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Vila Nova de Famalicão
Domingo, 28 Abril 2024
Paulo Barros
Economista famalicense.

Para não dizerem que não falei de flores

Entenderá o presidente que personifica o interesse dos famalicenses? Ou seja, quem discordar dele discorda do interesse dos famalicenses, é isso? Seja lá qual for esse interesse (o presidente não disse). Fica difícil conversar nestes termos.

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Famalicão

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Cá pelo burgo, o epílogo de uma semana atribulada foi o anúncio de mais uma obra de arte para “qualificar” o centro da cidade. Parece que será uma flor de aço, gigante, por onde repassam os raios de sol. Esqueceram-se de mencionar o preço, mas isso já era pedir muito. Até estranhávamos. A não ser que o Sr. Charters de Almeida tenha decidido oferecer «a última peça da sua carreira» ao município. Será isso? Também se é assim, já me parece que deveríamos agradecer publicamente pelo gesto. Fica a sugestão.

De resto, a primeira reflexão que se me impõe fazer é esta: podiam deixar-nos em paz com esta mania do embelezamento do espaço público. Mas lá está a lei mais imutável da física, sabem qual é? É esta:

– “Todo o autarca tem horror ao vazio”.

Deixar claro que não me refiro apenas ao edil que presentemente tem a honra de nos representar. É que são todos: em Famalicão apenas, não faltam exemplos, e os créditos repartem-se por sucessivos presidentes de diferentes partidos. Ganhamos nós, pois claro, que saímos qualificados com tanta qualificação à solta pela cidade.

Peço que não me interpretem mal. No caso concreto, e por uma vez, encontro aqui uma espécie de justiça divina. Senão vejamos: haveria outra manifestação artística mais adequada ao tempo que vivemos no município do que uma flor de aço? Gigante, ainda por cima. Por onde os raios de sol possam repassar – gloriosamente.

Pois teremos uma flor gigante de aço para todo o sempre plantada na praça central da cidade. Assim será que, num futuro radioso, as nossas crianças, os nossos velhinhos, os nossos animais domésticos, poderão todos fruir das suas arestas metálicas, das suas curvas metálicas e das suas sombras metálicas, e bem assim dos raios de sol espraiados pela ferrugem (que não terá, porque é de aço!), ao invés de simples e impunemente gozarem dos espaços abertos que alguma vez pudessem chegar a tomar como seus (mas não são, são da Câmara). Típico.

Enfim, outra justiça não lhe fosse feita, a novel obra de arte veio a calhar para encerrar a dita semana atribulada. Reparem, bem pouco antes – a expensas da sra. directora deste jornal – tínhamos todos ficado a saber o que não sabíamos (mas suspeitávamos): pois a câmara de Famalicão gastou mais com as ‘Antoninas’ do que gastou a câmara de Braga com o “S. João”; mais do que a câmara de Guimarães com as “Gualterianas”; mais do que a câmara de Barcelos com as “Cruzes”. É natural, dirão alguns, orgulhosos de tanta festança a quem não faz falta a comilança. E ainda a sra. directora não fez contas à Feira Medieval, nem à Feira de Artesanato & Gastronomia (e de concertos, digo eu), nem à Feira de S. Miguel. Temos, portanto, a vereação convertida em comissão de festas. Não é que seja crime. É, por assim dizer, uma forma de fazer as coisas.

A questão é que esta forma de fazer as coisas depois dá-se mal com certas prorrogativas institucionais que são inerentes ao cargo. Uma delas é a prestação de contas a que os políticos eleitos estão obrigados, no quadro da nossa democracia representativa (parece que sim, também se aplica a Famalicão).

Sucede que a prestação de contas de uma vereação se faz, em primeiríssimo lugar, em sede da assembleia municipal. E sucede que houve uma por estes dias. Pois esta, se já prometia ser palco de assinaláveis cometimentos, na verdade não desiludiu: coincidia ser noite de clássico da bola e, quero crer, os nossos contendores locais deixaram-se contagiar por um certo sentido dramático que só as grandes ocasiões propiciam. Em campo, os protagonistas, alinhados em planos opostos, lançaram mão do jogo de cabeça, e iam acabando à cabeçada – entre outros predicados do jogo.

