O rei das omeletes

Daqui a pouco menos de uma semana teremos finalmente as eleições autárquicas. Digo finalmente porque chegam com quatro anos de atraso. Tínhamo-nos poupado a este festival de ópera-bufa em que se transformou o mandato de Mário Passos: uma sucessão de passos maldados.

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Eu sei que o assunto puxa ao escárnio, e à mistura com o velho adágio “sem ovos não se fazem omeletes” (resultava melhor se fosse em Espanhol). Mas não estamos em Espanha, estamos no Portugal dos pequeninos. Aquele país onde um candidato, para se dar a conhecer na sua autenticidade, paga uma campanha promocional e se no guião está que lhe perguntam se tem alguma especialidade culinária, vai de responder (sem se rir!) que é especialista a fazer omeletes…

… pausa para respirar…

Isso vi eu e ouvi eu, não me contaram. Até nisso é tosco: já não digo as sonatas para violino de Chopin, mas podia ao menos citar Dostoievski ou já agora Camilo como leituras de cabeceira, assim como assim quem é que podia escrutinar? Mas não, do que ele gosta mesmo é de um cozido à portuguesa (nada contra!) e, claro está, de fritar omeletes.

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Nada disto é espontâneo – sabemos bem como Mário Passos esconjura o imprevisto. Tudo programado ao milímetro pelos assessores, e isso é que preocupa, sendo o resultado confrangedor como é. Os criativos da campanha chamam a isto “posicionar o candidato ao nível do homem comum”. Um tipo como os outros. Ora, nem precisavam de se esforçar. Eu apenas lamento: temos o município entregue a uma gente que não tem estatura cívica e intelectual para enfrentar os desafios que lhes cabem por inerência do cargo. Mas nunca se esquece de nos lembrar que é doutor (e não dr.), como se isso fosse documento. Enfim.

Nos dias que correm vai fazendo escola tratar o eleitor com certa sobranceria paternalista. Dá-se-lhe uns doces ao invés de explicar como se pretende gerir a pastelaria. Como há uns quantos gulosos com mais olhos do que barriga, certos políticos delicodoces fiam-se nisso: filados em que para levar a sua avante lhes basta a fatia de eleitores que comem gelados com a testa.

Repare-se como a proposta política da coligação PSD/CDS se resume a “fazer mais”. Original. Deve haver para aí umas duzentas e oitenta e três recandidaturas a dizer o mesmo. Ora, para “fazer mais”, assume-se logo de que partimos não apenas de algo, mas de algo bom, não é verdade? Só se quer acrescentar ao que já vem bem de trás. Mas então para isso conviria discutir o que temos hoje e o que foi feito nos últimos quatro anos.

De minha parte: vejo muito bazófia, nunca falta. O que é um bocado irritante, para dizer a verdade. O juízo em causa própria é sempre, mas sempre, um tanto pedante. Dispensávamos. Vejo muito corre-corre, muita barata tonta, muito deixa-andar: brio pela gestão do património pública é coisa que não abunda pela mão de Mário Passos. E uma atração fatal pelo exibicionismo: gastam-se milhões em lajes de granito e vasos de improviso, mas não se limpa o mato das guias dos passeios por quilómetros e quilómetros seguidos da estrada nacional para a Póvoa.

Vejo muito oportunismo. A falta de planeamento é gritante. As estradas nacionais estão já perdidas para o seu propósito primordial de assegurar a comunicação fluída no seio do território. Não é culpa de Mário Passos. É uma culpa partilhada por décadas de passividade (na melhor das hipóteses). Os interesses trabalham miudamente. Os políticos não.

Sucede, porém, que o concelho está desfigurado e as pessoas já se habituaram ao feio. Fica a ideia de que se podem sempre atravancar mais uns quantos “projectos” ao meio da balbúrdia, que é geral. Sobretudo se a clique de “empresários” do sistema (alguns menos falidos do que outros) estiver metida ao barulho. Está sempre.

