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Vila Nova de Famalicão
Sexta-feira, 6 Junho 2025
Agostinho Fernandes
Agostinho Fernandes
Agostinho Fernandes foi Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão entre 1983 e 2002, eleito pelo Partido Socialista.

Revisitar o passado em Vila Nova de Famalicão

O número 5 é mágico em Famalicão. Foi em anos terminados em 5 que tivemos o Foral de D. Sancho I, o nascimento de Camilo, o Foral de D. Maria II, a linha ferroviária, a elevação a cidade, etc.

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Agostinho Fernandes
Agostinho Fernandes
Agostinho Fernandes foi Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão entre 1983 e 2002, eleito pelo Partido Socialista.

Famalicão

Desde há dezenas de milhares de anos que os homens de todos os tempos e lugares viveram entre símbolos e pictogramas, letras e números, pintura e esculturas e todo o tipo de atividades, deixando a contagem rupestre de pedrinhas, dedos das mãos e mesmo a escrita cuneiforme, aquela da cunha na argila, assim procedendo os egípcios, gregos e romanos e ainda arábicos ou chineses.

Não sou de qualquer escola pitagórica nem partilho o significado e transcendência de alguns números e dos quais o zero foi o último a aparecer, mas, se calhar, o mundo é mesmo regido por relações matemáticas ainda ocultas ou visíveis e daqui também o significado histórico e mesmo simbólico de alguns números mais que outros. Um zero é um zero, mas antecedido de algum algarismo ou muitos é muito mais que uma pequena fortuna ou um grande azar.

Seja ou não o número 5, cinco, com ou sem zero no fim, não deixa de algum modo de ser mais que paradigmático para a história local nos seus maiores lances e, como todos, simbolizando virtudes maiores ou epítetos que desde Plutarco agradam ao comum dos mortais quando mencionamos a força e a inteligência, a sabedoria e a cordialidade, o equilíbrio ou a riqueza, a honra e a verdade, sem necessidade de enveredar pela quiromância ou tarologia. Por outro lado, constata-se que o mês de julho é o nosso mês dos grandes acontecimentos históricos, nomeadamente: 1 de julho de 1205 (foral de D. Sancho I), 9 de julho de 1985 (elevação a cidade) e 18 de julho de 1835 (criação do concelho que voltamos a ser).

O rei D. Sancho I foi nomeado de Povoador e abundam por todo o país os concelhos e terras a quem concedeu alforrias e mesmo o foral de autonomia, por mais que o seu amigo se demorasse na cidade da Guarda – feia, farta, forte e famosa… – doando as suas regalengas e férteis terras aos 40 moradores que a partir de 1 de julho de 1205 começaram a ser proprietários das mesmas e responsáveis pela sua exploração e desenvolvimento das suas terras de Vila Nova. Dom Afonso II confirmaria o mesmo foral em 1217.

De 1383-1385 o antigo concelho das terras do julgado de Vermoim e donde emergiu o Papa português João XXI, Vila Nova de Famalicão foi decepado e liquidado em resultado da crise da regência que abalou Portugal, oscilando por séculos entre Guimarães e Barcelos, até 1835, novo foral de D. Maria II, permanecendo os moradores que aqui estavam há 180 anos, que o Mestre de Avis não foi peco no ajuste de contas, como se usava ao tempo, sem retirar a ninguém o coração pelas costas, como assim mandou proceder D. Pedro I por causa da sua Inês.

Neste longo espaço de uma história de quase um milénio, coincidindo em larga escala com o período designado por era medieval e não só, o país arroteou terras, plantou árvores e construiu castelos, meteu os rios mais pequenos nos eixos e criou caminhos e construiu os barcos que nos levariam à gesta pioneira no mundo e epopeia dos Descobrimentos por mão de D. Henrique e o grande  Camões de que ocorreram os 500 anos de seu nascimento em 2024 e havia de exaltar as nossas façanhas “urbi et orbi” e para sempre. E claro que entre os trovadores, e mais tarde nas Descobertas, os famalicenses de então foram participando ativamente pelas mais diversas partes do então mundo conhecido, principalmente no grande Brasil, bastando recordar a “entourage” do grande Salvador Correia de Sá, ali dos lados de Fralães e Outiz que correu com os holandeses do Brasil e depois de S. Salvador de Luanda em linha direta com o rei restaurador e ali por volta de 1640.

Ao longo dos tempos as circunstâncias locais foram-se modificando aparecendo Famalicão como grande plataforma e convergências de caminhos entre Guimarães, Braga, Barcelos, Póvoa de Varzim, Vila do Conde e Santo Tirso, atraindo população do interior do país que tantas eram as iniciativas locais de trabalhos agrícolas, comercial na feira e industrial pelo concelho, pelas pequenas e médias manufaturas que dos engenhos de azeite, moinhos de farinha, açudes, levadas e serrações se alicerçava o futuro.