Pois é isto (é sempre isto). Deu-se palco à oposição e a oposição apresentou-se a jogo, se não em uníssono, a modos que em bloco: cada um na sua vez, os diferentes partidos zurziram no sr. presidente da câmara com aquela funda convicção que é muito própria dos justos. O tema, claro está, foi o eco parque tecnológico de Cabeçudos. Dir-me-ão que não é nada de especial, aconteceu a oposição fazer o trabalho que se espera que a oposição faça. Certo. Mas a originalidade veio de dentro da coligação, por uma vez desfeita aquela unanimidade bovina que se espera que as coligações tenham, e ouçam lá bem isto: farto de tanta convicção errática, parece que também para o CDS “não vale tudo”.

Ficou dito. Claro que nem por sombras isso belisca a solidez da coligação. Então agora um juízo de valor deste calibre sobre os desmandos do presidente podia pôr em causa um projecto mobilizador? Temos de ter presente que em geral os partidos políticos se movem por horizontes de futuro, não por arritmias de ocasião. Por certo, o que vem acontecendo é mau, mas haverá de passar. E portanto: no presidente ninguém toca (nem com uma flor). Será já um embaraço, se bem entendi o que o CDS nos quis dizer. Mas é o embaraço deles. É o que lhes toca se quiserem manter-se à tona.

Chegados a este estado das coisas, o sr. presidente da câmara tomou da palavra e estoicamente ignorou todas e cada uma das perguntas que lhe fizeram. Fez bem. Foi um gesto largo, próprio de estadistas, mas não apenas largo: foi um gesto de amplitude. Como, de resto, é seu apanágio. Levando o raciocínio até à sua consequência, sou mesmo de opinião de que esta mania das perguntas devia acabar e acabar depressa. Não sendo de todo possível e por agora manietar o regimento, não sendo muito apresentável essa ideia de se acabar com a oposição em si mesma, pois o que resta, a um humilde servidor do Estado que é atacado nos fundamentos do seu carácter? Recusar-se a responder a perguntas inconvenientes, é uma hipótese. E siga o jogo.

Pois de ignorância em ignorância (às perguntas que lhe fizeram), em alternativa o sr. presidente da câmara ofereceu à audiência estas palavras imorredoiras:

–  “Só há um único interesse para mim e para o meu executivo. É o interesse de Famalicão e dos famalicenses.”

Com o que ficou a audiência esmagada de tanta densidade estratégica. E não era para menos. Eu, que já li uns livros, também fiquei.

Proponho que nos detenhamos sobre esta proposição. Antes de mais, receio bem dizê-lo, não é propriamente original. Longe disso. Na verdade, é até a mais batida frase de todas as frases glosadas por essa comunidade especial a quem o país tanto deve: se vos parece que estou a falar dos autarcas, acertaram. Estou a falar dos autarcas.

Pois voltando à frase de efeito. Arrisco-me a dizer que nenhum autarca o é verdadeiramente até ao momento em que profere esta bela frase de efeito. Ajustada à terra dele, bem entendido: não ia agora o presidente da Urgeiriça declarar que o seu único interesse é o interesse dos funchalenses.

Eu próprio, numa mesmíssima assembleia municipal, a ouvi da boca do ex-presidente Armindo Costa – foi isso, mais palavra, menos palavra. Só para verem aos anos que isso vai. Mas o meu ponto não é se o ex-presidente tem muita ou pouca ou nenhuma culpa de termos chegado a um tal nível de indigência na condução dos assuntos do município. O meu ponto é este: passaram os tais vinte anos e não se evoluiu nada no debate político concelhio.

Em qualquer caso, note-se que é uma frase profusamente interessante – redonda e inatacável como é –, sobretudo porque em si mesma encerra toda uma declaração de princípios. Reparem bem: o interesse dele é o interesse dos famalicenses. Posto isto: entenderá o presidente que personifica o interesse dos famalicenses? Ou seja, quem discordar dele discorda do interesse dos famalicenses, é isso? Seja lá qual for esse interesse (o presidente não disse). Fica difícil conversar nestes termos.

