12.4 C
Vila Nova de Famalicão
Quinta-feira, 5 Dezembro 2024
Paulo Barros
Paulo Barros
Economista famalicense.

O triunfo da trampa (com uns pozinhos de Lobo Antunes e de Alexandre O’Neill)

Reparei que uma data de trampas saltaram logo do buraco assim que a trampa ganhou n’América. Cheios de planos estão eles.

4 min de leitura
- Publicidade -
Paulo Barros
Paulo Barros
Economista famalicense.

Famalicão

A trampa vai dominar o mundo. A trampa, para quem não saiba, é assim uma coisa pegajosa que faz comichão e incha o nariz. É uma doença, é isso! A trampa é como uma doença. Daquelas chatas que se coçam e não saem. A trampa não sai, entranha-se. Vamos ter trampa por dentro e por fora, e será empanturrados de trampa que seguiremos triunfantes rumo aos novos manhãs que trampam.

Vamos todos comer trampa. Beber trampa. Rebolar na trampa. Dançar com a trampa. Engolir engulhos feitos (claro) de trampa. O maior sapo do mundo a contas com um penteado laranja, a sorrir ao fundo do televisor. Todos os dias. Durante quatro anos, pelo menos.

Porque a trampa ganhou n’América e a América manda no mundo. A partir de agora, rapaziada, é começar a negociar com o absurdo. Exactamente o contrário do que sempre dissemos que não faríamos. Não será assim. É a vida, mas não apenas a vida. A trampa é maior do que a vida.

Reparei que uma data de trampas saltaram logo do buraco assim que a trampa ganhou n’América. Cheios de planos estão eles. E nós a ver.

Quando penso que, se fosse pela trampa, tínhamo-nos todos defenestrado por dentro com lixívia, e a alternativa era o Covid. Ainda lhe agradeceram pela originalidade e o que está mal é o desforço empregue a contrariá-los. Mas porque é que os contrariam, homens de Deus, porquê?

Era deixá-los injetarem-se à barda com lixívia. De todas as maneiras, a trampa não vai mesmo acabar senão por si mesma. De lhes quererem explicar coisas, não percebem que é da maneira que a trampa se obstina mais e mais? Só por isto: a trampa é ignorante e a ignorância é atrevida. Tem orgulho nisso, percebem ou não? E ainda lhes estendem o ramo de oliveira. Poupem-me.

Tanto, tanto, tempo perdido a tentar compreender a trampa. A contextualizá-la. Boa sorte com isso.

E calminha, porque ainda piora. Pois parece que agora a trampa não está sozinha. Assim nos explicam: estão as tecnológicas do seu lado e isso vai mudar a nossa vida. De vez. E ainda a Inteligência Artificial vai dando os primeiros passos…

Vamos deixar de ter realidades paralelas a pedido do freguês e é escusado rebater porque a única realidade que teremos é a realidade da trampa. Há dúvidas? Perguntem à trampa: ela lá saberá. E saberá melhor. Quando correr mal (porque vai correr mal), vão explicar-nos que está a correr bem. Outra vez. E nós acreditaremos.

Porque – lá está, não sei se já terei dito isto? – estaremos todos infectados de trampa.

Lembro um comentador televisivo que em tempos idos dizia – a propósito de ténis, vejam lá! – que “bolas altas e lentas reclamam do outro jogador… um smash!” A trampa passa o tempo todo a dar-nos bolas altas e lentas, mas não há quem lhes faça o favor. Tínhamos ao menos dado luta. Não era passar-lhes a mão pelo pêlo, de medo que os meninos amuem. Quando mais a trampa é casca grossa, pode bem com umas bojardas.

Mas agora é tarde. Tanta delicadeza no trato dá nisto, agora a trampa vai destruir o nosso planeta e o que é pior o planeta dos nossos filhos.

Vão lá contextualizá-los agora. Bardatrampa para isto.
………………………………………………………………………..…………………………………….…
[e se até aqui tudo foi uma ligeira variação de Lobo Antunes, o melhor que se arranjou…]

Em tempos difíceis, resta-nos a poesia…

Deixo-vos com uma variação sobre o poema pouco original do medo (Alexandre O’Neill, Abandono Vigiado, 1960)

A trampa vai ter tudo, tudo.
Penso no que a trampa vai ter
e tenho medo,
que é justamente
o que a trampa quer.

A trampa vai ter tudo,
quase tudo,
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar,
quase todos,
a ratos.

Sim,
a ratos.

Comentários

Paulo Barros
Paulo Barros
Economista famalicense.