Olhar para os ecrãs e ver o sofrimento e a morte de pessoas indefesas e saber que há um monstro implacável responsável por esta barbárie ucraniana e europeia, para quem milhões de vidas humanas não valem absolutamente nada, provoca uma sensação de impotência fortemente perturbadora.
Vivemos tempos malucos – uma expressão certeira que li numa publicação de uma amiga brasileira nas redes sociais. Tempos que nos conduzem de volta ao século XX ou ao século XIX.
Até as minhas filhas ficam admiradas como, de repente, as páginas sangrentas da história da Europa que elas estudam na escola secundária, e que julgavam plantadas para sempre num passado muito longínquo, se tornaram tão presentes e tão atuais.
A invasão criminosa à Ucrânia – que faz pairar sobre nós a ameaça de uma III Guerra Mundial de consequências devastadoramente imprevisíveis – mudou o Mundo como nenhuma outra guerra havia mudado.
Por força da Internet e das tecnologias de comunicação, esta guerra gerou rapidamente uma emoção popular anti-Putin que precipitou o isolamento político, industrial e comercial a que o Ocidente está a remeter a Rússia imperialista.
Esta invasão à Ucrânia não ficará somente pela destruição do país de Zelensky, pela morte de pessoas inocentes e pelo aumento dos preços de tudo. Esta invasão muda tudo e só demonstra como fomos tão mal governados desde que caiu o muro de Berlim.
Esta invasão, que ainda poderá descambar para um conflito mundial, constitui um travão definitivo na globalização da economia e torna os países e os blocos de países mais fechados sobre si próprios, com o regresso às políticas de investimento na defesa e no armamento.
Ninguém estava à espera deste novo mundo. Mas ele estava a ser desenhado há muito tempo. Com o ditador de Moscovo a reconstruir o império russo, que tinha sido desmantelado a partir de 1989, e uma certa Europa distraída e deslumbrada com os negócios proporcionados pela abertura do bloco de leste ao Ocidente.
Uma Europa que pôs os negócios em primeiro lugar e que deixou a política e a história para segundo plano. Dois exemplos: no caso português, a venda da EDP e da REN a interesses chineses foi simplesmente tresloucada; no caso alemão, saber que o antigo chancelar Gerhard Schröder não larga o salário milionário numa empresa russa de energia é simplesmente nojoso.
Agora, estão todos atrapalhados. A Europa, além de estar desmilitarizada e desindustrializada, depende do gás natural que é fornecido por um ditador sem escrúpulos.
Em 2001, o ataque terrorista às torres gémeas do World Trade Center foi um marco de ódio e violência que começou a mudar a nossa vida. Uma vida que em finais do século XX nos prometiam como sendo de paz, amor e viagens pelo mundo.
Em 2020, a pandemia da covid-19 pôs a nu muitas das nossas fraquezas ao nível da produção industrial, a começar pela dependência da produção asiática.
Em 2022, ficamos todos a saber que dependemos da energia de um ditador.
Obviamente, isto não pode ficar assim. Temos todos que dar um passo atrás para podermos depois dar dois em frente.
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