Parece que a Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão ganhou destacadíssima o prémio de melhor instituição para trabalhar. Não falo de Portugal: falo do universo inteiro. Tanto é assim que ganhou o acrónimo que encima o título: AMEM-SE UNS AOS OUTROS, que deriva da qualificação “A Melhor Empresa do Mundo – Somos Excelência, União, Nobreza, Solidariedade, Altruísmo, Organização, Seriedade, Ousadia, Utopia, Transparência, Responsabilidade, Optimismo e Sucesso!”
E Mai’nada!
Também pudera. Começa logo pelas chefias. São do melhor que já se viu: gente interessada, mas nada interesseira; visionária, mas nada divisiva; transparente, mas nada intriguista. Dá gosto trabalhar assim.
E fosse só isso. Se fosse só isso era fácil, amigos. Vinha um município do lado e copiava o sucesso. E a verdade é que não vêm, e porquê? Porque, lá está, replicar o que é difícil de fácil não tem nada. Tomemos nota: a pedra de toque do sucesso desta organização que faz ver a tantas outras é que leva muito a sério uma cultura de diálogo interno.
Pois é assim que na “AMEM-SE UNS AOS OUTROS” reina a concórdia. Não espanta que tantos quadros promissores se deixem tentar pelo canto da sereia. Podiam arriscar uma carreira nas empresas, pois podiam. Podiam perseverar por esse caminho de pedras que é o do crescimento profissional no seio da nunca por demais exaltada iniciativa privada? Não sei se estão a ver, falo daquele modelo já um pouco antiquado em que se começa por baixo e à custa de muito suar as estopinhas lá se vão conseguindo galgar patamares dentro das hierarquias? (não confundir com autarquias…). Podiam, pois! Nem qualidade lhes faltava para isso. Mas, quando tal, preferem não ir por aí. É um modelo que não lhes assiste.
Apenas porque nenhuma empresa se compara à “AMEM-SE UNS AOS OUTROS”, valha-nos Deus. Fica difícil resistir a uma organização que faz de uma cultura de diálogo interno a sua pedra de toque. Além disso, quando tudo o resto falha, há sempre um último e inapelável argumento que acaba a conduzi-los, a esses quadros promissores, ao remanso prometedor do colinho camarário: e é o sentido de missão.
Pois se há coisa que os jovens (alguns, não tão jovens assim) militantes do PSD/CDS de Vila Nova de Famalicão têm é sentido de missão. Não brinco. Já aqui o escrevi, é preciso acreditar muito num projecto para aguentar as estopadas do Passos e companhia.
Mais ainda o PSD e o CDS que ciclicamente nos torram a paciência com esse postulado científico do meritocracia. Ele é meritocracia para um lado, ele é meritocracia para o outro. É isso e as PPP’s. As PPP’s também são muito boas, sobretudo porque – lá está! – fomentam a meritocracia. A deles, pelo menos: porque vai-se a ver e são sempre os mesmos que lá estão, a espalhar magia pelas organizações.
Às tantas, um pobre de Cristo que não partilhe dos jantares-comício em que estes predestinados se miscigenam com o povo lá se vai convencendo de que vive destituído de competências. É triste, mas incontornável: em face das porca-misérias de que se vai fazendo o dia-a-dia nas empresas onde o amor não abunda: as reuniões, os prazos, os objetivos, os entregáveis. Posto diante de tantas dificuldades, um homem vacila. E a inveja faz o resto.
Porque na “AMEM-SE UNS AOS OUTROS” não funciona assim. Uma organização de ponta como esta sabe reconhecer o direito inalienável aos lugares, sem necessidade de triagens, critérios ou avaliações estapafúrdias. Vai-se porque estava-se mesmo a ver que sim. Primeiro ocupa-se o lugar – por avença, claro. Nesse entretanto, conhecem-se os cantos à casa. Domina-se a matéria de facto. Apreendem-se os dossiês. Depois é que se abre a vaga propriamente dita.
Vejamos um caso mais recente.
Pois temos o exemplo estimável do Sr. Jorge Pedrosa. Para quem não saiba, é o presidente da concelhia do PSD de Vizela. E vereador, sem pelouro. E candidato à câmara por uma coligação PSD/CDS/IL. É a terceira vez que se candidata à presidência da câmara de Vizela.