Às vésperas das eleições é que lhe deu o frenesi dos endemoninhados: o estádio, o multiusos, as piscinas. Até a requalificação do hospital. Até as árvores vai começar a plantá-las depois de se ter fartado de as abater.

E lamento dizer, não vejo uma estratégia. Eu sei: “estratégia”, ou a falta dela, é aquilo de que se acusam os políticos (reciprocamente) quando nada mais de concreto há para dizer. Atira-se com a “estratégia” quando já se prevê que não chegaremos a detalhar o que se propõe, porque se propõe, com que recursos e impostos se propõe. Já a conversa fica a meio, com as larachas, as bocas, as acusações mais ou menos infundadas. O bitaite. Espera, o bitaite não: o soundbyte.

Pois é, a “conversa” da estratégia é chata, não porque seja complexa (que é), mas porque obriga a explicitar prioridades. E a assumir uns quantos nãos. Não é bem dizer ao que se vem, é mais obrigar a um pensamento analítico – que o mais das vezes os candidatos não têm. E é uma pena. O bom autarca gosta de agradar a todos ao mesmo tempo, ponto final. Mas então eu pergunto: na falta de ex-libris que possam promover a cidade e o concelho, Famalicão é conhecido nacionalmente por imagens como esta?

Como foi possível licenciarem isto? Como é possível que as pessoas andem tão alheadas do seu próprio interesse que ‘comam’ isto como normal e inevitável? Tenho novidades para dar: não é normal e não é inevitável.

É tudo uma questão de políticas. De políticos também: como é natural que, havendo um candidato incumbente, que para mais sucede a mais de vinte anos de poder instalado, a próxima eleição tenha muito de plebiscito. Um exame: diante do que foi feito, queremos mais do mesmo?

Atentemos nele, pois então: o recandidato Mário Passos.

Não tem voz que se imponha no espaço regional: isso ficou bem evidente quando primou pela ausência no caso da entrega da gestão do hospital de Santo Tirso à Misericórdia local. Nessa ocasião deixou o autarca vizinho a falar sozinho e falou-se em rabos presos porque o governo é das mesmas cores políticas da coligação. Mas já antes seguia esse padrão, mesmo com o governo anterior: quando é que alguém ouviu Mário Passos falar para além das fronteiras do concelho?

[e pensando bem… melhor assim!]

Agora às vésperas das eleições é que lhe deu o frenesi dos endemoninhados: metas que antes e por longos quatro anos destratou por miríficas, passaram agora a ser muito possíveis e mais ainda desejáveis. Estão ali ao alcance da mão, venha ele esse mítico 13 de outubro. O estádio, o multiusos, as piscinas. Até a requalificação do hospital. Até as árvores vai começar a plantá-las depois de se ter fartado de as abater. O filho pródigo que torna a casa, querem lá ver isto?

Quando na verdade, já aqui o tenho dito, o que se passa é que o homem tem mesmo fraca opinião de nós, eleitores. Veja-se como se instalou em Fátima, a ele e à comitiva, para poder receber, de espírito limpo de consumições, os milhares de séniores (palavra detestável) no seu passeio anual. Fiquem os leitores sabendo que, no regresso, os autocarros não partiam sem que sua excelência subisse a bordo para desejar uma feliz viagem a todos. Como eram centenas de autocarros, muitos atrasaram a saída para lá do que a paciência humana deveria consentir. Trazia uma frase estudada: «cá estarei de novo para o ano, se assim quiserem».

Não queremos, Mário. Mas obrigado por perguntarem.

Até porque já vem um bocado tarde. Tanto lhe disseram para não andar a promover-se com fotografias tiradas com os filhos dos outros; escutou ele, porventura? Não, nada. Continuou como se nada fosse, em visitas incessantes a tudo quanto sejam escolas e instituições. Pois agora na campanha fizeram pior: meterem-se de plantão à porta das escolas – quando não lá dentro, com a conivência dos funcionários – a distribuir à criançada aquelas bolinhas azuis com o nome do candidato. Às nossas crianças. Ter um pai de confiscar o brinde por manifesta falta de gosto, e a criança não compreende, claro. Até onde vai a falta de respeito.

