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Quarta-feira, 13 Novembro 2024
Taciana Flores
Taciana Flores
Advogada a exercer em Portugal e no Brasil, Taciana Flores é, desde 2020, presidente da Associação de Integração Multicultural em Famalicão, dedicada à inclusão de migrantes. É vice-presidente da Comissão Internacional da Mulher da Associação Brasileira de Advogados e membro do Instituto Brasileiro de Direito Estrangeiro e Comparado.

Reestruturação do controlo de fronteiras e o dilema entre segurança versus direitos humanos

A criação da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF) faz parte de um esforço maior para integrar Portugal na estratégia do Novo Pacto Europeu sobre a Migração e o Asilo.

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Advogada a exercer em Portugal e no Brasil, Taciana Flores é, desde 2020, presidente da Associação de Integração Multicultural em Famalicão, dedicada à inclusão de migrantes. É vice-presidente da Comissão Internacional da Mulher da Associação Brasileira de Advogados e membro do Instituto Brasileiro de Direito Estrangeiro e Comparado.

Famalicão

Portugal inicia um novo capítulo na gestão das suas fronteiras e políticas migratórias com a implementação da Lei n.º 73/2021 e o desenvolvimento do Plano de Ação para as Migrações do Governo. Estes avanços não são isolados, mas fazem parte de uma reação coordenada às mudanças do Novo Pacto Europeu sobre a Migração e o Asilo, que visa criar uma estrutura de segurança interna mais eficiente, adaptada aos desafios migratórios do presente e do futuro.

A criação da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF) na Polícia de Segurança Pública (PSP) representa uma viragem ambiciosa — e, sem dúvida, controversa — na política de migração e controlo de fronteiras em Portugal. Com a UNEF, o governo promete maior eficiência e rapidez nos processos de afastamento e retorno de cidadãos em situação irregular. Contudo, essa promessa de modernização levanta uma questão crucial: até que ponto uma política de segurança eficaz pode coexistir com a preservação dos direitos humanos e com o acolhimento digno de quem chega às nossas fronteiras?

A criação da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF), dentro da Polícia de Segurança Pública (PSP), é o ponto central desta reestruturação, que pretende fortalecer o controlo nas fronteiras e melhorar os mecanismos de retorno de cidadãos em situação irregular. Este passo faz parte de um esforço maior para integrar Portugal na estratégia do Novo Pacto Europeu sobre a Migração e o Asilo.

Importa realçar que a criação da UNEF não implica a transferência de competências administrativas de regularização da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) para a PSP. Essas responsabilidades permanecem inalteradas, exceto no que se refere aos processos de afastamento, readmissão e retorno. Assim, busca-se estabelecer um novo equilíbrio que não interfira nas atribuições da Guarda Nacional Republicana (GNR) nem da Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros (UCFE).

Outro ponto de destaque é a introdução do Sistema de Entrada/Saída (SES), uma solução tecnológica que substitui o tradicional carimbo no passaporte, reforçando a segurança nas fronteiras externas da União Europeia. A UNEF, além de integrar Portugal no Novo Pacto Europeu sobre Migração e Asilo, propõe respostas mais eficientes e coordenadas para a migração.

Contudo, mais do que uma simples reforma logística, essa mudança reflete a nova abordagem que a União Europeia e a comunidade internacional têm adotado em relação à migração. Apesar de a inclusão de medidas para assegurar “migrações seguras, ordenadas e regulares” parecer promissora, é crucial questionar a eficácia real dessas políticas na prática.

O Pacto Global das Migrações da ONU e o Novo Pacto Europeu podem ser bem-intencionados, mas suas implementações têm sido frequentemente marcadas por lacunas que comprometem a dignidade e os direitos dos migrantes. A falta de respostas nos processos de migração tende a criar um ambiente hostil, onde a proteção de fronteiras se torna uma justificativa para o descaso com as vidas humanas.

No papel, Portugal parece estar a seguir uma trajetória que não se limita à modernização, mas que também almeja uma maior solidariedade para com os países da CPLP. Ao estabelecer que as autorizações de residência para os cidadãos destes países terão agora a mesma validade das concedidas a residentes de outras regiões, o governo dá um passo positivo. No entanto, cabe indagar se as estruturas do sistema estão, de facto, preparadas para responder às novas exigências, com capacidade de resposta rápida diante do atraso de inúmeros processos de regularização atualmente.

A realidade é que o sistema de imigração e asilo é complexo e carregado de nuances que não se resolvem apenas com legislação ou novas unidades de segurança. A UNEF, embora necessária, poderá enfrentar desafios significativos ao tentar conciliar as suas novas competências com o respeito pelos direitos dos migrantes.

Ao olharmos para esta reestruturação, não devemos ignorar o contexto mais amplo: a segurança nacional não pode, em hipótese alguma, justificar o sacrifício de um tratamento humano e justo. A segurança nacional é indiscutivelmente vital; porém, mais do que nunca, necessitamos de um sistema que garanta a capacidade de integrar, acolher e respeitar os direitos fundamentais de todos os que cruzam as nossas fronteiras. Sem isso, corremos o risco de retroceder a um modelo rígido e inflexível, que vê o migrante como uma ameaça em vez de um ser humano.

 

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Advogada a exercer em Portugal e no Brasil, Taciana Flores é, desde 2020, presidente da Associação de Integração Multicultural em Famalicão, dedicada à inclusão de migrantes. É vice-presidente da Comissão Internacional da Mulher da Associação Brasileira de Advogados e membro do Instituto Brasileiro de Direito Estrangeiro e Comparado.