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Quarta-feira, 24 Abril 2024

“Património do Externato Delfim Ferreira é intangível e continuará a ser agregador”

Entrevista com José Carlos Fernandes Pereira, fundador da Associação dos Antigos Alunos do Externato Delfim Ferreira, que considera o encerramento da escola, que este ano completaria 60 anos de existência, "uma enorme e irreparável injustiça".

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Na contagem descrescente para o 10.º Encontro de Antigos Alunos, Professores, Funcionários e amigos do Externato Delfim Ferreira, o NOTÍCIAS DE FAMALICÃO entrevistou José Carlos Fernandes Pereira, fundador da Associação dos Antigos Alunos do Externato Delfim Ferreira. Considera o encerramento da escola, que este ano completaria 60 anos de existência, “uma enorme e irreparável injustiça”.

José Carlos Fernandes Pereira é formado em Direito e administrador hospitalar. Frequentou o ensino secundário no Externato Delfim Ferreira, de Riba de Ave, no início da década de 1990. Escreve a coluna “Causas e Efeitos” no no dia 6 de cada mês, no NOTÍCIAS DE FAMALICÃO.

 

NOTÍCIAS DE FAMALICÃO (NF) – Quando frequentou o Externato Delfim Ferreira?

JOSÉ CARLOS FERNANDES PEREIRA (JCFP) – Entrei para o Externato Delfim Ferreira em 1990, para frequentar os 10.º, 11.º e 12.º anos de humanísticas. Saí em 1993, mas visitava-o com alguma frequência.

NF – Por que razão frequentou apenas estes três anos?

JCFP – Estava numa fase da minha adolescência em que tinha que encontrar um espaço que me orientasse para um futuro alicerçado num bom ensino e em valores fortes. Razões que me levaram a pedir aos meus pais para me matricular no Colégio de Riba de Ave. Daqui fui para a universidade, para o Porto, onde me licenciei em Direito e conheci novas pessoas. Acabei por me fixar nesta cidade, mas nunca perdi o contacto com o Colégio nem com muitos dos antigos professores, alguns hoje meus amigos.

NF – Que valores foram esses?

JCFP – O Externato Delfim Ferreira possuía um ideário humanista, de inspiração cristã, que se sentia quando atravessávamos os seus portões. Éramos orientados para a família, a solidariedade, a amizade, a igualdade, o respeito pelo próximo, o amor à vida, enfim, valores que, mesmo ensinados nas nossas casas, eram reforçados desde o diretor ao aluno de mais tenra idade.

NF – Eram esses valores que o faziam regressar com frequência?

JCFP – Sem dúvida. Como disse, éramos uma segunda família.

NF – E já não são uma família?

JCFP – Hoje não temos uma “casa” para regressar, o Colégio fechou em 2019. Mas a família permanece e está maior. São quase seis décadas de antigos alunos, professores, funcionários. É um vasto património educativo que permanecerá nos tempos.

NF – Consegue nomear dois ou três dos professores que mais o marcaram?

JCFP – Senti-me sempre muito considerado, porque todos os professores se dedicavam a cada aluno de um modo muito pessoal. Há professores que marcaram várias gerações de antigos alunos. Recordo com muita saudade o meu professor de latim, Castro Mendes, um homem generoso e detentor de uma mente brilhante. Foi uma das maiores autoridades nacionais no ensino do português, latim, grego ou aramaico. Faleceu em 2012. A Rosarinho, minha professora de geografia, que nunca envelheceu, com quem mantenho contactos, ainda hoje incansável na sua dedicação aos antigos alunos e ao que representa o Colégio. Recordo também o Luís Lemos, um verdadeiro orientador, que nos permitiu ter uma visão para fazer as escolhas certas para o nosso futuro. O Rui Falcão, autor do nosso logótipo…

Prof. Castro Mendes.

NF – Fez as escolhas certas?

JCFP – Devo ao professor Luís Lemos a minha escolha do curso de Direito, no Porto. Esta opção marcou toda a minha vida e vejo-a como a mais acertada.

NF – Em 2003 fundou a associação de antigos alunos. O que o motivou?  

JCFP – O Colégio gozava de grande prestígio no panorama educativo nacional – era o melhor do distrito de Braga e um dos melhores do país. Com 40 anos de fundação, o Colégio merecia uma associação que estreitasse o relacionamento entre as várias gerações de antigos alunos, criasse laços de solidariedade e projetasse o nome do Externato Delfim Ferreira.

NF – Obteve recetividade por parte do Colégio?

JCFP – A recetividade foi total. O Doutor Aurélio Fernando, à data presidente da direção do Externato Delfim Ferreira, acolheu com grande entusiamo a nossa ideia, secundado pelos diretores Dr. Josias Barroso e Dr. Artur Pereira.

