Apologia dos mamíferos

Não estamos em tempo de cartas, mas o meu amigo Arcindo Guimarães enviou-me uma carta! Já faz uns meses, mas cumpre-me agradecer. Não estava à espera. E, a ser, que fosse dele ao menos, não do advogado. Mas é o que temos. A fraca cortesia impera no mundo, algum dia haveria de chegar a Famalicão. Chegou agora, na volta do correio.

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E o que me dizia o advogado do meu amigo Arcindo? Ora, que fiz muitos dói-dóis ao Arcindo. E ao ‘Opinião Pública’, do qual ele é o ‘gerente’. Por causa disto: O cachimbo do Magritte e a tirada do filósofo grego.

imagem de 2 artigos de opinião do jornal Opinião Pública

Foi há mais ou menos um ano. Tadinhos.

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E posto isto, interpôs um processo judicial por difamação contra mim e contra o “Notícias de Famalicão”. Meeedo.

Pois fez-me perder tempo. Pois fez-me gastar dinheiro. E incomodidades várias, não apenas a mim!

Dizer o quê, parece que ao meu amigo Arcindo (queixoso, conjuntamente com o jornal) e à senhora directora Cristina Azevedo (testemunha) lhes chega a mostarda ao nariz de cada vez que uma alma ousa pensar um pouco menos abonatoriamente da sua sacrossanta desventura jornalística.

Eu é que estava errado quando pensava dizer o óbvio. Isto é: que um jornal não existe no vácuo. Ocupa um espaço, estão a ver? E de existir, porque está ali sem ao menos fazer o favor de desempanar o trânsito, deve sujeitar-se à crítica alheia. É o ‘Existo, logo comentam-me’ de que falava Descartes (acho que era Descartes). Mas não. O “Opinião Pública” não deve ser criticado. Enquanto o meu amigo Arcindo puder, pelo menos.

Portanto, posso eu escrever que o papel do “Opinião Pública” é o do calão porque estamos perante um jornal que em larga medida se demite de fazer o escrutínio do poder local? Posso. Acabei de o fazer, aliás.

Posso dizer que este tipo de inércia cívica, própria de quem nem faz nem deixa fazer, configura uma falha de lesa-democracia, porque no final todos saímos a perder? Posso. Acabei de o fazer, aliás.

Sujeito-me é a levar com a reprimenda judiciosa do meu amigo Arcindo. Reparem: não gosta que lhe apontem a careca. E está certo. Lá por ser careca não tem que aguentar com dedos apontados à careca. O problema é quando o careca está careca de saber que faz o trabalho muito pela rama e ainda assim dá-se ares de de profundis. Ideias!

Esqueçam os “Anjos”. Esqueçam a Joana Marques. Isto cá pelo burgo é tudo muito mais em tosco.

E falando de ideias. Sabemos que fazem mover o mundo, mas, às tantas, de tanto ele se mover, volta tudo ao mesmo ponto de partida. Por exemplo, eu: discordo, respeitosamente. Ainda assim explico, argumento, proponho. Se me dou a estas incomodidades, na esperança, tantas vezes vã, de educar fariseus, não adianta depois querer vir queixar-me: sabe-se logo à partida que é um tipo de gente que resiste a ser educada. Mas não é incómodo nenhum, acreditem-me. Quem corre por gosto, cansa por gosto.

E por fim, lá está: sujeito-me à crítica. Esperar-se-ia é que o que acontece na blogosfera ficasse na blogosfera, mas debalde. De caminho está o amigo Arcindo a perturbar-me a serenidade de espírito com intimações e arrazoados jurídicos. Deve resultar, porque eu estou oficialmente impressionado. Mas isto sou eu, que sou um indivíduo razoavelmente impressionável. Esqueçam os “Anjos”. Esqueçam a Joana Marques. Isto cá pelo burgo é tudo muito mais em tosco.

Senão, vejamos. O meu amigo Arcindo quer convencer-se de que não é vesgo das ideias e, vai daí, faz o quê? Interpõe um processo judicial por difamação a quem o acusa de ser vesgo das ideias. Percebem ou não a vesguice pegada da ideia? É que não saímos disto.

Porque meditava eu nos meandros deste caso de polícia (fui chamado à polícia, que horror) e dei por mim a pensar na pobreza de estilo do amigo Arcindo. É um desconsolo, por certo, pensarmos que um homem se reduza a tão pouco: mas devo informar a excelsa audiência de que não é bem assim, na justa medida de que estamos aqui perante um mamífero muito original.

