Uvas americanas, raízes que não morrem

Tal como uma vinha bem cuidada, um concelho floresce quando cada cepa é respeitada e cada fruto encontra o seu lugar.

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Quando hoje me ofereceram, com tanto carinho, um cestinho de uvas americanas, foi como receber uma carta perfumada do passado. Encontrei-me de novo na Mouta, em Vila Nova de Famalicão, entre abraços, risos e o olhar atento da minha Bibó. Setembro, ali, era sempre uma promessa: o verão a despedir-se, as folhas a ruborizar e o ar a cheirar a marmelada, a geleia e a terra molhada. Cada bago de uva guardava um segredo e cada gesto tinha a ternura de um reencontro.

As tesouras a cortar os cachos soavam como serenatas; as escadas encostadas às videiras pareciam amparar sonhos; os baldes transbordantes eram braços a enlaçar. Quando alguém, lá do alto, me chamava “Menina, vem provar”, eu corria com o coração aos pulos, saboreando um bago quente de sol e fresco de sombra, escondida da vigilância materna — tal como já fiz com o meu filho. Na cozinha, a Bibó era uma fada: fritava bolinhos que sabiam a aconchego, cortava presunto com a precisão de quem conhece o amor e preparava o pão como quem prepara um abraço.

Soube depois que estas uvas — rústicas, agrestes, proibidas — foram alvo de desamor por parte das leis. Mas a paixão do povo não as deixou morrer. Continuaram a crescer nos quintais, junto aos muros, como amantes secretos que se recusam a separar. Essa resistência silenciosa ecoa na forma como Famalicão se reúne para escolher quem cuida dela. Nas eleições autárquicas de 2025, a coligação que governa o concelho foi reeleita, enquanto novas vozes conquistaram representação. Tal como guardamos as uvas de sempre e plantamos videiras novas, confiamos em rostos conhecidos e damos espaço a propostas diferentes.

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Quando coloco uma uva americana na boca, o meu corpo inteiro vibra. Sinto o sabor da infância, ouço a voz da minha avó — “Prova, filha, é docinha” — e, ao fundo, quase escuto o burburinho das conversas sobre o futuro do nosso concelho. Percebo que o amor está em tudo: na fruta que partilhamos, nas histórias que contamos, nos votos que depositamos. E compreendo que — seja na sombra de uma ramada, seja numa sala de voto — a democracia é feita destas pequenas grandezas: raízes que não morrem, frutos que se transformam.

As uvas americanas continuam a ser um símbolo teimoso de vida e de memória. Mesmo quando alguém tenta arrancá-las, voltam a brotar junto aos muros, lembrando-nos de que aquilo que é autêntico não morre. Essa mesma teimosia amorosa deve inspirar-nos, enquanto comunidade, a abrirmos os braços e a caminharmos juntos, sem egoísmo, para que Vila Nova de Famalicão cresça de forma justa e harmoniosa — nas escolas e nos parques, na cultura e na indústria, na saúde e no ambiente, na solidariedade e na justiça — e não apenas nos bolsos de alguns.

Tal como uma vinha bem cuidada, um concelho floresce quando cada cepa é respeitada e cada fruto encontra o seu lugar.

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