A estrada nunca antes percorrida

Votar é um ato de liberdade que nenhum poder deveria comprar com alcatrão, com promessas de emprego de última hora, com subsídios avulso ou com favores sociais que só aparecem em tempo de campanha.

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Neste momento em que me lê, já sentiu certamente a azáfama deste novo período eleitoral. E já terá assistido ao mesmo ritual: as máquinas descem às ruas, o alcatrão corre apressado, as placas anunciam obras que, curiosamente, só surgem quando se aproximam as urnas.

Durante quatro anos, os cidadãos desviaram-se dos buracos, suportaram estradas degradadas, viveram o abandono. Agora, em tempo de campanha, são presenteados com a sua localidade transformada em estaleiro — e cada buraco tapado é exibido como prova de trabalho.

Mas não será isto apenas encenação? Não se sente manipulado, ridicularizado, infantilizado por um poder que o ignora durante anos e só se lembra de si quando precisa do seu voto?

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Sabemos bem que esta prática não é nova. É uma engrenagem hábil, quase invisível, que estende as suas garras às associações, às coletividades, às instituições locais. Multiplicam-se apoios e subsídios, como se a gratidão pudesse ser comprada. As declarações de apoio surgem como coro ensaiado, mas raramente são genuínas. É apenas o sistema, manipular, coagir, a simular entusiasmo.

O boletim de voto não é papel sem valor; é escudo e espada, é semente e futuro.

Vale a pena recordar: a democracia, demos e kratos, o poder pelo povo — nasceu para que cada voz contasse, para que cada escolha moldasse o destino comum.

Sócrates, o filósofo (não o nosso “de Paris”),  acusado de não aceitar os “deuses da cidade”, mostrou no seu julgamento que a integridade não se vende nem se troca. Preferiu a morte a renunciar aos seus princípios. E ensinou-nos que a cidadania exige coragem, mesmo quando desconfortável, mesmo quando arriscada.

Quando hoje entramos numa cabine de voto, carregamos esse legado. O boletim não é papel sem valor; é escudo e espada, é semente e futuro. É um ato de liberdade que nenhum poder deveria comprar com alcatrão, com promessas de emprego de última hora, com subsídios avulso ou com favores sociais que só aparecem em tempo de campanha.

E eis a ironia cruel: para fugir ao trânsito causado pelas obras de última hora, procuramos caminhos novos, atalhos, estradas alternativas. Fazemos, sem perceber, aquilo que recusamos na política, abandonamos a estrada habitual e seguimos outra rota. Não será este um sinal?

Ilusão é votar sempre nos mesmos e esperar resultados diferentes.

Estamos numa encruzilhada. Podemos continuar pela estrada gasta, enganados pelas mesmas promessas e pelos mesmos rostos. Ou podemos, finalmente, escolher a estrada menos percorrida: a estrada da mudança, da coragem, do voto livre.

Lembre-se: cada vez que hoje fica parado num semáforo, preso no caos de uma obra apressada, não é progresso que testemunha. É apenas o sistema a fingir trabalho onde houve apenas abandono.

O voto, não é favor. O voto, não é agradecimento. O voto é dignidade, é soberania e é liberdade.

Ilusão é votar sempre nos mesmos e esperar resultados diferentes.

O destino coletivo depende da coragem de cada um em tomar decisões conscientes.

Só assim se escreve o futuro: com escolhas que nascem do compromisso e se constroem com presença.
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