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Quinta-feira, 5 Dezembro 2024
Susana Dias
Susana Dias
Socióloga, mestre pela Universidade do Minho, pós-graduada em Gestão e Administração em Saúde e apaixonada pela geriatria. É diretora clínica da Oldcare Famalicão.

A crise da saúde em Portugal: o labirinto das urgências hospitalares

Seguimos num labirinto que, para muitos, é a diferença entre a vida e a morte.

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Susana Dias
Susana Dias
Socióloga, mestre pela Universidade do Minho, pós-graduada em Gestão e Administração em Saúde e apaixonada pela geriatria. É diretora clínica da Oldcare Famalicão.

Famalicão

No coração do sistema de saúde português, as urgências hospitalares são um termómetro da pressão a que está submetido o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Aqui, cruzam-se as histórias de quem procura auxílio imediato e de quem tenta oferecer soluções. Mas, cada vez mais, este espaço tornou-se um labirinto, uma mistura de caos e de desespero.

No rosto de quem espera, há um misto de frustração e resignação. As cadeiras das salas de espera tornaram-se quase um prolongamento da casa. A gravidade dos casos parece diluir-se nas burocracias e na escassez de profissionais. Quem precisa de diagnóstico rápido muitas vezes enfrenta a mesma fila de quem chegou em estado crítico.

Do outro lado, profissionais de saúde tentam manter o equilíbrio entre o dever e o cansaço. Médicos e enfermeiros, correm de um lado para o outro, tentando, ao mesmo tempo, salvar vidas e responder à pressão de um sistema que lhes exige mais do que é humanamente possível. As horas extraordinárias tornaram-se norma, enquanto a empatia, que é uma das bases da medicina, começa a desgastar-se perante o cansaço extremo.

O que esta crise revela é uma falha sistémica na capacidade de planeamento e gestão dos serviços de saúde que já não pode ser ignorado. A falta de médicos especialistas nas urgências, a sobrecarga dos cuidados primários e a escassez de recursos são sintomas de um sistema que não foi adaptado ao envelhecimento da população e ao aumento das suas necessidades. E, enquanto isso, muitos profissionais continuam a abandonar o SNS em busca de melhores condições no setor privado ou no estrangeiro.

As urgências são um microcosmo da saúde em Portugal. Não é apenas uma questão de falta de camas ou profissionais, mas de uma estrutura que precisa urgentemente de ser reinventada. O problema não é novo, mas tornou-se insustentável.

Enquanto isso, os utentes continuam a procurar as urgências como um último recurso, muitas vezes porque os centros de saúde não conseguem dar resposta às suas necessidades.

O problema crónico do SNS, é porque não tem alternativa para estes doentes não urgentes, que são mais de metade daqueles que vêm aos serviços de urgência dos hospitais.

Não há uma primeira linha de resposta nos cuidados primários, não há resposta alternativa e por isso não podemos culpabilizar todos os utentes que se deslocam aos hospitais porque estes doentes têm necessidades não satisfeitas, geralmente patologias crónicas não controladas, e deveriam ser integrados em programas de gestão de doença articulados entre níveis de cuidados de saúde.

É lamentável que o serviço de urgência não se tenha adaptado aos doentes que hoje a ela recorrem, mantendo a estrutura e modo de funcionamento de há 30 anos.

Os doentes de hoje, são muito mais velhos, com múltiplas patologias. O pior, é que estes doentes crónicos, se misturam com muitos doentes agudos não graves, complicando a situação, apesar do espírito de sacrifício dos profissionais de saúde em que o desalento é visível. Não porque não acreditam no SNS, mas porque de alguma forma sentem que o SNS deixou de acreditar neles.

Portanto, a prioridade maior para a melhoria dos serviços de urgência é a redução da procura, que só se consegue oferecendo alternativas para o doente agudo não grave.

Mas há que apontar soluções, e na minha opinião é necessário criar uma estrutura nos cuidados primários, com “porta aberta”, com capacidade para ver estes doentes fazer-lhes um diagnóstico e dar-lhe o tratamento.

O uso mais alargado da telemedicina para avaliar e tratar os casos menos graves pode ter um impacto significativo.

Há que dotar a Segurança Social e a Rede de Cuidados Continuados dos meios necessários para o efetivo cumprimento das suas funções, para que o número de internamentos sociais hospitalares se reduza significativamente.

É necessário melhorar as condições de trabalho, oferecer incentivos para que os profissionais permaneçam em Portugal e investir na formação contínua e no recrutamento de novos profissionais.

A solução é multifacetada e terá de passar também pela responsabilização dos gestores, melhores administradores hospitalares garantem melhores serviços de saúde. e por isso, os serviços de saúde em Portugal necessitam de um corpo qualificado de administradores com mais autonomia e de mais investimento nos serviços de saúde.

Enquanto isso, seguimos num labirinto que, para muitos, é a diferença entre a vida e a morte.

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Susana Dias
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Socióloga, mestre pela Universidade do Minho, pós-graduada em Gestão e Administração em Saúde e apaixonada pela geriatria. É diretora clínica da Oldcare Famalicão.