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Vila Nova de Famalicão
Quinta-feira, 25 Abril 2024

Recordando as Presidenciais de 1958. Mar de gente com Humberto Delgado em Famalicão

A campanha eleitoral de 1958 para a Presidência da República, com três candidatos na corrida, estava ao rubro depois de Humberto Delgado, ao referir-se a Salazar, ter proclamado: “Demito-o, obviamente”. O povo explodiu de entusiasmo em cidades e vilas como Famalicão. O pior veio a seguir.

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Artur Sá da Costa
Estudioso da cultura famalicense, Artur Sá da Costa é investigador da história local.

Famalicão

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A fotografia que ilustra esta crónica, e que serve de pretexto para uma breve reflexão, à boleia das eleições presidenciais, retrata o mar de gente que encheu a Rua de Adriano Pinto Basto, no dia 1 de Junho de 1958, a aguardar a vinda a Vila Nova de Famalicão do candidato general Humberto Delgado.

Uma foto, diz-se, vale mais que mil palavras! Receio bem que não sejam suficientes para descrever e traduzir o significado e a importância deste ícone das lutas da Oposição Democrática à ditadura do Estado Novo.

A campanha eleitoral de 1958 para a Presidência da República, com três candidatos na corrida – Américo Thomaz pelo regime, e dois, Humberto Delgado e Arlindo Vicente, pela oposição – estava ao rubro depois de Delgado ter proclamado no Café Chave de Ouro: “Demito-o, obviamente”.

Num ápice, a eleição converteu-se num referendo ao regime fascista e a Salazar. E a campanha de Delgado explodiu, surpreendendo todos, levando multidões à rua.

Ficou célebre a sua chegada de comboio à estação de S. Bento, no Porto, onde o aguardavam 300 mil pessoas. O entusiasmo popular repetiu-se no regresso a Santa Apolónia, e no périplo pelo país.

A vinda do candidato a Famalicão tinha como destino a cidade de Braga, com passagem por Barcelos. O programa previa a deposição de uma coroa de flores junto ao monumento aos mortos da 1ª Grande Guerra (cujo jardim, pela calada da noite, fora vandalizado e conspurcado), terminando com um discurso na sede da campanha em Braga.

O entusiasmo popular fez-lhe acrescentos, de que os acontecimentos na freguesia do Louro são um exemplo expressivo. O povo saiu à rua, enchendo a estrada que liga a Barcelos, e delegou numa jovem a entrega de um ramo de flores a Humberto Delgado.

Um olhar amplo e aberto da foto é surpreendido por um corte abrupto nos dois extremos da rua deixando percecionar que a mancha humana se estende para os dois lados. A sul é mesmo visível o cordão popular alongar-se para o então campo da feira (atual Praça de D. Maria II) e à Rua de Santo António.

Os testemunhos de quem presenciou este acontecimento histórico atestam estas projeções: “Juntou-se muita população nesta hoje cidade a aguardar a passagem do candidato” (Armando Bacelar, em “Memória de Tempos Idos”, separata do Boletim Cultural de Vila Nova de Famalicão, nº 13, 3º Série).

Esta visão de conjunto devolve-nos uma massa humana, compacta, tranquila, maioritariamente jovem e masculina, conversando, e aguardando, confiante, porventura expectante, a chegada de Delgado.

O mesmo se poderá afirmar das pessoas que estão à varanda da sede da candidatura, que José Reis alugou à socapa sem dizer para que se destinava.

São milhares de rostos – dirá o repórter de serviço que viu o seu texto censurado – que espelham a revolta e, simultaneamente, a esperança, ansiando pela mudança, vencendo o medo para ali estar, acreditando na força popular e na sua capacidade para inverter o curso da história.

É impossível negar que a explosão popular, demonstradas pelas concentrações massivas, como a retratada pela foto de Famalicão, não tenha outro significado senão expressar apoio a Humberto Delgado e ao seu projeto de rotura com o regime e o ditador Salazar.

Todos conheciam a palavra de ordem “Demito-o, obviamente”, que ele repetia sem cessar. Foi assim em Famalicão e em todo o Minho, que desenhou um cordão humano nas ruas e estradas, que os depoimentos e os relatos jornalísticos comprovam, ligando Famalicão a Barcelos e Guimarães a Braga.

É este o significado mais profundo sugerido pela foto que capta o momento alto – o cume da onda –, imparável e de consequências imprevisíveis, com repercussões dentro da própria oposição, quando levou à desistência de Arlindo Vicente – o candidato comunista – e une todos os sectores ideológicos e o povo em torno de um candidato único, e coloca o governo salazarista em estado de sítio, levando-o a deitar mão do arsenal repressivo.