NF – Que lhe disse o Doutor Aurélio?

JCFP – Para avançarmos com a criação da associação. Ficaram-me na memória as palavras que escreveu no editorial d’ ”O Boca Aberta” de março de 2003: “Claro que fiquei radiante e em súmula disse-lhe: «juntai-vos e formai um só». Pois todos sabemos como as grandes amizades são feitas nos bancos da escola”. Em 10 de março de 2003, já estávamos a apresentar à imprensa a instalação da associação de antigos alunos. Em 22 de agosto de 2003 foi oficialmente constituída a Associação dos Antigos Alunos do Externato Delfim Ferreira, no 2.º Cartório Notarial de Vila de Nova de Famalicão.

NF – Que objetivos prossegue a associação?

JCFP – Além da defesa do nome do Externato Delfim Ferreira, promovemos o relacionamento pessoal e profissional entre os antigos alunos e intensificamos os laços de proximidade e solidariedade entre todos.

NF – Após o fim dos contratos de associação, o Externato Delfim Ferreira fechou em 2019. Há ainda espaço para manter esse espirito agregador da associação?

JCFP – O antigo ministro da Educação, Doutor Nuno Crato, escreveu-nos em 2012 que a verdadeira escola é aquela que extravasa o seu espaço e tempo e que se transmite dia a dia nas atuações, nas atitudes e nos valores de cada um de nós, no conhecimento, no trabalho, no esforço, na dedicação, no respeito ao próximo e na iniciativa. Um “antigo aluno” nunca abandona a sua condição de “aluno”, um elo umbilical à sua escola que nunca fará dele “ex-aluno”. É esta a força que nos move em volta da AAAEDF.

NF – Mas sem a existência de uma instituição de referência será agora mais difícil, ou não?

JCFP – Tenho por hábito mencionar que a propriedade de uma escola ultrapassa o seu conceito jurídico real, já que está gravado no nosso íntimo um forte sentimento de pertença que nos exige a responsabilidade de a defendermos e a gratidão de lhe reconhecermos o que fez por nós. Este património é intangível e continuará a ser agregador.

Durante a entrevista, José Carlos Fernandes Pereira revisitou arquivos e memórias, selecionando do seu acervo pessoal as imagens que aparecem ao longo desta entrevista. Fotografia NOTÍCIAS DE FAMALICÃO

NF – Como viu o fim dos contratos de associação?

JCFP – O financiamento do ensino particular e cooperativo e o futuro dos contratos de associação já haviam sido o tema de uma conferência que a AAAEDF organizou em 2012. Juntámos em Riba de Ave uma representante do Ministro da Educação, a Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a Associação de Professores do Ensino Particular e Cooperativo com Contrato de Associação. O país estava sob um Programa de Assistência Económica e Financeira e antecipávamos algumas alterações aos contratos de associação, mas nunca o seu fim, como veio a ocorrer mais tarde com um outro Governo e já com a troika fora de Portugal.

NF – A associação de antigos alunos marcou alguma posição durante esse processo?

JCFP – Estivemos sempre ao lado do Colégio. Reconhecemos que o tema envolveu uma carga ideológica, que dividia e divide a população e até os próprios antigos alunos. Considerando que não existia evidência de que os contratos de associação eram lesivos para o erário público face à alternativa estatal, antes pelo contrário, insurgimo-nos publicamente contra o seu fim. Em maio e junho de 2016 manifestámo-nos em Lisboa e participámos em reuniões no Ministério, com a então Secretária de Estado Adjunta e da Educação. Percebemos que a decisão era política e estava tomada.

NF – Acabaria por levar ao encerramento…

JCFP – O fim do contrato de associação com o Externato Delfim Ferreira culminou com a saída de alunos, que tiveram que terminar o ano letivo noutras escolas, acabando por levá-lo à insolvência e ao encerramento, em 2019.

NF – Foi uma decisão motivada por complexos ideológicos?

JCFP – Os pais e alunos procuram acesso a educação obrigatória gratuita e de qualidade, independentemente do proprietário da escola. O Estado deve assegurar este acesso e socorrer-se da rede de estabelecimentos disponíveis na sociedade, estatais ou não, concentrando a sua ação na qualidade, regulação e supervisão.

NF – Defende a liberdade de escolha na educação?

JCFP – A Declaração Universal dos Direitos do Homem defende o direito à educação, atribuindo aos pais o direito de escolher o género de educação para os seus filhos. A nossa Constituição acolhe o direito geral à educação democratizada ou o direito à igualdade de oportunidades de acesso. Se já existe liberdade de escolha na saúde, por que não da educação?

