A 26 de abril deste ano, a Casa da Memória Viva promoveu a conferência «Famalicão Cidade Aberta», cujo primeiro painel se centrou no tema Pessoas. “Nascer e viver em Famalicão hoje. Cinquenta anos depois de a sociedade civil famalicense ter saído à rua para expressar o que ‘não!’ aceitava, será possível mobilizar os cidadãos a favor de objetivos ainda por alcançar e de novos propósitos?” — foi a pergunta lançada aos intervenientes Carlos Maurício Barbosa, Telmo Pinheiro e Paulo Marques.
O pluricampeão de enduro e de todo-o-terreno em motos, com a naturalidade de quem fala do que viveu à custa de muito suor, evocou o seu vasto palmarés e, inevitavelmente, as façanhas conquistadas no Dakar. Mas Paulo Marques não foi apenas motociclismo: praticou também outras modalidades, entre as quais o andebol. E, ao ouvi-lo, ocorreu-me de imediato uma pergunta: seria hoje possível repetir os êxitos então alcançados? Talvez sim — embora, suspeito, com menor probabilidade e certamente com menor regularidade.
A verdade é que grande parte das glórias do desporto famalicense nasce de uma conjugação improvável de circunstâncias felizes: uma geração talentosa que surge no momento certo; uma equipa que se completa quase por milagre; um ambiente que acolhe o esforço e o transforma em oportunidade. É essa coincidência rara que, quando acontece, faz história. E assim tem sido em várias modalidades.
A propósito dos 70 anos decorridos sobre a conquista do título nacional júnior de hóquei em patins — (António Terroso, Fernando Andrade, Carlos Carneiro, José Manuel Rocha Macedo, Fernando Vale, Alberto Simões, Abel Pinto e Albino Marques) — no longínquo ano de 1955, revisitei de memória alguns factos marcantes do panorama desportivo concelhio. Vejamos:
No andebol, pese embora as épocas em que, sob a batuta do professor Adelino Silva, a competição perdurou durante vários anos — impulsionada também pelas equipas escolares, cujos dérbis Liceu–Escola ainda hoje despertam memórias vivas — recordo Adelino Granja, um lateral de exceção, e o ponta Rui Almeida, do ABC, finalista da Taça dos Campeões Europeus e internacional pela equipa das quinas. Destaque para a existência da modalidade em diversos escalões, na Associação Cultural de Vermoim e na A2D -Associação Académica Didáxis, esta só em séniores e ambas no setor feminino.
Na natação, o Grupo Desportivo de Natação (GDN), nos seus quase quarenta anos de existência, conta com mais de duas centenas de títulos nacionais. Vaz, Nisa e agora Mafalda, Rodrigo, Francisco e Tiago são nomes que fazem história. A participação de João Araújo nos Jogos Olímpicos de Atenas foi o ponto alto de um clube e de uma modalidade que continua a dar campeões nacionais e a ensinar muita gente a nadar.
No voleibol, as equipas femininas do Famalicense Atlético Clube (FAC) conquistaram títulos na divisão secundária, primeiro nos anos setenta e depois no início deste século. Já o Atlético Voleibol Clube (AVC) revelou-se uma verdadeira escola de talentos desde 1997, acumulando conquistas nos escalões jovens e vivendo, em 2016, a sua época de ouro: Campeonato, Taça de Portugal e Supertaça — um triplete que permanece como marco histórico.
No badminton, vários títulos foram alcançados, desde a formação até ao título de veteranos em pares mistos, pela dupla Albertino e Anabela Araújo. As irmãs Gonçalves têm brilhado no panorama nacional e representado a seleção.
No bilhar, modalidade outrora praticada por inúmeros famalicenses nos cafés que possuíam mesas para bilhar às três tabelas (Garantia, Pica-Pau e Barão), continuaram alguns indefetíveis, como os saudosos irmãos Veloso e Jorge Tavares Bastos e, mais tarde, a geração seguinte dos Veloso, Adelino Paredes, Rui Gomes, Artur e Manuel Figueiredo, entre outros. O FAC quis dotar o clube de instalações condignas, e as equipas famalicenses continuam a dar cartas no panorama nacional.
No futsal, destaque para a equipa feminina do F.C.Vermoim, já campeã nacional e para o F.C.Famalicão, que após a incorporação do ACDSC Cabeçudense, acabou por subir à 1ª divisão.
O xadrez viveu momentos fulgurantes nas décadas de 70 e 80, sob o entusiasmo e impulso de Camilo Veloso e Pedro Palhares. A continuidade foi assegurada pela A2D, sob a orientação de Mário Oliveira, que tem dado vários mestres ao panorama nacional.