O Sr. Jorge Pedrosa é licenciado em direito. porém, longe de patrocinar causas na sua terra natal, está ao serviço da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão. Começou pela porta de entrada habitual nos serviços, a da avença – desde 2022.
E já agora para fazer o quê, pergunta o leitor atento? Ora, para apoiar a Polícia Municipal a instruir “todo o processo de contraordenações viárias”. Serão muitas, serão poucas? Não sei. A Polícia Municipal não aparenta andar estafada de trabalhos, mas enfim. Parece que na Divisão de Assuntos Jurídicos não havia ninguém capaz de assumir a tarefa, daí o recurso a uma solução externa. E por isso se pagaram 1.750 eur/mês (acresce IVA), senhores!
De então para cá foi renovando sucessivamente a avença, em intervalos de 11/12 meses cada uma. Começou em 2022 com um contrato de onze meses; que renovou em 2023, por mais onze meses; que renovou em 2024, por mais doze meses.
Só a esfera de actuação mudou, pois desde 2023 vem-se dedicando a «implementar o sistema de auditoria interna» do município. Multifacetado, o menino. Também teve aumento: em 2024 a remuneração passou para 1.900 eur/mês (acresce IVA). Eu pergunto: e quem ficou a apoiar a Polícia Municipal na instrução de “todo o processo de contraordenações viárias?” Será que, nesse entretanto, a Divisão de Serviços Jurídicos já tinha alguém que assumisse a tarefa capazmente? Espero bem que sim, faltava mais essa de não darem à nossa Polícia Municipal os meios necessários para cumprir com zelo a missão que lhe está adstrita.
Ora muito bem. Tenhamos presente que as avenças não são vida que se recomende a ninguém, mesmo em se tratando de profissionais liberais prenhes de sucesso e competências. Chega uma altura na vida em que mesmo um guerreiro só quer a paz. No caso do Sr. Jorge Pedrosa, a paz chegou em março deste ano, quando ganhou o “procedimento concursal comum” (reparem-me neste português barroco) para “preenchimento de um posto de trabalho correspondente à carreira e categoria de Técnico Superior (área de Direito) na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado”.
Ufa. Uma pessoa cansa-se só de ler.
Curiosamente, em 2025 o contrato de avença foi só por quatro meses. Quase parece que já davam por certo que vinha aí um “procedimento concursal comum” e que o candidato Jorge Pedrosa era praticamente imbatível. Como veio a ser.
Pese embora a concorrência fortíssima. De um total de 89 candidatos, 4 reprovaram na prova de conhecimentos e 82 foram excluídos por falta de comparência a uma das fases de seleção. Para verem como era difícil, nem compareceram!
Sobraram 3 aprovados. Um deles leva toda a vida profissional de quatro anos quase completos na câmara, no que é um registo a todos os títulos impressionante. Nada de avenças aqui! Pois começou como estagiário e foi por ali fora até finalmente chegar ao pódio de um “procedimento concursal comum2. Também é Secretário da Mesa do Congresso Nacional da JSD. O serviço de missão, lembram-se?
O outro candidato é filho de um funcionário (parece implicância) e ingressou na câmara, imagine-se lá, há um ano atrás… por avença, claro – apesar da tenra idade. Outra vez a inveja a falar, porque sempre me impressionam aqueles profissionais que ainda agora começaram a gatinhar e já vão dando palestras sobre corridas. Eu nunca me consegui isso, confesso. Ah, dizer que também é da JSD, e era mesmo preciso? Não, claro que não. Já adivinhavam.
Cumpre-nos parabenizar, claro. Todos três candidatos: é que, ao final, por conveniência de serviço, couberam todos. Que é como quem diz, entraram os três no quadro da ‘AMEM-SE UNS AOS OUTROS’, e é assim que se põe em prática o espírito de missão que em cada um de nós habita. E ainda bem. Quem sai fortalecido é o concelho.
