Em Portugal, temos práticas curiosas que dariam uma boa peça de teatro, trágico, mas comédia para quem assiste de fora. Uma delas é a obrigatoriedade de declaração de rendimentos e património para certos cargos políticos. A ideia, à partida, era nobre: garantir transparência, permitir escrutínio e assegurar que a vida pública não fosse um trampolim para fortunas privadas. Na prática, tornou-se um ritual burocrático vazio, uma liturgia sem fé, onde se assinam papéis, entregam-se anexos e, no fim, o silêncio das autoridades é tão ensurdecedor que até parece cúmplice.
Basta olhar para o poder autárquico. O cidadão comum, que convive diariamente com a realidade da sua terra, observa com espanto, e cada vez menos surpresa, o milagre português: alguém chega ao cargo com pouco mais que promessas de serviço público e, em poucos anos, emerge cercado de património, negócios, sociedades e um estilo de vida que não bate certo com o salário oficial. Milagre de Fátima? Espírito empreendedor súbito? Ou simplesmente a velha alquimia lusitana de transformar influência em rendimento, contratos em oportunidades, favores em capital?
Uns poucos detêm as chaves, distribuem favores e decidem quem pode prosperar
E quando a suspeita nasce, o que acontece? Nada. O silêncio é ouro, e em Portugal, ouro é silêncio. As entidades que deviam fiscalizar ou pedir explicações vivem numa letargia institucional, num comodismo que alimenta a ideia de que o problema não é de todos, mas apenas de alguns. Quem paga a conta? O mesmo de sempre: o cidadão contribuinte, que ainda por cima é convidado a acreditar que aqueles que ascendem ao poder se sacrificam como autênticos salvadores da pátria.
Na Assembleia da República, onde se podia resolver este problema com uma simples maioria, o enredo é ainda mais revelador. Os maiores partidos fingem desentendimentos profundos, como se estivessem em polos opostos, mas na prática, quando se trata de mexer na manta de retalhos que é a administração pública, reina a conveniência do imobilismo. Alterar a lei? Apertar o cerco? Criar mecanismos sérios de controlo? Melhor não. Afinal, quem se atreve a serrar o galho onde está sentado?
Vivemos numa república que se chama liberal, mas que muitas vezes se comporta como um condomínio privado, onde uns poucos detêm as chaves, distribuem favores e decidem quem pode prosperar. Aos restantes, sobra a condição de inquilinos de segunda, forçados a pagar a renda e a aplaudir a encenação. Transparência e justiça? Bonitas palavras, mas mal pagas. Por cá, rende mais a opulência discreta e o silêncio dourado.
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