No hóquei em patins, a oscilação entre divisões — uma verdadeira montanha-russa, ainda que menos acentuada — tem sido uma constante tanto na cidade como em Riba d’Ave. Quem recorda a equipa do FAC, constituída maioritariamente por jogadores oriundos do concelho, que empatou com o Sporting, campeão europeu e que então militava na I Divisão? E que dizer do Riba d’Ave Hóquei Clube (RAHC), um dos viveiros do hóquei nacional, cuja formação tem gerado craques (Diogo Abreu, os irmãos Miguel e Pedro Rocha, os jovens Tómané, Benjamin (Benja) e Tiago, que com 11 anos foram vice-campeões nacionais de sub-13, pela A.D. Oliveirense). Não esqueçamos o internacional Gonçalo Alves, capitão do F.C. Porto, oriundo das escolinhas do FAC.
No rugby, é o Clube de Rugby de Famalicão (CRF) que dá corpo a este desporto de cavalheiros. Impulsionado por Francisco Carvalho, nasceu em 1989 e disputa atualmente o campeonato da II Divisão. Resolvido o problema das instalações, o clube conseguiu levar a modalidade às formações jovens e ao feminino.
E, não menos importante, no que respeita à inclusão, destaca-se a aposta no boccia, que tem dado visibilidade a inúmeros atletas e, sobretudo, permite que haja desporto para todos. A recente conquista da primeira Taça da Liga de Equipas de Boccia Sénior da PCAND – Paralisia Cerebral Associação Nacional de Desporto é o espelho do trabalho positivo realizado. Luís Silva e a sua associação de boccia são o rosto mais destacado deste trabalho meritório e promissor.
O Governo apresentou há dias o primeiro plano estratégico de longo prazo para o Desporto em Portugal — o Plano Nacional de Desenvolvimento Desportivo (PNDD) — assente numa estratégia de doze anos, visando dinamizar e modernizar o sistema desportivo nacional. Como referido na apresentação: “O Plano Nacional de Desenvolvimento Desportivo define uma visão clara para o Desporto em Portugal até 2036. Sustentada em cinco fundamentos estratégicos, esta visão reflete o papel central que o desporto assume no futuro do país, contribuindo para a promoção da saúde e do bem-estar, o reforço da coesão social e da igualdade de oportunidades, o desenvolvimento de políticas públicas fundamentadas em dados objetivos e a afirmação de Portugal como referência internacional pela qualidade, talento e excelência competitiva.”
O plano estrutura-se em seis pilares estratégicos, que incluem 44 medidas concretas. Define políticas públicas que abrangem o reforço da atividade física nas escolas, a promoção da participação feminina, a inclusão de pessoas com deficiência, a modernização de equipamentos, a valorização do talento e do alto rendimento e a sustentabilidade do financiamento.
(Tendo presente os investimentos no Centro de Atletismo de Famalicão, na piscina olímpica e nos 12 anos de apoio e promoção do Torneio Internacional de Xadrez, persistem interrogações.)
E em Famalicão?
Que plano temos? Que objetivos pretendemos alcançar? Em que modalidades procuramos ter visibilidade? Em que apostaremos?
Pretendemos dar estabilidade aos clubes e proporcionar bases sustentáveis para projetos de longo prazo? Ou continuaremos a trabalhar época a época?
Queremos desporto massificado ou ambicionamos também ter equipas a disputar os principais campeonatos de diversas modalidades?
E por que não competições europeias, fruto do trabalho desenvolvido e dos resultados alcançados? O RAHC e o AVC já lá estiveram!
Não deveria existir uma rubrica, com critérios antecipadamente definidos, para apoio a deslocações de equipas/atletas que obtivessem resultados excecionais e os guindassem a outros patamares? (recordo o suplício que os dirigentes da altura passaram para que em 2016, a atleta Adriana Gonçalves, do FAC, conseguisse verbas para participar no Campeonato do Mundo de Juniores).
Manteremos e reforçaremos os torneios — internacionais ou não — promovidos pelos clubes e que podem servir de cartão-de-visita do concelho? Alocar verbas do turismo a estes eventos, não teria alguma razoabilidade?
O Torneio Internacional do Riba d’Ave Hóquei Clube não trará movimento a uma vila hoje quase desertificada? Não deveria estar no calendário dos ribadavenses, como estão as Festas de S. Pedro?
E o reforço do Torneio das Antoninas, para a formação, organizado pelo FAC?
E os torneios de voleibol do AVC?
Será feito o investimento necessário para termos infraestruturas dignas de grandes competições? Excetuando o Municipal, onde podem ser colocadas, não temos um pavilhão com bancadas em volta do recinto. Para quando o multiusos?
Os apoios não deveriam estimular desafios maiores, investimento em técnicos e objetivos alcançados? (Os critérios definidos há 24 anos caíram rapidamente no esquecimento.)
Com mais de duas centenas de clubes e associações, torna-se difícil gerir apoios e subsídios, mas estabelecer diálogo entre intervenientes, de forma a definir competências, parcerias e objetivos, poderia ser uma boa iniciativa. Lembram-se de quando o F.C. Famalicão, o G.D. Ribeirão e o G.D. Joane quase se cruzavam no segundo escalão do futebol? Muitos galos para um poleiro, não dava para todos. Reflitam sobre o resultado!
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