Isto está a saque ou porque não voltar a falar do PDM?

A destruição da Mata da Boa Reguladora será um momento doloroso. Tenho a memória de uma cidade em que, de qualquer ponto do seu centro, era possível ver o verde das matas que a circundavam. Aos poucos, Famalicão foi perdendo esse património.

Comentários

5 min de leitura
Mata da Boa Reguladora junto à linha do Minho perto da Estação da CP de Famalicão.

“Esta é a história de um homem que cai de um prédio de 50 andares. Durante a queda, ele repete sem parar, para se reconfortar: ‘Até aqui tudo bem, até aqui… tudo bem.’”
O Ódio – de Mathieu Kassovitz

Em julho, numa sala da biblioteca Municipal, deu-se início ao período de discussão do PDM (Plano Diretor Municipal). A sala estava cheia. Mas quando foi aberto o tempo para as perguntas, só 3 pessoas colocaram questões. As 3 da associação Famalicão em Transição.

Fiquei a pensar sobre o assunto e ocorreu-me que, afinal, naquela sala, longe de se assistir a um momento de democracia participativa, estávamos a assistir a um pós-banquete. A metáfora da sala de fumo de outros tempos com janela para a rua onde os miseráveis recolhiam os restos daquela farta refeição, enquanto os empreiteiros assistiam fumando os seus charutos.

- Publicidade -

No final de novembro são publicadas imagens na imprensa local sobre a central fotovoltaica de Outiz (Santa Catarina). Em reação, tivemos um coro de críticas e indignação.

O que liga estes dois momentos?

O tempo que separa a decisão política e a tomada de consciência das suas consequências.

A declaração de relevante interesse público municipal, que permitiu o ecocídio do Monte da Santa Catarina, foi aprovada numa longínqua Reunião de Câmara e posterior Assembleia Municipal no ano 2020. Ainda na presidência do Sr. Paulo Cunha. 4 anos depois, já quando pouco era possível fazer, vemos as consequências desta desastrosa decisão.

A central fotovoltaica de Gemunde ocupa uma área de cerca de 80 hectares.

Voltando ao presente. A nova versão do PDM é um tratado de ganância imobiliária. Eu vi a teaser e parece um spin-off dos “Walking dead”.

Para quem é de Famalicão, a destruição da Mata da Boa Reguladora será um momento doloroso e (estou certo) fará correr muita tinta. Tenho a memória de uma cidade em que, de qualquer ponto do seu centro, era possível ver o verde das matas que a circundavam.

Aos poucos a cidade foi perdendo esse património e com o fim da Mata da Boa Reguladora, não sendo o último prego no caixão, pouco sobra.

Edifício da antiga fábrica da Boa Reguladora, praticamente ao abandono.

A gula não se fica por aqui. Acrescento o fim da zona desportiva da cidade e as várias Unidades Operativas de Planeamento e Gestão (UOPG) em terrenos rústicos. Por terreno rústico entenda-se aquele que se destina a atividades agrícolas, florestais e de preservação ambiental.

Destas UOPG em terrenos rústicos elejo como as mais escandalosas a n.º 3.6 em Fradelos (imagem1), sempre Fradelos, a n.º 4.9 em Oliveira Santa Maria (imagem 2), a 1.25 em Gavião (imagem 3) e todo programa urbanístico previsto no vale da Ribeira de Bargos junto ao Vinhal (imagem 4) – consultem também a petição disponível neste link.

Vale da Ribeira de Bargos junto à urbanização do Vinhal.
Vale da Ribeira de Bargos junto à urbanização do Vinhal.

Perderemos terrenos agrícolas e florestais, enquanto isso na cidade não nos faltam ruínas e terrenos vazios espalhados pela malha urbana.

O betão não nos enche a barriga, não aquece as nossas casas, nem enche os nossos pulmões, mas alimenta a boa sorte de alguns. Sem com isso acudir ao problema da habitação. Não me parece que a crise da habitação se resolva com apartamentos a 300 mil Euros, preço de amigo…

Tudo isto não joga com o Plano Municipal de Ação Climática (PMAC) que provavelmente passou ao lado da maioria de nós. Neste documento, cheio de boas intensões, não faltam referências à urgência de preservar as nossas matas e florestas. Também trespassa a imperativa obrigação de respeitar o ciclo da água, os rios, ribeiros, barrancos e cumeadas de linhas de água, elementos fundamentais para prevenir os impactos dos fenómenos climatéricos extremos.