Claro que uma fotografia é um objeto de arte, sendo simultaneamente um documento histórico, que por vezes ultrapassa o momento do flash, adquirindo uma dimensão e um poder simbólico jamais inimagináveis. Foi o caso!

De um momento para o outro, todas as teorias que diziam que Salazar tinha o apoio do povo, estilhaçaram-se e foram lançadas ao caixote do lixo da história.

Afinal a passividade popular era enganadora. Quando muito, o povo estava adormecido. Bastou o rasgo e a coragem de um general, oriundo das fileiras do regime, para despertar as consciências e dar-lhes confiança e esperança, afirmando que era possível vencer o ditador nas urnas.

De um momento para o outro tudo se alterou. Do interior da sede da candidatura saiu Armando Bacelar, o líder oposicionista que integrava a Comissão Distrital do Porto, que caminhou por entre a multidão em direção ao edifício da Câmara Municipal, duas centenas de metros acima, ao tempo a funcionar na Rua Conselheiro Santos Viegas, na decorrência dos incêndios dos Paços do Concelho, em 1952. Lino Lima também estava entre a multidão.

Bacelar tinha acabado de saber que a deslocação de Humberto Delgado fora proibida pelo Governo. Na sede, estavam com ele elementos da Comissão Concelhia (à qual pertenciam Carlos Bacelar e José Azevedo) e alguns membros da Distrital de Braga.

Viviam-se momentos de tensão e de preocupação. Era preciso informar os populares do que estava a acontecer sem perder o controlo da situação. Ele próprio explicou: “Quando soubemos que ele não vinha dirigimo-nos à sede dos Paços do Concelho de cuja varanda proferi breves palavras para os presentes a anunciar o cancelamento e a protestar contra as razões determinantes dele.”

Bacelar não foi importunado, nem pelas autoridades municipais, nem policiais. O presidente da câmara, Armindo Alves, que substituíra Álvaro Marques, um ano atrás, encontrava-se doente e iria pedir a demissão dois meses depois.

Os vereadores, entre os quais José Mário Machado Ruivo e o vice-presidente José Luís Pacheco, primaram pela ausência.

Se em Famalicão não se registaram incidentes, em Braga, as cargas policiais sobre a multidão, que se juntou na Avenida do Marechal Gomes da Costa, em frente à sede da candidatura, provocaram numerosos feridos e prisões, entre os quais a de Lino Lima e Victor de Sá.

Foram libertados após as eleições: Bacelar a 20 de agosto e Lino Lima a 8 desse mês. Como eles muitos outros passaram o dia das eleições na cadeia, e não consta que tivessem exercido o direito de voto!

A escalada repressiva não mais parou e intensificou-se à medida que a popularidade de Delgado aumentava. E o Governo, não hesitou em proibir a oposição de fiscalizar o ato eleitoral, no próprio dia das eleições. Estavam abertas as portas para a “maior fraude eleitoral”, segundo as palavras do próprio Humberto Delgado, que impugnou as eleições em tribunal. Thomaz foi proclamado vencedor.

Neste processo eleitoral, para além da fraude, existem alguns aspetos caricatos. Os resultados nunca foram publicados no Diário do Governo, nem as Atas enviadas para o Supremo Tribunal de Justiça! O que levou alguns estudiosos a afirmarem que, oficialmente, as eleições presidenciais de 1958 não existiram.

Os resultados eleitorais em Famalicão foram muito mais favoráveis a Humberto Delgado, alcançando o score de 41.7% contra 56.3% de Thomaz. Segundo José Azevedo me relatou, numa entrevista em sua casa, em Viatodos, “isso fica a dever-se ao facto de a candidatura de Delgado ter conseguido colocar, desobedecendo à proibição governamental, delegados junto das assembleias de voto”.

O país conhece os acontecimentos trágicos pós-eleitorais. A perseguição a Humberto Delgado, forçado ao exílio, e o seu assassínio às mãos da PIDE, numa cilada traiçoeira, comandada de perto pelo ditador, que cheirava o abismo do fim dos seus dias de governante.

E como todos os ditadores, Salazar não resistiu à tentação de fazer uma Revisão Constitucional, acabando com as eleições populares, em que o povo decide com o seu voto. As Presidenciais de 1958 foram as últimas dos seus tempos de governante por sufrágio direto. O Presidente da República passou a ser eleito pelos membros da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa.

Salazar não inventou nada. Fez o que todos os ditadores fazem (e os putativos, que andam por aí…), usurpando os direitos do povo. Até que apareça um general sem medo que desperte os seus sentimentos mais profundos de amor à liberdade!

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