Mas em particular o Sr. Jorge Pedrosa, até porque 2025 está a ser um ano de realizações na sua vida. Não apenas alcançou a estabilidade laboral que (acredito) ardentemente procurava, como foi – dali a um par de meses – o escolhido para se candidatar à Câmara Municipal de Vizela. Por essa é que o novo patrão não esperava de certeza!
Ou então, se calhar, esperava. É que o Sr. Jorge Pedrosa foi eleito presidente da concelhia do PSD-Vizela em janeiro. Em lista única, diga-se. Depois em março é que passou para os quadros da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão. Depois em julho é que – surpresa, surpresa! – foi o escolhido do partido para ser candidato à câmara local.
Agora, do que o Sr. Jorge Pedrosa não se livra, mas de certezinha, é da angústia de ver frustradas as naturais expectativas que os superiores hierárquicos tivessem de o ver, no imediato, a pôr o serviço em dia. Também já é azar. Então agora que está no quadro da “AMEM-SE UNS AOS OUTROS” é que havia de surgir a oportunidade política?
Porque já se inicia a campanha eleitoral, e sabendo nós como são exigentes, em contactos com a população, em debates e entrevistas, na elaboração de propostas programáticas, pergunta-se: como fica o cumprimento do horário de expediente do recém-contratado da “AMEM-SE UNS AOS OUTROS”? Ora, como fica. Fácil não ficará, certamente.
O regime especial que regula a tolerância de ponto dos candidatos políticos apenas se aplica às duas semanas da campanha eleitoral ‘oficial’, as duas últimas que antecedem o dia da eleição. Antes disso, muita ginástica terá de ter o Sr. Jorge Pedrosa – nisso, não é diferente da generalidade dos candidatos que trabalhem por conta de outrem – para conseguir compatibilizar as responsabilidades profissionais que lhe estão adstritas com os compromissos políticos de uma candidatura camarária. Façamos figas.
Eu ao menos espero que a entidade patronal, na pessoa do presidente Mário Passos antes de qualquer outro, mostre alguma compreensão pelas vicissitudes da vida de um candidato. Porque reparem: nem sempre é assim.
Falo por mim. Lembro-me de ser jovem profissional e – lá está, como não habitava em mim o sentido de missão que encontramos tão arreigado nos jovens e não tão jovens assim militantes do PSD/CDS nossos conterrâneos – tinha acabado de iniciar funções numa empresa onde nem todos se amavam uns aos outros (embora ao princípio parecesse que sim). Coisas da vida.
Pois na altura prescreveram-me sessões de fisioterapia ao joelho e eu, por mais que tivesse conseguido agendar as sessões para as primeiras horas da manhã, sofri a natural insatisfação por anunciar aquela boa-nova: quase parecia que tinha estado à espera de ser contratado para informar que ia andar uns tempos a perder meias-manhãs. Claro que me dispus a compensar as horas com saídas tardias do expediente. Compreendam-me: era preciso mostrar serviço.
E é por isso, por saber o que elas custam, que estou nesta hora mais do que nunca solidário com o Sr. Jorge Pedrosa. Vejam bem lá isto. Quando mais importava mostrar que a aposta nele tinha sido a boa decisão, eis que um espírito de missão concorrente vem resgatá-lo das agruras da máquina administrativa da nossa autarquia.
Agora, será isto apenas temporário, enquanto dura a campanha eleitoral? Os eleitores vizelenses decidirão. Calhando tal, entrado outubro, ainda vai o Sr. Jorge Pedrosa espalhar a magia por outras freguesias. Tarefa fácil não será: como já alguém dizia no princípio desta crónica, na “AMEM-SE UNS AOS OUTROS” leva-se muito a sério a cultura de diálogo interno. Mas é um trabalho de décadas. São muitos anos a virar frangos.
Não obstante tudo isso, é preciso dizer que o Sr. Jorge Pedrosa parte na frente. Para mim, pelo menos: qualquer que seja a cor política dos candidatos em questão, a minha preferência irá sempre para os que, de entre eles, não tenham esposas que deem entrada nos serviços de urgência com hematomas vários e narizes partidos. Chamem-me esquisito.
Portanto, sim: nas próximas eleições autárquicas de Vizela somos todos pelo Sr. Jorge Pedrosa. A “AMEM-SE UNS AOS OUTROS” que me desculpe.
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