O oficial de inquérito, certamente habituado a tratar de crimes mais substantivos, estava visivelmente incomodado com o papel que lhe encomendaram.

Pois, como é que é isso de ser um mamífero muito original? É como digo. Muita gente não sabe, mas sou o que se chama um naturalista amador. E com especial pendor pela zoofilia. Isto é, aprecio sobremaneira estudar os comportamentos da fauna animal, e dentro destes tenho predileção pelo reino dos mamíferos. Segue a definição:

Mamíferos: classe de animais vertebrados que se caracterizam sobretudo pela presença de glândulas mamárias, que produzem leite para alimentar as crias. Caracterizam-se também por possuírem o corpo coberto por pelos, realizarem respiração pulmonar e terem a capacidade de regular a temperatura corporal.

Soa familiar? É natural, porquanto somos todos mamíferos. Todos. Quando digo todos, quero com isso dizer mesmo todos: eu, o leitor e o amigo Arcindo incluídos (a testemunha Cristina idem). O Homem é apenas uma das cerca de 5.468 espécies conhecidas de mamíferos, as quais se encontram espalhadas por quase todos os habitats da Terra.

Agora reparem: aprendemos muito com os mamíferos. São em geral animais gregários que elaboram, consoante a espécie, diferentes estratégias de liderança e prevalência no contexto social. E há de tudo: os leões impõem-se pela força bruta e agressividade, os elefantes e as orcas pela experiência e pela idade, os chimpanzés pela inteligência social e pelas alianças que estabelecem em cada momento. Não é que uma estratégia seja melhor do que a outra, apenas umas se adequam melhor ao contexto em que prevalecem.

Assim chegamos ao amigo Arcindo e à originalidade que é só sua.

Explico-me: é que de todas as alternativas que tinha! Quer dizer, podia solicitar ao ‘Notícias de Famalicão’ o direito de resposta? Podia. A senhora directora não se furtava, uma polemicazita até dava jeito para aumentar o tráfego virtual da página. O “Notícias de Famalicão” vive muito disso, senhores. Não há cá subsídiozinhos encapotados de publicidade institucional para pagar a estrutura.

Chamava-se-lhe contra crónica, que tal vos soa? Era bonito: já o Paulo tinha dado a opinião dele, então depois vinha o Arcindo dar uma opinião contrária. Talvez o Paulo contrarrespondesse, talvez não? Nunca saberemos.

Mas pronto, o amigo Arcindo é daquele tipo de jornalistas que não valoriza em demasia a troca de opiniões.

Compreendo-o, a opinião é uma chatice, põe as pessoas umas contra as outras. Como as eleições, já pensaram? As eleições são outras que põem as pessoas umas contra as outras. Que chatice, pelo menos são só de quatro em quatro anos. Não por acaso, estamos em ano eleitoral e enquanto elas não vinham o “Opinião Pública” reduziu drasticamente o espaço dedicado à “opinião”. Os colunistas bem se queixaram de que passava edição atrás de edição sem ao menos verem publicados os seus escritos, mas é o que temos. A paz social acima de tudo.

(agora já tornaram a abrir-se às crónicas, porque será?)

Mas adiante. Em não querendo estimular o vício da opinião, o amigo Arcindo podia ir junto da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) reclamar o seu direito – embora eu, neste preciso momento, não esteja bem a ver qual fosse ele. Pois podia. A ERC não é esquisita, aceita todo o tipo de queixas. Mais para a frente é que já tende a ser parcimoniosa, o nosso presidente da câmara é que o sabe bem! Mas enfim, não lhe diziam logo que não à partida. Acho eu.

Mas o amigo Arcindo é um daqueles “gerentes” de jornais que não confia na ERC para nada.

Não querendo nada disso, imagino um derradeiro golpe de asa. Vejam lá isto. E que tal, na loucura, escrever-se (para si e para os seus) uma crónica/editorial de desagravo no “Opinião Pública”? Sempre é ele o “gerente”: falava com a senhora directora do jornal, que até era testemunha e tudo do processo que me moveu, e ela de certeza que lhe arranjava o espaço que ia faltando aos restantes cronistas.

Era bonito: o meu amigo Arcindo a dizer de sua justiça, e mais do que isso, a suportar o argumento com dados, números, factos! Por exemplo: então não é que esse velhaco do Paulo Barros se propôs denunciar a suposta dependência financeira do “Opinião Pública” das verbas provenientes da publicidade institucional da câmara? Imagine-se então, o bom do Arcindo dando à estampa a distribuição de receitas do jornal, era de leão! Porque já nem é o caso de que quem deve não teme, o caso é mesmo o de alguém que não se indigna em vão.

