11.9 C
Vila Nova de Famalicão
Quarta-feira, 24 Abril 2024

Tréguas de Natal

Na minha juventude, era no Natal que a pobreza e as desigualdades sociais mais tocavam a minha sensibilidade, conquistando um lugar privilegiado na memória que nunca esqueci.

5 min de leitura
- Publicidade -
Artur Sá da Costa
Estudioso da cultura famalicense, Artur Sá da Costa é investigador da história local.

Famalicão

Polícia Judiciária outra vez na Câmara de Famalicão para investigar viagens pagas a autarcas

O ex-autarca Paulo Cunha é um dos visados num caso de suspeitas de corrupção que envolve viagens à sede da Microsoft nos EUA. Câmara de Famalicão confirma investigações.

Feira apresenta aos alunos oferta formativa do ensino secundário

Evento destinado aos alunos do 9º ano foi realizado no CIIES, em Vale São Cosme.

Caminhos da Liberdade em Vila Nova de Famalicão

Locais onde se fez resistência à Ditadura Salazarista

Finalistas do ensino secundário discutiram os valores de Abril com autarcas locais

Encontro entre jovens e autarcas aconteceu na Casa da Juventude de Famalicão.

Na mitologia natalícia abrigam-se tréguas de paz, desfilando no palco do mundo celebrações de magia encantatória de tolerância, de amizade e de entendimento fraternal entre os seres humanos.

Por umas horas, embainham-se espadas, esquecem-se diferenças (étnicas, religiosas, sociais…), suspendem-se conflitos, abastecem-se de alimentos os “bancos de pobres”, cantam-se hossanas a um Deus ausente.

Um dia de felicidade a todo o custo! Para todos! Em toda a parte!

A nossa memória, seletiva e traiçoeira, embala-nos neste sonho inebriante, dificultando a recuperação de memórias adormecidas.

Na penumbra das minhas recordações, da vivência angelical natalícia de meninice e de infância, ficou para sempre gravado um acontecimento que estilhaça toda esta magia celestial.

Na véspera da noite de Natal, um corredio de mulheres e homens, de corpos emagrecidos, com porte firme e digno, serpenteavam os estreitos e enlameados caminhos envolventes da Casa da Quinta de minha avó materna, carregando púcaros e cântaros, garrafões e sacos de sisal, abeirando-se dos portões já abertos.

Num silêncio sepulcral, cumprindo um ritual já conhecido, eu abastecia de vinho as vasilhas de barro e de latão pela torneira da “Pipa dos Pobres”, já predestinada do tempo das vindimas.

À despedida os caminhantes, com gestos cerimoniosos, acenavam um agradecimento carinhoso, à “senhora Mariquinhas”, formulando votos de Feliz Natal para toda a família. Alguns balbuciavam: “Deus seja louvado!”.

Os mais familiarizados penetravam no portão principal, onde a minha mãe, “Dona Gininha”, os presenteava com géneros alimentícios campestres apropriados à ceia de Natal.

Já fora da “Casa da Aldeia” deitavam pé ao caminho, pejado de pedras e poças de água, evitando os sulcos cavados pelos rodados dos carros de bois, buscando outras casas de lavradores. Nenhuma lamúria ou queixume se ouvia. O pouco que recebiam deixava-os felizes e agradecidos. Quase pediam desculpa por ali estar!

Ao final da noite, já com a consoada deglutida, e aquecidos pelo convívio familiar, demandavam na escuridão a igreja paroquial, para participar na missa do Galo.

Vinham em traje de festa, altivos e confiantes, agradecer a Deus, entoando cânticos em uníssono com os seus amos e senhores, e apressavam-se para beijar os pezinhos do Menino Jesus, que o senhor abade segurava nas mãos, já depois de o ter “acordado” e retirado do presépio enfeitado e iluminado.

Hoje, à distância de mais de meio século, quando interrogo as estrelas, tentando descobrir onde e porque vislumbrei as injustiças e desigualdades que me rodeavam, os primeiros sinais que me chegam não indiciam a escola pública, do a, e, i, o, u, da tabuada e muita reguada, com professores acomodados e submissos.

Muito menos da Igreja, de costas voltadas para o mundo e indiferente aos problemas e angústias dos seus crentes, sobretudo dos mais humildes e desafortunados.

Encontro sim, algumas vozes de sacerdotes inconformados e corajosos, que denunciavam do altar a demissão e indiferença da Igreja na sua função social, deixando à sua sorte os seus fiéis.

São exemplos que mais tarde iluminam e alimentam a revolta e abandono – pese embora as arreigadas tradições familiares religiosas – de uma Igreja refratária aos valores fundacionais de proteção dos humildes e desfavorecidos, e permeável à serventia dos poderosos.

Neste despertar em busca de caminhos alternativos encontro ainda influência – muito antes de descobrir o campo da política, donde soavam vozes de resistência à ditadura – nas clivagens das diferenças e discriminações sociais, nos colegas de escola primária, que todos os dias observava, alguns descalços e famintos, e nos companheiros de adolescência (operários têxteis, da construção civil…), com os quais jogava futebol e foliava nas romarias. Os mesmos que, poucos anos depois, vi emigrar a salto para a Europa.

Mas era no Natal, que a pobreza e as desigualdades sociais mais tocavam a minha sensibilidade, conquistando um lugar privilegiado na memória que nunca esqueci: as mulheres e homens que calcorreavam os caminhos da minha aldeia na véspera da Ceia de Natal!

Vendo bem, os caminheiros da minha aldeia, transportavam não o vinho para a Ceia do Natal, mas o sossego e o aconchego das consciências da comunidade. Fraco e ilusório consolo, porque nunca se libertaram do peso da ignomínia – uma vergonha para todo o sempre – a que condenaram os seus concidadãos!

Comentários

Artur Sá da Costa
Estudioso da cultura famalicense, Artur Sá da Costa é investigador da história local.
- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -

Atualidade

Paulo Cunha será o quarto deputado famalicense no Parlamento Europeu

O ex-autarca de Famalicão é o número dois da candidatura da Aliança Democrática.

Polícia Judiciária outra vez na Câmara de Famalicão para investigar viagens pagas a autarcas

O ex-autarca Paulo Cunha é um dos visados num caso de suspeitas de corrupção que envolve viagens à sede da Microsoft nos EUA. Câmara de Famalicão confirma investigações.

Feira apresenta aos alunos oferta formativa do ensino secundário

Evento destinado aos alunos do 9º ano foi realizado no CIIES, em Vale São Cosme.

Finalistas do ensino secundário discutiram os valores de Abril com autarcas locais

Encontro entre jovens e autarcas aconteceu na Casa da Juventude de Famalicão.

Cerca de 900 mil euros para Antoninas. Mário Passos duplica gastos com festas em apenas dois anos

Mário Passos gasta com as Antoninas mais do dobro que Paulo Cunha e Armindo Costa. São as Antoninas mais caras de sempre, mas o orçamento para as marchas não aumentou. Cada marcha vai receber 8500 euros.

Comentários

O conteúdo de Notícias de Famalicão está protegido.