Não devemos negligenciar os estudos que confirmam que é menor a diferenciação social e económica nos países em que o Estado assegura o financiamento da educação a alunos desfavorecidos que frequentem escolas privadas, atenuando clivagens sócio-económicas com as escolas estatais, melhorando a equidade social e os resultados educativos.

NF – Poderia ter sido diferente o resultado para o Externato Delfim Ferreira?

JCFP – Repare, o Externato Delfim Ferreira foi fundado em 1962 com todos os graus de ensino. Em 1975 foi levado pelo Estado a tornar-se público, numa conjuntura política e social particularmente sensível. Em 1992 o Doutor Aurélio, seu fundador, foi condecorado com a comenda da Instrução Pública pelo então Presidente Mário Soares. Durante mais de quatro décadas o Colégio manteve-se ao serviço público e alvo de muita procura, até lhe ter sido repentinamente cortado o contrato de associação pelo Governo.

Não foi sequer dado tempo suficiente para que o Colégio se pudesse redimensionar e ajustar a um novo modelo de procura. Em 2019 fechou uma escola de referência nacional, detentora de um património cultural e educativo incalculáveis. Completaria 60 anos neste ano de 2022. Ao descartar quem serviu durante décadas o ensino público, o Estado cometeu uma enorme e irreparável injustiça.

NF – Considera correto o Estado financiar escolas privadas?

JCFP – A área da educação e do ensino superior representa dos maiores investimentos nos Orçamentos do Estado, pelo que necessita de uma gestão dos dinheiros públicos com elevada racionalidade em vista a alcançar os objetivos definidos. Em março de 2011 o Conselho Nacional de Educação emitiu um parecer que concordava que o financiamento do Estado ao ensino particular e cooperativo tivesse por referência os custos por aluno do ensino estatal e considerou a possibilidade do financiamento seguir o aluno, através dos chamados cheques-ensino ou cheques-educação. Há aqui uma lógica de diversidade de modelos e de racionalidade económica que subscrevo.

NF – E hoje não existe racionalidade na gestão dos dinheiros públicos?

JCFP – Há sempre melhorias possíveis, mas a exclusão das escolas privadas prestarem ensino público não foi a opção mais racional do ponto de vista económico. Em fevereiro o Tribunal de Contas emitiu um contributo para a melhoria da gestão pública no qual aponta preocupantes fragilidades do setor da educação e aponta necessidades urgentes de melhoria do desenho e acompanhamento e controlo das políticas públicas.

NF – Quais são os custos envolvidos?

JCFP – Em outubro de 2021 o Ministro da Educação anunciou que cada aluno na escola estatal custa 6.200 euros por ano, mais caro que os 4.025 euros por aluno dos contratos de associação. Mas também mais caro que as propinas cobradas pelos melhores colégios privados do país. Onde fica a racionalidade económica, pergunto?!

Acresce que os contratos de associação são um dos instrumentos possíveis para que o serviço público de educação não seja inteiramente prestado por escolas estatais. Quereremos um Estado educador? Em bom rigor, ao Estado compete garantir o direito à educação, o que não significa, nem implica, que o serviço público de educação se deva restringir às escolas estatais.

NF – Em abril vai haver um encontro de antigos alunos…

JCFP – A nossa associação organiza a cada dois anos uma reunião alargada da família EDF, marcado por diversas atividades, mas tendo sempre como ponto alto um almoço ou jantar de confraternização e o cântico do nosso Hino.

NF – Hino de autoria de dois grandes vultos da nossa cultura…

JCFP – Com letra de Aurélio Fernando e música de Benjamim Salgado, o Hino é um símbolo do Colégio de Riba de Ave e um legado importante da nossa cultura. Em 2021 o Município de Vila Nova de Famalicão registou o Hino do Colégio de Riba de Ave na sua base de dados do Património Imaterial, disponibilizando-o a quem o quiser consultar.

NF – Contam com uma grande participação?

JCFP – Cremos que com a aproximação do fim desta pandemia global, que já dura há dois anos, existe uma grande vontade de sairmos e regressarmos ao convívio com quem nos é próximo. Existe um grupo muito participativo das “Velhas Guardas do Colégio de Riba D’Ave”, dinamizado pelos decanos dos antigos alunos como o Basílio Costa, a Goretti Silva ou o José Cerqueira. Costumam participar antigos alunos, antigos professores e antigos funcionários de todas as décadas e gerações.

NF – Como se podem inscrever os interessados?

JCFP – As inscrições estão abertas até ao dia 30 de março e podem ser efetuadas num formulário disponível no site da AAAEDF ou através do mail jcarlospereira1@gmail.com. Existem informações detalhadas no site da Associação ou na rede social Facebook. Será um momento inesquecível de reencontros!

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