Saber que em Portugal, o país que tem na sua Constituição o princípio basilar da dignidade da pessoa humana, se permite a prática de esterilização forçada de jovens mulheres com deficiência é daquelas realidades que nos deveria envergonhar a todos e todas.
Se alguém não sabe do que falo, além da reportagem transmitida no passado dia 19 de abril, no programa “A prova dos factos”, poderá, numa simples pesquisa, encontrar informação junto de plataformas como A Voz do Autista e em pessoas como Sara Rocha, uma pessoa com deficiência, vice-presidente do Comité das Mulheres do European Disability Forum e do European Council of Autistic People, e que tem dado destaque à luta pelos direitos humanos, em especial da pessoa com deficiência.
A esterilização forçada de pessoas com deficiência continua a ser legal em grande parte da União Europeia. Só nove países a criminalizam, apesar de esta violar a Convenção de Istambul – Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, na qual se afirma categoricamente no Artigo 39.º, Aborto e esterilização forçados: “As Partes tomarão as medidas legislativas ou outras necessárias para assegurar a criminalização das seguintes condutas intencionais; a realização de um aborto a uma mulher sem o seu consentimento prévio e esclarecido; a realização de uma cirurgia que tenha como finalidade ou efeito pôr fim à capacidade de reprodução natural de uma mulher, sem o seu consentimento prévio e esclarecido ou sem que ela compreenda o procedimento.”
Paralelamente, a nossa Constituição, o Código Penal, entre outros diplomas são claros quanto ao que se pretende que seja a proteção da integridade física da pessoa humana. No entanto, ainda se levantam vozes contrárias aos direitos mais fundamentais destas pessoas. Não esqueçamos, as pessoas com deficiência são pessoas, e não podem ser menorizadas, discriminadas e alvo de práticas que atentam contra a sua dignidade, só porque, segundo se alega, a sua doença mental não lhes permite ter capacidade de raciocínio ou porque, existem pessoas que olham para a pessoa com deficiência e acreditam que: “uma pessoa com deficiência nunca vai ser feliz e ter uma vida completa”.
Haverá pessoas com mais limites do que outras e, como é óbvio, cada doença reveste-se de um conjunto de especificidades e necessidades tão próprias que se exige um acompanhamento e apoio apropriados. Mas, a falta desse eventual apoio, seja humano ou financeiro, não pode ser fundamento para se considerar que haverá legitimidade de um terceiro decidir esterilizar alguém à força “para não ocorrer uma gravidez indesejada”.
Neste sentido, e muito bem, nas últimas legislativas, o partido PAN consagrou no seu Manifesto 24-28 a proposta de criminalizar a esterilização forçada das pessoas com deficiência, acompanhada da criação de mecanismos de apoio às vítimas, para prestar apoio e informação e assegurar o processamento dos pedidos de indemnização.
Celebramos os 50 anos de abril há 5 dias. Não nos esqueçamos de que isso também significa garantir igualdade, princípio basilar da nossa democracia, que prevê que cada uma e cada um de nós seja considerado nas suas diferenças. Só o respeito pela diferença garantirá a igualdade.
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