No ano em que se assinalam os 50 anos de democracia em Portugal, o poder local está em crescente descrédito aos olhos da população. Muitas vezes, o exercício da política local é visto como forma de alcançar voos mais altos ou de colher proveitos em benefício próprio. E o principal propósito deveria ser o de servir o povo e a sua qualidade de vida.
O desprestígio da política local faz-se refletir também na política nacional e traz más consequências para a democracia, sendo os elevados níveis de abstenção eleitoral a ponta mais visível do iceberg. Mas há outros problemas como, por exemplo, acreditar que fazer política é fácil e não requer esforço. Não há engano maior e as consequências são péssimas.
Maus políticos na governação levam à sede imensurável de poder, favorecimentos, privilégios, foguetório inútil, medidas superficiais e iniciativas com muita pompa e pouco ou nenhum valor, que pouco ou nada acrescentam ao território e à comunidade.
Maus políticos na oposição levam a pouco ou nenhum escrutínio do poder, que se traduz num vazio de ideias que alimenta a desesperança dos eleitores que, como já referi, acreditam cada vez menos na política e nos políticos.
PODER E OPOSIÇÃO EM FAMALICÃO
Entre os muitos exemplos possíveis, escolhemos usar como exemplo paradigmático um caso recente, no qual está envolvido o NOTÍCIAS DE FAMALICÃO, tendo como protagonistas o presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, Mário Passos.
Na reunião camarária de 31 de agosto de 2023, o presidente da Câmara anunciou que retirava uma proposta por si elaborada e que iria apresentar uma queixa-crime contra o NOTÍCIAS DE FAMALICÃO. Em causa, a notícia “Mário Passos faz viagem secreta a Lisboa para defender projeto imobiliário em reserva ecológica”. Este projeto imobiliário deu origem à proposta que seria votada naquela reunião para que fosse atribuído a um promotor imobiliário uma “declaração de relevante interesse público municipal”.
Além de anunciar uma queixa-crime no Ministério Público, o autarca da maioria PSD-CDS anunciou outra queixa, desta vez na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), organismo que regula a atividade dos meios de comunicação social, e lançou diversas críticas gratuitas ao NOTÍCIAS DE FAMALICÃO tendo afirmado, entre outras coisas, que o jornal “se dedica à maledicência e à falsidade”. E o que disseram os vereadores socialistas nessa reunião? Nada. Ouviram o edil todo-poderoso e calaram. O que disseram esses vereadores depois da reunião nas declarações aos jornalistas? Nada.
Na deliberação de arquivamento da queixa de Mário Passos, a ERC deu razão ao NOTÍCIAS DE FAMALICÃO ao considerar que “a notícia descreve factualmente a informação”, tendo realçado que “grande parte das informações avançadas na notícia são sustentadas numa fonte de informação documental”.
Mário Passos queixou-se, entre outras coisas, do uso do seu nome e da expressão “viagem secreta” no título da notícia. Mas a ERC não atendeu aos argumentos do presidente da Câmara, tendo deliberado que “o texto da notícia fundamenta a interpretação que origina a conclusão plasmada no título”.
O PS calou quando deveria ter falado e falou quando deveria ter ficado calado.
De forma surpreendente, na reunião camarária de 25 de janeiro, já depois de ter sido amplamente conhecida a notícia de arquivamento do processo, os vereadores do Partido Socialista decidiram falar. Foi a destempo e sem sentido.
Ou seja, o PS calou quando deveria ter falado e falou quando deveria ter ficado calado. Posicionar-se publicamente sobre o assunto apenas depois de o processo ter sido arquivado pode ser facilmente interpretado como ação de oportunismo político. Por que ficaram em silêncio os vereadores socialistas quando Mário Passos anunciou as queixas? Porque é que nesse dia não questionaram a retirada da proposta? Por qual razão não questionaram qual a relação entre a notícia do jornal e a retirada da proposta? Esse teria sido o momento certo para defender a liberdade de imprensa e o direito à informação consagrados na lei portuguesa.
A comunicação social local, que não se coibiu de estampar nas notícias os ferozes ataques de Mário Passos ao NOTÍCIAS DE FAMALICÃO, não noticiou a decisão da ERC. A exceção foi o “Jornal de Famalicão” que na edição desta semana, deu destaque ao tema.
Através dos seus vereadores, o PS-Famalicão tentou colar-se a uma vitória que não foi sua, dado que tomou posição apenas depois de ter ficado comprovada a posição correta do NOTÍCIAS DE FAMALICÃO, que fez o seu trabalho de escrutínio do poder municipal, com rigor e profissionalismo, tal como evidenciou a decisão da ERC, na sua deliberação: “A matéria noticiada, bem como a atuação do queixoso, pela natureza das suas funções inerentes ao cargo que ocupa, revestem-se de interesse público”. Deste modo, o trabalho do NOTÍCIAS DE FAMALICÃO representou uma vitória do jornalismo, dos famalicenses e da sociedade democrática. E uma derrota de Mário Passos.
Embora o arquivamento do processo tenha sido uma vitória do jornalismo, a comunicação social local, que não se coibiu de estampar nas notícias os ferozes ataques de Mário Passos ao NOTÍCIAS DE FAMALICÃO, tentando, sem sucesso, manchar a reputação do nosso jornal, não noticiou a decisão da ERC. A exceção foi o “Jornal de Famalicão”, que já cá anda há mais de 70 anos e que, na edição desta semana, deu destaque ao tema.
