Dezembro não entra devagar.
Dezembro impõe-se.
Chega sem pedir licença e instala-se nas agendas, nos armários, na fadiga que se acumula sem nome. Não pergunta se queremos ir; pergunta apenas onde. Onde é o jantar da empresa, onde é o jantar dos amigos, onde é o jantar da escola, da associação, do grupo antigo que resiste mais por hábito do que por afinidade.
E nós vamos.
Vamos não porque desejamos, mas porque dezembro convoca — e aprendemos, com o tempo, a responder à convocatória sem discutir o motivo. O Natal deixou de ser escolha; tornou-se percurso. Um itinerário feito de mesas sucessivas, brindes repetidos e noites longas que prometem encontro, mas entregam cansaço.
Poucos saberiam explicar, com rigor, porque se fazem tantos jantares de Natal.
Fazem-se porque se fazem.
Porque sempre se fizeram.
Porque não os fazer exigiria um pensamento que dezembro já não permite.
Os jantares sucedem-se como estações de um circuito conhecido. Cada mesa exige presença; cada presença exige desempenho. Começam então os desfiles — discretos, elegantes, socialmente aceites. Desfiles de fatos bem cortados e vestidos escolhidos com intenção, de carteiras pousadas à vista, de carros estacionados estrategicamente. Tudo comunica. Tudo observa. Tudo compara.
Sorrimos muito em dezembro.
Sorrimos mais do que sentimos.
São sorrisos treinados, sorrisos de confirmação social, sorrisos que dizem está tudo bem mesmo quando não está. Brinda-se por reflexo, ri-se no momento certo, repetem-se conversas como quem cumpre um guião antigo. Pouco importa se o corpo chega cansado ou se a cabeça ficou em casa. O essencial é aparecer. Estar. Confirmar pertença.
Nas empresas, chama-se convívio, mas sente-se como prova. Estar confirma lugar; não estar exige explicação. Nas escolas e instituições, repete-se o ritual porque sempre se repetiu. Nos grupos de amigos, mantém-se por receio de admitir que o tempo mudou, que a intimidade se dispersou, que a vida avançou em direções diferentes.
Em todos, há uma exigência comum: aparecer.
Os jantares de Natal nasceram para aquecer. Para fechar o ano com sentido. Para criar pausa num tempo duro. Eram raros, simples, quase silenciosos. Sentar-se à mesa bastava. Estar era suficiente.
Hoje, o gesto permanece, mas perdeu o centro.
Celebramos sem saber exatamente o quê.
Reunimo-nos sem saber bem para quê.
Colecionam-se jantares como se colecionam provas de integração social. Colecionam-se indumentárias. Colecionam-se fotografias. Cada jantar deixa registo, mas não deixa repouso. O corpo cumpre. A alma adia.
Nunca houve tantos jantares de Natal — e, paradoxalmente, nunca houve tão pouco Natal neles.
Onde está o Natal no meio do desfile?
Onde está o Natal no sorriso obrigatório?
Onde está o Natal quando o silêncio se torna desconfortável e a pausa parece quase uma falta de educação?
Talvez se tenha perdido algures entre a obrigação de ir e o medo de faltar. Entre a agenda cheia e o coração vazio. Entre o brilho exterior e a exaustão interior.
Há um cansaço próprio de dezembro que raramente se nomeia. Não é físico; é existencial. O cansaço de corresponder quando o corpo pede recolhimento. De representar quando tudo em nós pede verdade. De estar em todas as mesas sem estar verdadeiramente em nenhuma.
E continuamos. Porque recusar exige coragem. Exige dizer que não a mais um jantar. Que não a mais um sorriso ensaiado. Que não a mais uma noite passada fora quando tudo em nós pede casa.
Depois chega janeiro.
Janeiro entra sem luzes, sem convites, sem desfiles. Entra como uma sala vazia depois da festa. Janeiro não celebra — cobra. Cobra o cansaço acumulado, o dinheiro gasto, a exaustão emocional. Cobra o tempo que não foi dado ao silêncio. Cobra a vida que ficou suspensa enquanto se cumpria dezembro.
Talvez seja por isso que janeiro seja o mês mais comprido do ano. Porque é nele que finalmente paramos. E, quando paramos, sentimos tudo o que dezembro não deixou sentir.
Talvez o Natal precise de menos mesas e mais verdade. Menos obrigações e mais escolha. Menos desfiles e mais permanência.
Porque o Natal não está nos jantares que colecionamos,
nem nos sorrisos que distribuímos,
nem nas fotografias que provam que estivemos.
O Natal, se ainda existir, está apenas na forma como chegamos a janeiro.
Inteiros —
ou não.


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