Num mundo perfeito, não existiriam os chamados custos de oportunidade. E assim sendo, o nosso presidente poderia tomar todas as decisões que lhe dessem na real veneta só a pensar nos seus benefícios intrínsecos (das decisões, bem entendido…), descurando eventuais danos colaterais ou sequer as vantagens de soluções alternativas. Eu sei, soa um bocadinho abstracto. Então e que tal se nos detivéssemos numa fábula ilustrativa?

Tentarei: era uma vez, num reino muito, muito distante, a aia favorita da rainha. Tinha chegado uma altura em que fora servir para outro reino, e muitos anos assim passaram. Mas quando soube que um lugar tinha vagado, cuidou logo de se candidatar ao antigo posto. Talvez ela fosse a mais qualificada, talvez não fosse. Mas o facto é que, sabendo que ela aí vinha, metade dos candidatos desistiram do concurso. Agora, pode muito bem ser que dormitassem sobre o assunto e apenas concluíssem que a promoção afinal não lhes convinha naquela fase da vida; ou apenas, após severa introspeção, que se achassem um tanto aquém dos requisitos do cargo. Em bom rigor podia ser tudo e um par de botas, e – se chegássemos a isso – fazia-se o que se faz sempre: ignorar as perguntas.

Bom, se calhar perdi-me aqui no raciocínio, não é verdade? Peço desculpa pela confusão de termos, mas tudo o que pretendia era ilustrar o princípio acima, e creio que o benefício intrínseco do resultado do concurso todos percebemos qual é; os danos colaterais também.

A má notícia é que no mundo em que vivemos não existe esta visão tecnocrática que nos quer convencer de que podemos prescindir de escolhas políticas. A gestão dos recursos, por definição escassos, a isso obriga, quando ainda por cima o serviço público manobra em águas revoltas pejadas de interesses contraditórios. Talvez o presidente da câmara ache que não faz escolhas políticas nem que define uma política (que depois se lhe cola à pele) quando afecta partes substanciais do orçamento a festividades; quando confere capacidade construtiva a terrenos rústicos; quando retalha o espaço público com equipamentos e obras de arte – a propósito, vamos ter a costumeira plaquinha de assinatura? Quiçá julgue que, dando a todos, todos os dias, um pouco do que almejam, os sossega e contenta por se acharem parte do progresso universal. Sem custos de oportunidade. Sem danos colaterais. Eu cá acho que não é nada disso do que se trata. Tomam-nos a todos (ou quase todos) por tolos.

E pronto. A noite não havia de acabar sem a oportunidade que o sr. presidente da assembleia municipal raramente perde para dar um ar da sua graça. Era já o período final da sessão em que os munícipes, mediante prévia inscrição, podem gozar do direito de questionar directamente a vereação. Como começava a desgostar do que iam dizendo, mandou cortar o som ao microfone. Eu por mim, que sou muito de revelarmos por fora o que somos cá por dentro, agradeço vivamente. Deu ali (e de graça!) uma autêntica aula prática sobre a vacuidade do poder.

E a propósito disto. Não sei se já repararam que sr. Nuno Melo gosta de transportar aquele ar do mundividente que sempre traz um pé enfiado no barro de onde se guindou aos confins da galáxia? É muita panache junta (ainda para mais, grande apreciador de donas-elviras). Pois é isso, de quando em vez dá-se à maçada de vir prestigiar a nossa assembleia municipal com a sua excelentíssima presença. Entendo-o perfeitamente: visto de Bruxelas – dos restaurantes finos de Bruxelas, dos clubes de debate de Bruxelas, dos lugares em classe executiva dos voos que saem de Bruxelas – a nossa assembleia municipal deve ser uma estopada.

Porque parece que ninguém lhe diz, digo-o eu aqui: se o que tem para oferecer aos munícipes de Famalicão – alguns dos quais acham importante guardar-se para o fim da sessão ordinária, tarde e a más horas, para exercer um direito que lhes assiste e requer inscrição prévia – é o pequeno espectáculo de soberba de que deu mostras na última assembleia municipal, escusa de se dar ao trabalho. Nós não o apreciamos suficientemente. Com donas-elviras e tudo.

 

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