos próprios objetivos e ambições, e acabamos, ironicamente, por nos tornarmos reféns dessas mesmas metas. A corrida incessante pelo “ter” e pelo “fazer” transforma-se numa maratona exaustiva, onde a linha de chegada, muitas vezes, nos deixa com um vazio ainda maior do que aquele de onde partimos. Queremos alcançar, mas a satisfação é fugaz, rapidamente substituída pela ânsia de mais. Passamos a vida a tentar preencher um abismo interno de fora para dentro, cegos para a riqueza que já possuímos.
A liberdade de expressar a nossa voz, que deveria ser um pilar da nossa autonomia e do debate saudável, foi, de certa forma, sequestrada pelo frenesim das redes sociais. Nos palcos digitais, as opiniões, por vezes mais inflamadas e menos ponderadas, multiplicam-se sem o peso da responsabilidade ou da empatia que um diálogo olho no olho exigiria. A palavra falada é substituída pela escrita, na maioria das vezes para discriminar, para travar lutas desiguais, para erguer muros em vez de construir pontes… Reclamamos por empatia, mas desviamos o olhar, evitamos a conexão genuína que nos permitiria reconhecer o outro na sua essência.
A liberdade de sermos quem efetivamente somos parece ter-se desvanecido num labirinto de expectativas. Vestimos máscaras sociais, construímos fachadas impenetráveis e evitamos quem nos vê para além delas, por medo da vulnerabilidade, por receio de sermos verdadeiramente expostos. E nessa fuga constante de nós mesmos, procuramos incessantemente alcançar um ideal de “liberdade” que a verdadeira liberdade, aquela que reside na alma, não vê nem precisa.
A genuína liberdade não se mede pela acumulação de bens, pela concretização de todas as ambições materiais ou pelo aplauso alheio. Ela reside na capacidade de nos aceitarmos incondicionalmente, de respeitarmos profundamente o outro e de encontrarmos contentamento naquilo que já somos e que já temos.
A liberdade de construir um futuro autêntico talvez resida em nos libertarmos das amarras invisíveis: das expectativas externas, do medo constante do julgamento e da necessidade incessante de preencher vazios com o que é material ou transitório. Talvez seja tempo de silenciar o ruído exterior e escutar a voz que vem de dentro, de despir as personas que tanto nos pesam e, finalmente, de usar a nossa inestimável liberdade para, simplesmente, ser.
Porque, como canta Carolina Deslandes, a verdade é que sempre tivemos “a liberdade debaixo dos braços” – o desafio é aprendermos a soltá-la para, finalmente, voar.
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