Calhava eu falar das omeletes que não se fazem sem ovos (e de como isso resulta melhor em espanhol…) e um dos pais (que tão indignado estava) atirou-me com essa de que temos o presidente das bolinhas azuis (fazendo notar que em inglês resulta muito melhor…). Mesmo em tempos em que o mais que se discute são as diferentes variações e graus de um genocídio, o que nos vale é o humor: salva-nos sempre.

A política é um desporto para adultos. Só joga quem quer.

Faltava a cara podre. Ela veio no dia 27 de setembro, quando lhe deu a máxima audácia de querer puxar da carta da vitimização. Acontece que na página de Facebook da sua campanha abundam comentários críticos. É o que há, e também os há favoráveis, como seria de esperar. Problema: o nosso presidente convive mal com a crítica, sabemos disso. Vai daí, põe cá fora um dramático comunicado a acusar sabe-se lá quem de protagonizar uma “campanha negra” de difamações e insultos gratuitos. Essa agora.

Mário Passos consegue sempre estar desconfortável nestes momentos de escrutínio e, posto à prova, estala-lhe o verniz à primeira arranhadela.

Sabíamos que Mário Passos tem dificuldades de interpretação, e ele mesmo o disse no debate organizado pelo “Opinião Pública”. Mas esta atoarda dá dores de barriga de tão néscia. É que não se viam lá insultos gratuitos coisíssima nenhuma. Críticas, sim: bastantes. É lidar.

Este tipo de postura, de querer desqualificar os oponentes sem atender aos méritos do argumento, é a típica jogada de quem quer prevalecer pela manha: não fala por si, grita-nos a plenos pulmões! De caminho bloquearam inúmeros perfis que por lá comentavam. Soa a pretexto mal-amanhado? Sempre são perfis de cidadãos famalicenses: pois fica registado que não lhes interessa ouvir o que têm para dizer.

Tomem nota, e se não for muito incómodo: a política é um desporto para adultos. Só joga quem quer e convém, já agora, estar em forma.

Até ao dia em que sai esta crónica, fez-se um único debate, organizado pelo “Opinião Pública” – haverá outro organizado pelo “Cidade Hoje”. A propósito, o debate do “Cidade Hoje”, ao contrário do que sucedeu no primeiro, não será transmitido em directo, e nem se percebe bem porquê. Espera-se que a missão comunicacional do “Cidade Hoje” não se deixe afectar por súbitas necessidades de edição de conteúdos. Já bastou a muito notória proteção especial que a moderadora do “Opinião Pública” votou ao recandidato Mário Passos, tantas foram as vezes em que se permitia corrigir os oponentes.

E mesmo isso de pouco lhe valeu. Mário Passos consegue sempre estar desconfortável nestes momentos de escrutínio e, posto à prova, estala-lhe o verniz à primeira arranhadela. Retive a oportunidade que nunca perde de ser descortês com os adversários quando repetiu uma frase que trazia estudada sobre não entender nada de nada do que Eduardo Oliveira tinha acabado de expor. O Mário abusa porque o Eduardo é demasiado polido para lhe responder na hora. E era isto: o problema é mesmo seu, Mário. Quando todos os outros entenderam perfeitamente, percebe a ideia? E olhe que não é preciso ser presidente de coisa nenhuma.

Caro Mário Passos: chegou a hora de retribuirmos tudo o que fez por nós.

Por junto, isto tudo deveria desmerecê-lo do voto popular. Sabemos que não será assim. Ainda temos muito voto cabresto, e basta ver a quantidade de cidadãos (mesmo descontando os boots) que tiram tempo ao seu domingo para desejar os bons dias aos “notáveis” da terra no facebook. São o eleitor perfeito porque não questionam nada, não escrutinam nada: para viverem e viverem bem nessa espécie de credulidade militante em que parecem medrar, chega-lhes essa cumplicidade ilusória com os poderosos. A vida é como sempre foi difícil, mas ao menos eles estão bem. E merecem.

