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Vila Nova de Famalicão
Segunda-feira, 7 Outubro 2024

Obras no centro de Famalicão motivam queixa no Ministério Público

Denunciante levou ao conhecimento da dona da obra (Câmara Municipal) aquilo que considera ser um caso “grave” de desrespeito do caderno de encargos e apresenta queixa no Ministério Público. E anuncia uma participação à União Europeia. Câmara Municipal afirma que “fez diligências no terreno” e que os factos descritos são “infundados”.

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Famalicão

A Urbiágua – Comércio e Montagem de Fontes, Lda, empresa de projetos e sistemas hidráulicos com sede na cidade da Maia, apresentou uma queixa no Ministério Público de Vila Nova de Famalicão contra um empreiteiro e um subempreiteiro das obras de reabilitação urbana do centro da cidade, na Praça de Dona Maria II e na Praça de Mouzinho de Albuquerque.

Em causa as obras de reabilitação que estão a ser realizadas na área central da cidade, abrangendo a Praça D. Maria II até ao Campo Mouzinho de Albuquerque, no valor de 7.676.040,38 euros (sete milhões seiscentos e setenta e seis mil e quarenta euros e trinto e oito cêntimos) aos quais acresce o IVA. O contrato foi assinado no dia 30 de junho do ano passado e o prazo de execução é de 365 dias. As obras começaram em finais de outubro, com o derrube de dezenas de árvores.

A Urbiágua – que participou na elaboração dos projetos de fontes de água previstas para os dois espaços e concorreu à subempreitada – descobriu agora quer os materiais aplicados não têm nada a ver com o projeto inicial, alegando que estão a ser aplicados materiais de menor qualidade em relação ao previsto no caderno de encargos aprovado por Bruxelas.

Entre as “desconformidades graves” encontradas estão discrepâncias “quer no tipo de materiais aplicados, quer na qualidade dos mesmos, ficando, a empreitada, com qualidade muito inferior ao que foi plasmado no caderno de encargos”.

A Urbiágua considera “estes factos como graves, e eventualmente lesivos do interesse público”, pelo que deu conhecimento da situação “à dona da obra”, Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, “para que atuasse como entendesse, na defesa do interesse público”.

“DESCONFORMIDADES GRAVES”

Em finais de abril, o Presidente da Câmara Municipal recebeu uma carta da gerência da Urbiágua que tinha como objetivo dar a conhecer “factos” considerados “graves e lesivos para a Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão”.

A empresa em causa, que alegadamente tinha sido posta de lado pela ABB – Alexandre Barbosa Borges – que juntamente com a Dacop, SA forma o consórcio responsável pela empreitada – solicitava a Paulo Cunha “uma fiscalização rigorosa à obra para que os interesses do Município de Vila Nova de Famalicão sejam salvaguardados”.

Na ocasião foi enviado à Câmara Municipal um minucioso “relatório de inconformidades face ao caderno de encargos e ao projeto”, acompanhado de várias fotografias a registar que os trabalhos na obra estavam a ser realizados “em completa desconformidade” com o caderno de encargos elaborado pelos serviços técnicos da autarquia.

Entre as “desconformidades graves” encontradas numa passagem pela zona das obras estão discrepâncias “quer no tipo de materiais aplicados, quer na qualidade dos mesmos, ficando, a empreitada, com qualidade muito inferior ao que foi plasmado no caderno de encargos”.

O relatório alerta que as inconformidades verificadas abrangem desde o tipo de componentes e materiais escolhidos, passando pelo seu princípio de funcionamento, até ao dimensionamento dos mesmos.

FONTES DE ÁGUA INSPIRADAS EM BORDÉUS

O projeto contempla a instalação de várias fontes de água e um dos maiores exemplos de inconformidade citados é justamente a fonte principal do projeto, que será instalada atrás da estátua de D. Maria II.

No caderno de encargos consultado pelo NOTÍCIAS DE FAMALICÃO existem oito fontes que serão geridas por três centrais técnicas.

A fonte principal do projeto terá sido inspirada na fonte “Mirroir d’Eau” (“espelho d’água, na tradução em português), localizada em Bordéus, França.

Fonte “Mirroir d’eau”, localizada em Bordéus, França, que terá sido a inspiração para o projeto famalicense.

A fonte “Mirroir d’eau” tem, entre outras características, funcionamento com um sistema de maré, espelho de água, espelho de água com jatos espumosos programáveis, fonte seca com jatos de água livre programáveis e nebulização.

