Encerrou no passado dia 23 de setembro a discussão pública da 2ª revisão do Plano Diretor Municipal (PDM) de Vila Nova de Famalicão.
O PDM é um documento central onde se traça o futuro do Concelho. Nele se define o uso do solo, o seu modo de urbanização e a localização dos equipamentos públicos, nele se articulam as estratégias nacionais, regionais e municipais e é ele a referência para o desenvolvimento dos planos municipais e das intervenções do Estado, de modo a garantir o crescimento equilibrado e coordenado do Município.
A revisão deste documento é, portanto, um momento chave para o futuro Concelho, pelo que me empenhei pessoalmente na sua discussão pública, sobretudo no que toca à proposta de alteração da classificação do solo da área desportiva da cidade, na Avenida de França. Esta área representa um importante eixo desportivo e de lazer para a comunidade e a proposta de revisão do PDM pretende reduzi-la em cerca de 65%, colocando em risco o futuro dos equipamentos desportivos da cidade.
UM PROCESSO HISTÓRICO
Há 30 anos, quando o Município desenvolveu o seu primeiro PDM, aquela área foi classificada como “Espaço de Uso Especial – Equipamentos”, uma designação que restringe o uso daquele espaço à construção de infraestruturas de interesse coletivo.
Essa decisão estratégica teve como objetivo criar uma zona desportiva, beneficiando da localização em terrenos municipais onde já se encontravam o Estádio Municipal e o Pavilhão Gimnodesportivo, ao mesmo tempo que beneficiava da proximidade à zona escolar, o que permitia aproveitar as sinergias entre a juventude e a prática desportiva, enquanto a sua centralidade em relação à cidade favorecia o acesso e a integração urbana. Com o tempo, a visão do primeiro PDM foi sendo concretizada com a construção do campo de treinos do estádio, das piscinas municipais e dos campos de ténis.
CONTEXTO POLÍTICO
A proposta de revisão do PDM foi envolvida por uma série de acontecimentos que não posso deixar de elencar:
- A discussão pública foi agendada para o período das férias de verão, entre 29 de julho e 23 de setembro, o que limitou significativamente a participação e o debate público efetivo sobre a proposta.
- Apesar disso, à hora de encerramento do período de discussão pública, no website da Câmara Municipal onde os cidadãos eram convidados a participar na discussão pública, as sugestões e reclamações sobre estes terrenos eram as mais numerosas entre todas as sugestões específicas submetidas.
- Poucas horas depois do encerramento da discussão pública, surgiu a notícia de que o novo estádio poderia vir a ser localizado na freguesia de Cabeçudos, financiado com o valor obtido pela venda dos terrenos do estádio atual, que com a reclassificação para “Espaço Central – Nível 1” passariam a ter um valor de mercado compatível com o investimento necessário.
- Na Reunião de Câmara da passada quinta-feira, dia 26 de setembro, quando confrontado com as notícias sobre uma nova localização para o estádio, o Dr. Mário Passos remeteu para as declarações que fez em fevereiro, ou seja, a intenção é fazer um novo estádio de raiz no mesmo lugar do atual, usando a formulação “um edifício com um estádio dentro”.
Estes acontecimentos permitem-nos concluir que, por falta de informação e de tempo de reflexão, nunca estiveram reunidas as condições para uma discussão pública séria sobre este assunto, e ainda assim o tema mereceu a maior atenção dos famalicenses.
A PROPOSTA ATUAL E AS SUAS IMPLICAÇÕES
A proposta de revisão do PDM reclassifica cerca 5 hectares atualmente ocupados pelo Estádio Municipal e pelo campo de treinos, transformando-os em “Espaço Central de Nível 1”, o que permitirá a construção de habitação, comércio e serviços, com a maior densidade de ocupação de solo prevista no nosso PDM. Esta reclassificação suscita-me várias preocupações que procurarei clarificar:
1. Com os equipamentos desportivos existentes a operar muito para além da sua capacidade, para onde poderão expandir-se ou como serão acomodadas as futuras necessidades desportivas da cidade?
2. Assumindo que esses novos equipamentos se vão dispersar pelo território, esta proposta abdica das sinergias que se podem estabelecer com a comunidade escolar. Não se estará a olhar para o acessório e a esquecer o principal?
3. Ao retirar 65% da área de equipamentos, esta proposta hipoteca de vez a possibilidade criada no PDM de 1994 de consolidarmos um único espaço urbano onde os cidadãos possam praticar desporto e assistir a eventos desportivos, fomentando hábitos saudáveis na comunidade. Em troca de quê?
4. Olhando para o Eurobarómetro do Desporto e Atividade Física vemos Portugal no último lugar da União Europeia em termos de prática desportiva, tanto juvenil quanto ao longo da vida. Investir em equipamentos desportivos é fundamental para inverter esta realidade e melhorar a saúde pública, a qualidade de vida, a educação e a prevenção de comportamentos de risco. Não seria prudente continuar a consolidar a zona desportiva com novos equipamentos em vez de a classificarmos como área de construção e a entregarmos à construção civil?
UMA PERGUNTA E UMA SUGESTÃO
Outra decisão estratégica vertida no primeiro PDM de 1994 foi a criação de um parque urbano nos terrenos à volta do rio Pelhe, na zona Este da cidade. Pergunto ao leitor: o que teria acontecido se em 2012, quando o Município reuniu as condições para construir o nosso Parque da Devesa, os sucessivos executivos entre 1994 e 2012 tivessem reclassificado partes daqueles terrenos com os mesmos critérios que o atual executivo pretende agora aplicar à zona desportiva da cidade?
Para melhorar o humor do leitor, sugiro que google por “Oympiapark Munchen”, “Foro Italico”, “Xi’an Sports Park”, ou “Shenzhen Skypark”. Verá várias conjugações possíveis entre desporto e cidade, em diversas épocas e geografias. Não verá o caos urbano em que se transformarão aqueles 5 hectares caso esta proposta de revisão do PDM seja aprovada.
Post Scriptum: O autor foi um dos impulsionadores da Declaração Conjunta que o PAN e o Bloco de Esquerda subscreveram sobre a área desportiva de Famalicão.
Comentários