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Quarta-feira, 4 Junho 2025
Paulo Barros
Paulo Barros
Economista famalicense.

Abram alas para os sonsos

Uma senhora deu entrada nas urgências do Hospital da Senhora da Oliveira, em Guimarães. O diagnóstico traduziu-se em hematomas vários no pescoço, braços e pernas, uma contusão no lábio superior e uma fractura do nariz. Mais do mesmo? Diria que um pouco mais.

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Paulo Barros
Paulo Barros
Economista famalicense.

Famalicão

Detalhemos: a senhora em questão é a esposa de Vitor Hugo Salgado, presidente da câmara municipal de Vizela e (ex)líder da federação distrital de Braga do Partido Socialista.

Aqui em Famalicão conhecemo-lo bem, ainda há uns poucos de meses prestigiou a sessão de apresentação pública da candidatura de Eduardo Oliveira à câmara municipal. Para além disso, é tido como o rei e senhor de Vizela, onde obteve a maior maioria eleitoral do distrito nas últimas eleições autárquicas.

Mas voltemos ao caso, pode ser? Após a agressão, a vítima ligou para a GNR de Vizela a pedir ajuda e a GNR de Vizela, muito pedagogicamente, sugeriu-lhe que ligasse para o 112. Mau, estamos mal se for essa a resposta tipo da GNR de Vizela perante denúncias de agressões. Custa a crer em semelhante desinteresse, não é verdade? A não ser… sendo a vítima quem era, cheirou-lhes a esturro à distância, querem lá ver?

Madrugada dentro, veio a senhora a conduzir sozinha, que remédio, até Guimarães para receber assistência médica. Presume-me que em Vizela não dava muito jeito ser assistida. Como determina o protocolo, o hospital alertou a PSP de Guimarães, e após insistências várias a senhora acedeu a apresentar queixa contra o marido por agressões físicas.

Estaria tão maltratada que, na noite seguinte, deu entrada novamente no hospital Senhora da Oliveira para curar as mazelas da véspera. Uma vez mais, vinha sozinha.

A essas tantas era o segredo mais mal guardado de Vizela e arredores. A notícia chegou aos jornais, mas nenhum lhe pegava. Os jornais locais nem por sombras, ocupados que estavam em difundir a receita do bolinhol. No contínuo politico-mediático idem aspas: o episódio ocorreu em Fevereiro e só em Abril finalmente alguém fez o obséquio, no caso o “Observador”. E fê-lo com estrondo: já agora dizer que estávamos em período de pré-campanha eleitoral para as legislativas. Azarito.

Seguiu-se um silêncio ensurdecedor. A começar pelos próprios; instado a pronunciar-se, Vitor Hugo Salgado dizia ao “Observador” que o que se passara era do foro íntimo do casal. Da senhora nem pio – e onde é que já vimos isto? E que dizer dos notáveis comentadores da nossa praça, alguns deles com créditos firmados nas lutas “civilizacionais”? Estavam de olhos postos nos jacarandás de Lisboa, só pode. Dá que pensar, não é verdade?

Pois parecia que o caso iria passar pelo meio dos pingos da chuva. Não fora Ana Sá Lopes romper com a hipocrisia reinante numa crónica no “Público”. Dizia o óbvio: um caso de violência doméstica envolvendo um presidente de câmara em exercício e candidato designado à reeleição era insustentável politicamente. Exigia-se a Vitor Hugo Salgado que se demitisse e renunciasse à recandidatura. Não o fazendo, exigia-se do Partido Socialista que lhe retirasse a confiança política.

O impasse durou dois dias. Aconteceu a segunda: com Vitor Hugo Salgado indolentemente entregue às profundezas do silêncio, Pedro Nuno Santos anunciou ao país que o Partido Socialista lhe retirava a confiança política.

Ninguém criticou a decisão. Ninguém. E isso vale para Famalicão também.

Menos Vitor Hugo Salgado: nessa altura encontrou algo mais a dizer sobre o caso, e era isto, finalmente: a decisão do PS configurava uma precipitação política num momento em que nenhuma instância judicial se pronunciara sobre o caso. Da qual, aliás, ele sairia olimpicamente inocente, quando e se tal viesse a acontecer. Pois claro. Sejam bem-vindos ao reino dos sonsos.

Detalhe: não se esqueceu de deixar implícita a ameaça de uma candidatura independente.

E como é habitual, logo uma bateria de apparatchiks arreganhou os dentes para vir acusar quem? Ora, quem: a pobre da Ana Sá Lopes! O crime era também o da precipitação. No caso, por pretender condicionar a acção política de Pedro Nuno Santos em período pré-eleitoral e, de caminho (esta nunca falta) prejudicar o Partido Socialista.