Mas a coerência entre documentos, para não falar entre o discurso e a prática, está tão longe como o Sol está de Neptuno.

Só umas notas finais, no início deste Ano Novo.

Estes dias o CeNTI / CITEVE “inaugurou” o seu pavilhão industrial que ocupou parte das antigas hortas da Devesa e anunciou um novo pavilhão. Para que conste, o novo edifício foi construído aproveitando um argumento na legislação (obviamente de manhosa legalidade) que permite a construção de anexos com uma implantação equivalente a 50% do edifício pré-existente à data do PDM em vigor.

Esgotado esse limite, era necessário aguardar pela aprovação do novo PDM…

Cá está o novo PDM!, e assim se acrescenta mais um edifício ao edifício já acrescentado (e previsto desde o início).

Apesar dessa habilidosa engenharia, a classificação deste terreno é de zona verde no Plano de Urbanização da Devesa, figura suportada em discussão pública e publicado em Diário da República. E isso basta para inviabilizar qualquer construção. Por isso, o executivo teve de recorrer ao Relevante Interesse Público Municipal para “legalizar” a obra.

Digam lá se isto não é gozar com quem trabalha?

Parque da Devesa terreno onde vai nascer o 2.º acrescento do CITEVE / CeNTI

Tivesse tempo e escrevia mais umas linhas sobre os 5,5 milhões de euros que o Sr. Paulo Cunha pagou em 2015 pela redução da capacidade de construção em 40% numa pequena tira de terreno na parte de cima do Parque da Devesa no alinhamento da Casa do Território (ver Planta A).

Essa capacidade construtiva havia sido acordada com o próprio Município, poucos anos antes, nas negociações para a construção do Parque por cedências ao domínio público no que é hoje o Parque da Devesa. Assim, pouco tempo depois o Município voltou a negociar uma coisa que devia ter feito de raiz o que “obrigou” à tal indeminização.

No mínimo, isto chama-se incompetência. Ou seja, a falta de aptidões e conhecimento para desempenhar determinada tarefa ou função.

Planta A. Fonte: Proposta de delimitação de unidade de execução: 1ª fase da sub-UOPG 1 do Plano de Urbanização da Devesa

A tira assinalada a azul-claro na imagem acima foi negociada por 5,5 milhões de euros para passar de habitação multifamiliar a unifamiliar.

Pelas minhas contas os 5,5 milhões de euros equivaleriam à venda de 220 apartamentos, mais ou menos 5 torres de 10 andares, [partindo de uma margem de 10% (lucro líquido) e de um valor de venda de 250 mil Euros por apartamento]. Não sei as margens praticadas pelo sector, mas 10% parece-me razoável (é limpinho, depois de pagar tudo); quanto ao preço de venda dos apartamentos, em 2015 esse valor seria (muito) razoável. A isso soma o lucro das vivendas que se vão construir no lugar dos ditos apartamentos.

Parque da Devesa terreno pelo qual o Município pagou 5.5 milhões de Euros para reduzir a capacidade construtiva.

Obrigado pelo seu esforço e paciência nesta viagem pelo planeamento e desordenamento no anarcoterritório famalicense. Só por si esse é um ato de resistência.

“O problema não é a queda, é quando impactamos com o chão.”

Imagem 1 – Fradelos
Imagem 2
Imagem 3 – Gavião
Imagem 4
Imagem 5

 

____________________

Os artigos de opinião publicados no NOTÍCIAS DE FAMALICÃO são de exclusiva responsabilidade dos seus autores e não refletem necessariamente a opinião do jornal.

Comentários

Notícia anterior

Encontro de Reis reúne os três grupos de folclore de Joane

Notícia seguinte

Pedro Nuno Santos apresenta em Braga candidatos socialistas aos municípios do distrito

- Publicidade -
O conteúdo de Notícias de Famalicão está protegido.