Outras coisas que fez: pôs em evidência a rede tentacular de interesses que gravitam em torno da câmara, da sua influência enquanto instituição absolutamente dominante no espaço local – muito à conta da forma discricionária como é gerido o orçamento municipal. Isto porque fez publicar na página oficial da recandidatura uns vídeos apologéticos de uma série de protagonistas locais. Foi da forma que ficamos a conhecê-los melhor: e é um mundo pequeno e mesquinho.

Muitos destes depoentes são cidadãos que muito legitimamente exercem a sua liberdade de expressão política. Muitos outros, não. Porque decidiram traficar o seu nome de mistura com as instituições em que trabalham, e que de algum modo dependem do poder estabelecido.

Achei piada ao senhor do crédito agrícola quando dizia que a agricultura do concelho precisa de Mário Passos. Não se imagina como, será problema meu. Achei ainda mais piada ao director do agrupamento de escolas, um tipo que nem vota em Famalicão (é de Fafe e vive em Fafe). Adorei a senhora que apelou ao voto em Mário Passos com esta frase lapidar: “em meu nome e da instituição que represento”.

Ainda tivemos o chamado flic-flac à rectaguarda de um industrial de destaque do nosso concelho que vinha publicando umas crónicas desabonatórias do poder local. Agora, a cereja no topo do bolo foi mesmo o presidente do F. C. Famalicão: quando achávamos que já tínhamos visto tudo. Nunca temos.

Eu aqui não resisto: o que é que o presidente do F.C. Famalicão pode ter visto num candidato que herdou do seu antecessor a promessa de requalificação do estádio municipal e, volvidos quatro anos, vai passá-la no mesmo estado de prematuração para o seu sucessor? Mistério.

O que é triste é que todos, sem excepção, estenderão a mão a Eduardo Oliveira já no dia 13, no caso em que seja o PS a ganhar as eleições. E Eduardo Oliveira, naturalmente, sagazmente, de bom grado aceitará os cumprimentos e seguirá em frente, de mãos dadas com esta gente. É também por isso que as pessoas não tomam tino: ninguém as põe no sítio.

Se isto diz mais de um contexto condicionador da livre expressão política do que propriamente do carácter das pessoas? Acho que sim. Mas na hora em que podem mostrar alguma fibra, mais que não seja por omissão, escolhem a submissão ao poder estabelecido. A saída fácil e reconfortante de quem não enxerga além do próprio umbigo.

Eu só observo, mas para memória futura fica a deixa: Portugal é um país de gigantes com pés de burro.

Caro Mário Passos: chegou a hora de retribuirmos tudo o que fez por nós. Para mais: desfigurou o centro da cidade; desmatou a vertente soalheira do Monte de St. Catarina; abateu a “Acácia do Jorge”; colonizou a entrada norte da cidade com (mais) dois hipermercados; incumpriu a remodelação do estádio municipal; incumpriu a pista de atletismo; interpôs processos judiciais contra órgãos de comunicação social local (perdeu-os todos); morreu pelo silêncio na defesa do hospital novo de Famalicão; quis avançar com um parque industrial em zona de reserva agrícola; enfiou com um armazém no Parque da Devesa; já chega?

Chegaria, mas o pior de tudo é essa visão absolutamente sectária da vida e do mundo que domina a sua acção política. Um personagem político mesquinho e divisionista que nos apouca a todos. E Isso já é intolerável.

Digamos que o problema não é tanto o rei das omeletes, o problema somos nós – que não o merecemos. Mas isso tem bom remédio. Agora a má notícia: ainda faltam seis dias para as eleições. A boa notícia é que já só faltam seis dias para as eleições.

 

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