Estaria Pedro Nuno Santos, no decurso desses dois longuíssimos dias, a tentar obter a saída airosa que só a demissão de Vitor Hugo Salgado garantia? Ou estaria impassível diante do opróbrio, só à espera de que a comoção geral passasse? Nunca saberemos. O que sabemos é que Ana Sá Lopes nos fez um favor, mas não apenas a nós: também fez um favor ao PS.

Pois bem. Um mês volvido: passaram as eleições e o PS teve um resultado indecoroso. Pedro Nuno Santos demitiu-se. Tendo avançado a inquirição do caso pelo Ministério Público, a vítima recusou-se a prestar declarações e pediu o arquivamento do processo. Outra vez o “e onde é que já vimos isto?” O principal suspeito (na verdade, único) não chegou a ser convocado para prestar declarações. O Ministério Público, fiel a um espírito burocrático que insiste em presidir à prossecução do seu dever, concluiu que seria difícil obter ganho de causa na medida em que, sem a prova testemunhal, não se conseguiria provar o autor das agressões. Ao rosário, ainda a procuradora acrescentou a preocupação de “assegurar a paz social e a tranquilidade no seio da família”. Olha eu que pensava que tudo isso estava já assegurado logo à partida… E encerrou o caso sem ao menos tramitar o processo para a fase de inquérito.

Outra vez Vitor Hugo Salgado saiu da metafórica caverna onde guardava silêncio para, em triunfo, anunciar-se oficialmente uma vítima, ele também!

Vítima de quê? Ora, do julgamento sumário das pessoas, tantas delas mal-intencionadas (quando não politicamente motivadas). Dos interesses que inconfessadamente manobram à sombra diáfana dos valores éticos. E pediu respeito! Por ele e pela esposa, bem entendido.

E fosse ele o único. Reparem, a mim nunca me surpreenderá a infinitude da estupidez humana. Já a capacidade que algumas pessoas têm para se implodirem à frente do mundo, sim, confesso: surpreende-me.

Tivemos um desses casos aqui bem próximo de nós: falo do Sr. Jorge Costa, personalidade que tem o seu destaque à escala local. É o porta-voz do PS na Assembleia Municipal e tem dado a cara pelo partido em meritórias denúncias dos desmandos de Mário Passos. Esteve para ser deputado à Assembleia da República. Tem por assim dizer responsabilidades, não se espera que vá logo dizer o que lhe vai na alma sem ao menos refletir na quantidade de enxofre que se pode soltar para a atmosfera.

Mas não. Estão a ver quando chega aquele momento na vida em que entra pelos olhos dentro que nos vamos esbardalhar todos e mesmo assim não nos evitamos? Quem nunca, não é verdade? Resultado: ficamos a conhecê-lo melhor do que gostaríamos!

Porque o Sr. Jorge Costa é outro que se pergunta: não se terá o PS precipitado ao retirar a confiança política ao “Vitor Hugo”? Estava a lê-lo e percebi ali uma indignação selectiva. Lembrei-me do “Levantai-vos, ó vítimas da fome!”, apenas desta feita aplicado a maridos suspeitos de esfrangalhar a cara à mulher a golpes de ternura.

E insiste numa panaceia de conceitos jurídicos(?) que distingue o crime de violência doméstica do crime de agressões físicas. Eu cá não sou jurista, mas uma coisa sei: não gosto de levar porrada. E se bem percebi a natureza do argumento, os dois crimes distinguem-se basicamente pela profundidade e reincidência da porrada envolvida.

Ou seja, a esposa do presidente da câmara municipal de Vizela não apanhou que chegue para configurar um crime de violência doméstica. E como nenhum dos intervenientes fala sobre o caso, também não se prova que o marido tenha algo a ver com o sucedido.

Tomem nota: se não há crime não há réu. E se não há réu, está o “Vitor Hugo” perfeitamente habilitado para continuar a exercer essa honra cívica que é representar-nos a todos – sim, a todos! – a partir da mui nobre vila de Vizela. E quem nunca partiu o nariz à mulher que atire a primeira pedra.

O Sr. Jorge Costa é decerto muito lesto a concluir pela inimputabilidade política de Vitor Hugo Salgado no que toca ao azar que se acercou da sua esposa. Mas a quantos possam indignar-se ante tamanha ligeireza de processos, eu digo: é apenas natural.

Senão, reparem: sempre existem as proverbiais escadas a provocar o inevitável tropeço, caso em que talvez o empreiteiro pudesse ser responsabilizado? O marido, conhecedor dos meandros difíceis dos litígios judiciais, preconiza não dar trunfos desnecessários à outra parte. Incapaz de mentir, remeteu-se ao silêncio.