Em 1825 nasce Camilo Castelo Branco, a 16 de março, em Lisboa, dez anos antes da outorga de novo Foral à Terra de Famalicão pela rainha D. Maria II, em 1835, essa mesmo que ocupa o centro e o miolo da nossa cidade, o campo da Granja  e da antiga feira, criada em 1205 por D. Sancho I. Havia de ser Vila Nova de Famalicão de pleno direito e razões de progresso em 1841. Em 1875 inaugurava-se a linha férrea entre nós.

Camilo suicida-se em 1890, porque picado pelas sombras existenciais e bexigas e Ana Plácido, que nasceu em 1831, falece cinco anos depois dele, a 28 de setembro de 1895, continuando entre nós e no cemitério de Vila Nova de Famalicão.

Não faltaram polémicas à volta de Camilo, mas, passados 200 anos, Camilo está vivo como poucos, como queriam todos os seus diretores, de Pinheiro Torres a Benjamim Salgado, de Manuel Simões a Aníbal Pinto de Castro e José Manuel Oliveira, não fora ele um dos maiores génios da nossa língua, na galeria de Camões, Vieira, Garrett, Eça, Pessoa ou Saramago, visitado pelo rei na cadeia e autor do “Amor de Perdição”, que escreveu de um fôlego de poucos dias na prisão do Porto.

O grande escritor biscaíno e reitor de Salamanca, Dom Miguel de Unamuno, que gostava de passar férias por cá entre amigos como Laranjeira, Junqueiro ou Pascoais, refere-o como um dos melhores livros de autores peninsulares, se não o melhor romance, referindo mesmo que a melhor maneira de conhecer Portugal era viajar de comboio com um romance de Camilo a tiracolo.

A cidade que somos poderia ter sido titulada em 1983-1984 mas, avaliado o périplo histórico do nosso longo passado, achamos que as coincidências à volta do número 5 eram demais para que não se apontasse, em diálogo com a Assembleia da República, para o ano de 1985, 9 de julho, celebrando-se neste ano de 2025 os 40 anos de cidade. Era seu ilustre Presidente o Dr. Fernando Amaral e o saudoso Dr. Mário Soares, o Primeiro-Ministro de Portugal, dois grandes estadistas.

Neste ano de 2025 ocorrem assim:

820 anos do Foral de D. Sancho, existência de Vila Nova de Famalicão.

200 anos do nascimento de Camilo Castelo Branco.

190 anos do Foral de D. Maria II.

150 anos da inauguração da Linha do Minho entre Campanhã e Nine (com inauguração das estações de Famalicão e Nine) e do ramal de Braga.

135 anos da morte de Camilo Castelo Branco.

130 anos da morte de Ana Plácido.

50 anos das primeiras eleições legislativas democráticas.

40 anos de Vila Nova de Famalicão a cidade.

Por tudo isto, e não é nada pouco em termos de festejos, comemorações, investigação, desfiles e reflexões, valha-nos o lúcido Juvenal em festival à volta do mágico número 5 para nós famalicenses, em pleno pagode romano!…

Não há foco para aquilo que verdadeiramente interessa pela cegueira e porque o ruído das  festas, festinhas e festarolas é excessivo, não nos valendo de nada os 219 milhões de orçamento, lado a lado com Guimarães e Braga e ostentar mesmo lugar cimeiro no ranking nacional de exportações, nem o fabuloso PRR e nem a oposição que temos entre nós!…, enquanto se tomarem por realidades sociológicas as sombras desfiguradas que são projetadas pelo sol das realidades verdadeiramente apelativas no interior da caverna platónica, e que continuarão sem respostas firmes, corajosas e universais neste mundo conturbado, opaco porque nada problematiza nem quer ver e cruel, de que todos, mas todos, deveríamos fazer parte.

Tudo isso é para outra longa e mais incómoda reflexão, enquanto se puder continuar a pensar, escrever e falar livremente nesta “formosa Lusitânia”, de uma tal turista pioneira Lady Jackson seduzida pelo Portugal de Byron e que o nosso atarefado homem de letras de S. Miguel de Ceide traduziu, para seu gozo e proveito, tal como o artificioso circunlóquio que os amigos de JRS teceram para nos dizer que, afinal, Vila Nova de Famalicão está longe de ser o Tejo que pensamos e nem sequer o riachinho Pelhe que desliza pela bela e serena Devesa, mas antes o encafuado lugarejo entre a Magida e o Bairro do 31 ou o campo dos Bargos, com a apologia bacoca de permeio entre o particular/universal, Garret ou Pessoa, pasme-se!…, e onde nem as botas à Gulliver do enfatuado apresentador lustraram o bastante para um marketing mais proveitoso, salvo uma ou outra foto do nosso contentamento, por exemplo, aquela das crianças que tapam o muro no jardim de Januário Godinho junto à Câmara Municipal.

De resto e quanto ao anunciado regresso do mercado que não feira do livro, bem, estou esclarecido!… De ilusão também se vive, porque nada de novo, salvo as costumeiras monstruosidades vulgares!… Onde é que já ouvi isto?…

 

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Agostinho Fernandes
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Agostinho Fernandes foi Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão entre 1983 e 2002, eleito pelo Partido Socialista.
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