Segundo a denúncia apresentada na Câmara Municipal, “ao removerem estes cenários de funcionamento deturpam toda a solução de projeto, apenas implicando numa forte redução de custos. Como, aliás, se vê na fraca escolha de materiais e solução construtiva”.

Imagem do projeto apresentado pela Câmara Municipal.

“RESPEITO PELO DINHEIRO PÚBLICO”

O documento foi enviado à Câmara Municipal por Abílio Lopes, cidadão famalicense que é um dos sócios da Urbiágua.

Em declarações ao NOTÍCIAS DE FAMALICÃO Abílio Lopes explica que a sua empresa havia sido consultada pela empresa responsável pela obra, a ABB – Alexandre Barbosa Borges, e que “apresentou preços que considerou justos, tendo em conta as exigências da obra”, acrescentando que, no entanto, “os trabalhos não lhe foram entregues, o que considerou normal, apesar de ter preços muito concorrenciais”.

“O problema não é ser contratado para fazer ou não a obra. A questão aqui é o respeito pelos munícipes e pelo dinheiro público”, destaca Abílio Lopes, que numa passagem pela obra verificou que o que está a ser feito é bem diferente do que consta no caderno de encargos.

Abílio Lopes, um dos sócios da Urbiágua, contactou a Câmara Municipal para “alertar sobre irregularidades” nas obras no centro urbano. Fotografia NOTÍCIAS DE FAMALICÃO

Abílio Lopes dá exemplos para ilustrar a diferença entre o caderno de encargos e a obra em execução. “É como se tivesse apresentado orçamento para construir um prédio de dez andares onde, afinal, é construído o rés-do-chão”.

Sem precisar números exatos, explica que a construção de uma fonte como a “Mirroir d’eau” implicaria “um investimento superior a meio milhão de euros, mas a que está a ser construída é inferior, com um custo cerca de dez vezes menor”.

Mas quais são, em termos práticos, as modificações verificadas? “Reservatórios muito pequenos, tubagens de diâmetro reduzido, acessórios de pressão inferior, peças de ferro que já registam oxidação são alguns dos exemplos que podem pôr em causa não só o funcionamento do sistema, mas a durabilidade do mesmo”, explica Abílio Lopes.

Analisando as alterações verificadas na obra face ao caderno de encargos ao qual concorreu como empresa subcontratada, Abílio Lopes detetou casos em que peças e acessórios tiveram “adaptação forçada e mal concebida”.

Além do envio do relatório e das fotografias, Abílio Lopes manifestou disponibilidade para quaisquer esclarecimentos necessários, alertando que, “dada a gravidade da situação e porque o interesse público está em causa” sentia a “obrigação de denunciar ao Ministério Público o comportamento” das empresas responsáveis pela obra.

CÂMARA CONFIRMA “ALTERAÇÕES”

Em resposta à reclamação apresentada, a Câmara Municipal refere que foram realizadas “alterações” e “redimensionamentos” em relação ao previsto no projeto inicial de acordo com a expetativa do coordenador do projeto, destacando que “todos os acessórios colocados encontram-se de acordo com o aprovado pela fiscalização”.

Na resposta enviada à Urbiágua, a Câmara Municipal salientou que “considera grave a violação dos limites da empreitada, estando ela bem vedada, colocando em risco a segurança de todos”.

A Urbiágua respondeu à Câmara Municipal, reforçando as preocupações inicialmente apresentadas, referindo a importância da qualidade uma vez que há componentes “enterradas por baixo do pavimento da praça” pelo que se exige que sejam de longa duração.

SEGURANÇA DOS CIDADÃOS EM RISCO

Na resposta, além das inconformidades com o caderno de encargos, Abílio Lopes também alertou a Câmara Municipal de Famalicão para os aspetos de segurança, nomeadamente a dos munícipes.

“Moro em Vila Nova de Famalicão e lamento a observação que a Câmara Municipal fez relativamente à entrada no recinto de obra, uma vez que é do conhecimento de todos que não existe qualquer vedação ou controlo da circulação das pessoas pela obra”, referiu Abílio Lopes, acrescentando que “as pessoas circulam pelos passeios enquanto o empreiteiro corta e aplica a calçada, pondo em risco a segurança das mesmas”.

Mais uma vez com recurso a fotografias, foram apresentadas à Câmara Municipal uma série de situações que colocam em risco a segurança dos cidadãos, nomeadamente pessoas a circular dentro da obra em zonas não pavimentadas, e muito próximas de zonas de alto risco como buracos não identificados; ausência de vedação entre o espaço de obra e as esplanadas; trabalhadores sem equipamento de proteção individual; vedações existentes em mau estado de conservação, com sinalética insuficiente ou degradada.