Como destacou a ERC, “esta função de escrutínio público das matérias relevantes para a comunidade e para a democracia, nomeadamente perscrutando a atividade dos titulares de cargos públicos, em cumprimento do direito à informação dos cidadãos, pode ser especialmente relevante na política local”.
Durante os meses que se passaram entre as queixas do autarca e a decisão sobre o processo, o NOTÍCIAS DE FAMALICÃO não se intimidou e continuou a noticiar o que se passava de relevante sobre o tema. Foi o nosso jornal que noticiou, em exclusivo, novos dados importantes para a comunidade famalicense como as intervenções da Agência Portuguesa para o Ambiente (APA), do Instituto para a Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), e do Serviço de Proteção da Natureza (SEPNA), que é a polícia ambiental da GNR.
Já que estamos a falar sobre política, importa referir que, no dia em que Mário Passos retirou a proposta e anunciou uma queixa-crime contra o NOTÍCIAS DE FAMALICÃO, as forças políticas que reagiram a tão inusitada e atroz situação, curiosamente, não têm representação nem no executivo camarário, nem na Assembleia Municipal.
A Iniciativa Liberal foi a primeira a vir a público “condenar a tentativa de condicionamento da liberdade de imprensa”. Além disso, os liberais mostraram-se “surpreendidos” por Mário Passos retirar a proposta de projeto imobiliário da reunião camarária “sem qualquer esclarecimento”.
Em seguida posicionou-se o PAN. O partido solicitou informações ao presidente da autarquia, nomeadamente os fundamentos que levaram Mário Passos a anunciar a intenção de processar o NOTÍCIAS DE FAMALICÃO, bem como “um cabal esclarecimento” sobre aquilo que considera “mais um projeto com pouca transparência”.
O CDS mostrou uma postura firme, demonstrando que estar numa coligação não é perder a própria identidade.
Sobre a proposta retirada da reunião, o PS fez o seu papel enquanto oposição visitando os terrenos em causa, denunciando o abate de todo o arvoredo da área em causa e solicitando ao presidente da Câmara uma reunião – que foi negada. No que se refere ao NOTÍCIAS DE FAMALICÃO, o PS só não foi totalmente ausente porque, numa reunião da Assembleia Municipal, realizada poucos dias depois, Jorge Costa, líder do grupo municipal, trouxe o assunto à baila, defendendo a liberdade de imprensa, convidando os famalicenses a apoiarem o jornal e trazendo ao debate o assunto do projeto ao qual a autarquia pretendia atribuir “declaração de relevante interesse público” – e que, entretanto, acabou por ser retirada duas vezes consecutivas.
O PSD age como quem “não sabe, não ouve, não vê”.
Sobre o PSD e o CDS pouco ou nada a dizer. O CDS, cujo responsável máximo concelhio é também vereador do Ambiente, posicionou-se de forma clarificadora na Assembleia Municipal. Uma postura firme que demonstrou aos seus militantes e eleitores que estar numa coligação não é perder a própria identidade. Verdade seja dita, pois o contrário seria muito mau. Afinal, trata-se de um assunto que envolve o pelouro do Ambiente sem o conhecimento do vereador responsável. Infelizmente, a mesma clareza de posicionamento não se fez presente na hora de defender a liberdade de imprensa e o direito à informação dos famalicenses.
O PSD, partido que é a base de sustentação da governação municipal, age como quem “não sabe, não ouve, não vê”, seja no que se refere à proposta sucessivamente retirada, sejam as queixas do edil contra o NOTÍCIAS DE FAMALICÃO. Fica a dúvida se é por descaso com o que se passa no concelho, cujo destino tem nas mãos há mais de 20 anos, ou se é porque realmente o partido está excluído, tendo passado a existir só de quatro em quatro anos quando é tempo de erguer bandeiras e mobilizar forças para campanha eleitoral. Se for a primeira opção, chegará o tempo em que os famalicenses responderão à altura; se for a segunda, é igualmente lastimável, uma vez no boletim de voto os eleitores não votam num indivíduo, e sim elegem projetos apresentados por partidos políticos.
NOTÍCIAS DE FAMALICÃO CELEBRA 3 ANOS
Em novembro último, o NOTÍCIAS DE FAMALICÃO celebrou 3 anos de existência, mas devido à turbulência com as sucessivas queixas apresentadas contra o jornal, a data acabou não sendo devidamente comemorada.
No entanto, o primeiro editorial deste ano não poderia terminar sem uma palavra de reconhecimento a todos que fazem parte da nossa trajetória: leitores, colaboradores e anunciantes. Desejamos que 2024 seja um ano de boas notícias para Famalicão, Portugal e o mundo. E que não nos falte saúde!
Em breve, teremos novidades para partilhar convosco.
Post scriptum – Enquanto escrevia este editorial, recebemos resposta a um pedido de informação enviado ao gabinete de comunicação. Como é sabido, desde finais de 2022 a Câmara Municipal deixou de responder às solicitações de informação do NOTÍCIAS DE FAMALICÃO, situação que levou o jornal a apresentar uma queixa contra a autarquia junto da ERC, a qual ainda aguarda resolução. Esperemos agora que a autarquia responda às solicitações que continuam pendentes, nomeadamente sobre os prazos de garantia das obras do centro da cidade, centrais fotovoltaicas a instalar no concelho, entre outros temas de relevante interesse público.
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