Nos últimos dias, Portugal voltou a confrontar-se com uma imagem que, mais do que uma peça de campanha política, é um espelho desconfortável do tempo em que vivemos. Um cartaz, exibido em via pública, proclama que “isto não é o Bangladesh”.
À primeira vista, poderia parecer apenas mais uma provocação política. Mas as palavras importam e, neste caso, ferem. A frase, breve e calculada, não descreve apenas um país. Reacende um velho eco: o do preconceito travestido de discurso político.
Há expressões que não são inocentes.Quando alguém usa o nome de um país — sobretudo de uma nação do Sul global, como Bangladesh, como metáfora do que “não queremos ser”, o que está realmente a dizer é que existem povos inferiores, lugares indesejáveis e pessoas que valem menos.
Isso não é patriotismo; é desumanização mascarada de defesa nacional.
É transformar a diferença em ameaça, a diversidade em perigo e o medo em bandeira. Mas Portugal não pode aceitar isso. Não pode porque a sua Constituição o proíbe e porque a sua consciência coletiva o repudia. Não pode porque já fomos emigrantes, porque sabemos o que é ser estrangeiro, invisível e, ainda assim, digno. E não pode porque cada rosto que chega e escolhe Portugal como casa traz consigo um futuro possível.
Portugal conhece bem o outro lado da história. Durante séculos, muitos bateram à porta de outras terras em busca de trabalho, segurança e esperança. Foram pedreiros em França, operários na Alemanha, enfermeiros em Inglaterra, emigrantes nas Américas e aventureiros em África.
O perigo maior não está nos imigrantes.
Está na indiferença.
No silêncio de quem vê a intolerância ocupar o espaço público e prefere olhar para o lado. Está no riso cúmplice diante de uma piada “inofensiva”, no aplauso fácil a quem faz do ódio uma estratégia de marketing.
Ao dar palco a determinados discursos, moldamos o país que queremos ser. E a verdade é simples: um Portugal justo e humano não se ergue sobre a exclusão de ninguém. Porque, no fim, o que verdadeiramente abala um país não é a presença do outro — é a ausência de empatia.
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