Os aeroportos costumam ser cenários de reencontros e partidas. Mas, para quem viaja com alguém que tem demência, cada terminal transforma-se num campo minado de estímulos, ruídos e surpresas. É uma viagem dentro da viagem, feita com passos mais lentos, olhos mais atentos e uma paciência que também precisa ser despachada na mala de mão.
O tempo da demência é outro. Enquanto a fila anda, a pessoa hesita. Por isso, o primeiro conselho para quem embarca nesta jornada não é prático é emocional: prepare-se para desacelerar. A viagem começa muito antes do avião, do carro ou do comboio. Começa no planeamento e, sobretudo, na empatia.
Leve documentos extras, inclusive cópias. Um cartão no bolso com nome, contato e condição médica da pessoa é mais útil que um passaporte esquecido. Coloque uma pulseira de identificação, caso ela se perca nalgum momento. Lugares cheios são um gatilho para a desorientação.
Evite conexões longas, trocas de terminal, deslocamentos demorados. Quanto mais direto o trajeto, mais fácil será a experiência. E, se possível, mantenha as rotinas: horários semelhantes de sono, alimentação e medicação.
O cérebro da demência agarra-se ao conhecido como uma criança ao seu cobertor favorito.
No trajeto, o que vale não é o roteiro turístico é o conforto. Muitas vezes, uma cadeira confortável e uma conversa calma valem mais que três museus. Não se trata de renunciar à viagem, mas de reinventá-la. É olhar o mundo com os olhos de quem, muitas vezes, não sabe bem onde está e mesmo assim, confia que está seguro consigo.
Os profissionais de saúde aconselham: leve os remédios em bolsas de fácil acesso. Se for uma viagem internacional, prepare com antecedência a necessidade de atestados médicos ou traduções. Informe as companhias aéreas ou hotéis da condição da pessoa, muitas das vezes, eles oferecem apoio especial nos embarques prioritários, quartos mais silenciosos, refeições adequadas.
Mas, acima de tudo, leve leveza. Uma dose de bom humor pode ser mais eficaz que um ansiolítico. Nem tudo sairá como o planeado, mas está tudo bem. Uma viagem com alguém com demência é feita de pequenos gestos: segurar a mão na fila do embarque, repetir pacientemente o nome da cidade, rir de uma lembrança que já se foi e ainda assim, permanece.
Viajar com alguém que vive com demência não é fácil. Mas pode ser profundamente humano. Ao fim da jornada, talvez descubra que, mais do que destinos, colecionou memórias. E isso, nenhuma foto regista só a memória emocional. Que, por sorte, é a última a ir embora.
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