No dia 15 de novembro de 1974, Portugal deu um passo crucial para a construção da sua democracia com a aprovação do Decreto-Lei n.º 621-A/74, reconhecendo, pela primeira vez, as mulheres portuguesas como eleitoras plenas.
Embora este ato tenha sido um marco de avanço para sociedade, não pode ser confundido com a verdadeira igualdade de género. O voto feminino representa um símbolo importante de progresso, mas não é suficiente para resolver as desigualdades estruturais que ainda perduram nas esferas política, económica e social do país.
Na sua obra “O Nome das Coisas”, a escritora Sophia de Mello Breyner Andresen reflete sobre a relação complexa entre o nome e a realidade, sugerindo que, embora o nome possua um poder significativo, ele não consegue abarcar toda a totalidade daquilo que pretende descrever.
A autora argumenta que a linguagem é, ao mesmo tempo, uma tentativa de organizar e controlar o caos, de atribuir sentido à realidade. O nome, por mais significativo que seja, está sempre aquém da plenitude da experiência.
Analogamente, o direito ao voto feminino é um nome de grande significado, mas ainda distante de refletir a transformação completa das condições de vida das mulheres em nossa sociedade. Assim como o nome falha em capturar a totalidade daquilo que representa, o voto feminino, por si só, não traduz uma mudança estrutural efetiva na realidade das mulheres.
O direito ao voto, portanto, não pode ser visto como o ponto final de uma luta, mas como um marco inicial. A verdadeira igualdade exige muito mais do que o reconhecimento formal de direitos; ela exige uma transformação profunda das estruturas sociais, políticas e económicas que ainda perpetuam a discriminação.
A paridade nas decisões políticas, a plena inclusão das mulheres nas esferas de poder e uma mudança estrutural que elimine as barreiras de desigualdade ainda vigentes são condições fundamentais para que a igualdade de género se torne realidade. Embora o voto feminino tenha sido um passo simbólico e crucial, ele é insuficiente sem uma mudança substancial nas estruturas que continuam a excluir as mulheres de posições de liderança. Essas desigualdades são reflexos de uma resistência estrutural à mudança, que se mantém presente nas esferas mais influentes da sociedade.
Cinco décadas após essa conquista simbólica, o acesso ao poder não pode ser apenas formal; deve ser real, visível e substancial. As mulheres continuam a enfrentar uma realidade onde a paridade salarial permanece uma promessa distante, os cargos de liderança seguem, predominantemente, ocupados por homens, e as vozes femininas nas decisões cruciais da sociedade — nas esferas política, económica e social — ainda são silenciadas por práticas arcaicas que impedem a plena e efetiva participação das mulheres nos processos decisórios.
Comemorar os 50 anos do voto feminino não deve ser um exercício de nostalgia ou de autocomplacência. Deve ser, ao contrário, um convite à reflexão crítica sobre o quanto ainda há por percorrer. A luta pela igualdade não se resolve apenas nas urnas, mas nas ruas, nos tribunais, nas empresas, nas escolas, nas famílias e nas instituições políticas.
A verdadeira mudança não se encontra apenas na retórica, mas na transformação concreta das estruturas sociais. Não basta que as mulheres possam votar; é imperativo que as suas vozes sejam ouvidas e que o seu papel na sociedade, em todos os sectores, seja verdadeiramente reconhecido. Este reconhecimento não pode ser superficial ou pontual; ele precisa ser transversal e profundo, para que a igualdade de género deixe de ser uma abstração e se torne uma vivência cotidiana para todas.
Portanto, a luta pela verdadeira igualdade exige uma transformação estrutural que vá além das palavras e se materialize em ações concretas e eficazes. A transformação que buscamos só será possível por meio de um compromisso coletivo — de homens e mulheres — na construção de uma sociedade verdadeiramente igualitária. Porque, enquanto existir desigualdade em qualquer uma dessas esferas, não haverá sossego para nenhum de nós — e nem deve haver.
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