Que arraso seria: e era da maneira que o Paulo Barros metia a viola ao saco e aprendia a não se meter com gente grande. Gente que não deixa para amanhã a resposta ao desaforo que recebeu hoje.

Mas nem isso: correu seis meses (quase) a cozinhar uma irritação e foi já no finzinho do prazo legal que lhe deu o arrebate de consciência. E ainda eu dizia na crónica que o amigo Arcindo ferve em pouquíssima água. Ferve nada: nem parece um mamífero, de tanto sangue-frio que lhe corre nas veias! Pensando melhor, retiro o que disse mais acima: prova-se que o amigo Arcindo não é, afinal, nenhum mamífero muito original. O que ele é, mas é, é um mamífero pouco original.

Se isso me afecta? Homem, afecta-me! Sinto-me diminuído. Se isto é inimigo que se apresente. Porque, hoje por hoje, no tempo dos soundbytes, se há coisa que não se perdoa às pessoas é a falta de originalidade…

Pois fez-me perder tempo. Pois fez-me gastar dinheiro. E incomodidades várias, não apenas a mim! O oficial de inquérito, certamente habituado a tratar de crimes mais substantivos, estava visivelmente incomodado com o papel que lhe encomendaram. Mas eu descansei-o: aos costumes disse nada. Até porque, a estas coisas, há que saber levá-las com um certo desprendimento de causa. Se fossemos desatar à cabeçada contra tudo o que é pedra bruta no mundo, não sobrava mundo para nos enternecer a velhice. E a pedra bruta ganhava por goleada.

Imagine-se então, o Arcindo dando à estampa a distribuição de receitas do jornal, era de leão! Porque já nem é o caso de que quem deve não teme, o caso é mesmo o de alguém que não se indigna em vão.

Agora vejam bem isto. Tudo o atrás descrito se passou no verão. Correram os meses, a Terra afastou-se do Sol, ganharam as árvores a sua cor outonal. Em Famalicão, Mário Passos foi reeleito por nenhum motivo em especial senão este: porque os famalicenses o merecem. Já o mundo caminha para ser a casa da concórdia e da abundância, e tudo pela mão desse amigo dilecto do nosso mais que tudo conterrâneo, o português mais famoso de todos os tempos! Pode ser um idiota chapado, mas todos nós lhe devemos tanto, não é verdade? O que faz dele inimputável a críticas (faz lembrar o Arcindo).

Para no fim desistir. A sério, desistiu da causa. Vai-se a ver, o amigo Arcindo é mesmo original. Pronto, já nem sei que diga. Digam-me vocês…

Se isto é inimigo que se apresente. Passada a revoada, ainda haveremos de nos rir disto, prometo.

A fechar, já agora partilho uma inconfidência. Nunca percebi por que razão a senhora directora do “Notícias de Famalicão”, uma vez dadas por improcedentes as queixas-crime de que foi alvo por interposta pessoa do senhor presidente da câmara, na figura sempre cómoda e mãos-largas do município, não lhe moveu a ele (não ao município) um processo por danos morais e litigância de má-fé.

Com certeza a senhora directora do “Notícias de Famalicão” é boa pessoa em demasia.

Uma coisa que o meu amigo Arcindo e a senhora directora Cristina vão aprender proximamente é que eu não sou a senhora directora do “Notícias de Famalicão”.

Não serei eu antes o anjo vingativo e cruel?

[e se me pudessem ver agora, saberiam que tenho o esgar maquiavélico dos danados e que me escorre pus pelos ouvidos…]

E portantos, isto então é assim: passei aqui só para dizer ao amigo Arcindo e aos sócios cooperantes da Editave (empresa que detém o “Opinião Pública”) que preparem bem a argumentação, ok? (até agora não impressionou). Escolham bem o advogado (idem). Não seria melhor arranjarem outro? Vamo-nos encontrar proximamente, e desta vez quem paga é a casa (a vossa, bem entendido…). Apenas peço que me façam o favor de não contarem com abébias. Da minha parte terei extremo gosto em esmifrar o meu amigo Arcindo, a senhora directora Cristina e o “Opinião Pública”, todos por junto, até ao tutano da sua desfaçatez. Também para alguma coisa haviam de servir.

Mas tudo bem. Passada a revoada, ainda haveremos de nos rir disto, prometo. Todos juntos, marca-se um copo. E nessa altura pago eu. Com o dinheiro de quem, é que já não sei, logo se vê.

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