Claro que pode acontecer a senhora ter sido raptada por um OVNI, caso em que as mazelas no corpo seriam o resultado de experiências conduzidas por marcianos malvados. O marido, confiado na palavra da esposa dulcíssima, ainda assim antevia o descrédito da história. Incapaz de mentir, remeteu-se ao silêncio.

Claro que, em viagem recente à Austrália, pode o casal ter traficado em mala de porão um canguru, que guarde em casa longe da vista de todos. Dar-se o caso de ser o animal agressivo, como são muitos cangurus? As mazelas da senhora viriam das arrancadas do bicho, e sabe Deus o quanto sofre por se ver desterrado das lonjuras do deserto austral. O marido, antecipando a celeuma por ter um animal selvagem confinado em casa, amochava numa indecisão. Incapaz de mentir, remeteu-se ao silêncio.

E como, no fim de contas, ninguém de ciência certa sabe sobre tropeços, raptos e cangurus (senão os próprios, e esses estranhamente não falam), resta-nos guardar o recato dos incrédulos? Baixar a fasquia, que é como quem diz, premiar o bandido. E de caminho, entregarmo-nos ao destino incontornável de sermos governados por sonsos. Quer dizer, já vale tudo?

Ainda assim, tenho dois ou três considerandos que nesta ocasião gostaria de partilhar com o Sr. Jorge Costa: um é que, com toda a evidência, ele e o “Vitor Hugo” são amigos. Isso não está bem, está óptimo! Os amigos estão próximo de ser o que de melhor levamos da vida. Mas a questão aqui é quando esses amigos nos trazem desgostos. Cá estaremos nós, porque somos amigos, para lhes perdoar o que puder ser perdoado. Mas também para os chamar à pedra, acho eu – pois é para isso que os amigos servem. Não é para relevar quantas vilanias façam, à laia de serem nossos amigos!

A filosofia do Sr. Jorge Costa é diferente: tocou ao amigo, ei-lo a tergiversar. Fala em coisas tremendas como a violação da intimidade do lar e julgamentos na praça pública. Permito-me notar que não fomos nós que entramos no ‘lar’ de Vitor Hugo Salgado. Foi o ‘lar’ dele que se esparramou à nossa frente, em grande estilo! Devíamos agora olhar para o lado? O reino dos sonsos vive da NOSSA complacência. Não me apetece nada dar para esse peditório.

Outro é que não se partem narizes com simples bofetadas: costumam requerer-se punhos fechados para obter um tal desiderato. Em havendo dúvidas, fazia assim: como até são amigos e tal, dava-se à experimentação com o “Vitor Hugo” a assentar-lhe duas ou três bofetadas daquelas mesmo bem assentes. Logo se via se sangrava ou não. E já agora se se lhe partia o nariz. Caso sim, ficava o caso provado e não se falava mais nisso. Caso não, pelo menos não se perdia tudo. Digo eu.

Por fim: não foi o partido socialista que promoveu (a meu ver, bem) um juízo de intenções sobre a conduta empresarial do primeiro-ministro? Ou seja, quis fazer valer (a meu ver, bem) a ideia de que valores éticos devem relevar no plano político. Dá-me igual que tenha ganho as eleições, o voto popular não serve para ilibar responsabilidades éticas. A mácula permanece. O incómodo permanece.

Especulemos, pois então. Se a esposa de Luís Montenegro aparecesse em público de lábio fendido e o marido, incapaz de mentir, se remetesse ao silêncio, recusando contribuir para uma explicação cabal do caso, o Sr. Jorge Costa argumentaria que o primeiro-ministro tinha condições políticas para se manter no cargo?

Não, pois não? Então porque não aplicarmos o mesmo critério ao autarca socialista de Vizela?

A mácula permanece. O incómodo permanece. Vitor Hugo Salgado pode concorrer como independente e pode muito bem ganhar as eleições, isso nem sequer me surpreenderia. O povo português tem dado bastas provas de relevar comportamentos deste calibre. Mas é bom que o Partido Socialista não se deixe arrastar para a lama, e em nome de quê?

De uma eleição autárquica, a sério? Bom, não fico impressionado.

Isto então é assim. Se o “Vitor Hugo”‘ quer esclarecer-nos, como não quis até agora, até porque uma contrição publica faz maravilhas por uma carreira política, tem a minha atenção e a minha empatia. Há sempre uma boa explicação para uma má pergunta.

Agora, se o que tem para nos dar é o silêncio lorpa que já vem de trás, por mim pode bem ir-se encher de moscas. Não faz falta nenhuma ao PS e menos ainda à República. Nem a Vizela, penso eu de que.

 

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