- O Casal Ventoso é, porventura, o bairro clandestino mais lembrado de Lisboa. Como se não bastassem as barracas, toda a envolvente — nomeadamente o consumo e tráfico de todo o tipo de drogas, as inúmeras seringas espalhadas pelo chão e o aspeto degradante e chocante que se podia observar em qualquer reportagem aí realizada — transformava-o, afinal, no supermercado da droga da capital. João Soares, então presidente da Câmara de Lisboa, pôs cobro à situação de uma comunidade com mais de um milhar de pessoas, representando cerca de 250 famílias.
Agora, no vizinho concelho de Loures, coincidência ou não, em ano de eleições autárquicas, o presidente socialista Ricardo Leão decidiu pôr fim ao bairro do Talude Militar, tendo demolido mais de meia centena de habitações — o que implicou que cerca de 160 pessoas, incluindo crianças e idosos, ficassem à mercê das boas graças de São Pedro.
Nos anos 60, éramos um país de barracas: degradado, terceiro-mundista. No primeiro quarto do século XXI, continuamos a ter comunidades a viver em condições imundas, degradantes e desumanas. Situações que perturbam o comum dos mortais.
É difícil alhearmo-nos destas realidades. Nem há um mês, houve famílias que abriram, nesse mesmo bairro, as portas das suas casas à comunicação social, permitindo-nos ver o esforço que fazem, há anos, para manter condições minimamente dignas para viver e sustentar as suas famílias.
O edil de Loures tentou resolver o problema recorrendo à utilização de maquinaria pesada para derrubar os edifícios.
Demolir é fácil.
Quando a legalidade ignora a dignidade humana, o problema não desaparece, apenas muda de lugar.
E aqui se cruzam dois princípios conflituantes: o princípio da legalidade e o princípio da dignidade humana. Bom seria que pudessem ser compagináveis.
Se, por um lado, as barracas devem ser demolidas por serem ilegais — mas também por colocarem em causa a saúde pública, a salubridade, a segurança e o risco iminente de incêndio, nomeadamente devido às caóticas e clandestinas “puxadas” elétricas —, nada impede que se possa encarar a situação de outra forma.
Deveria ter sido executada com sensibilidade social e com alternativas que garantissem um teto aos visados.
Em síntese, conviria que casos semelhantes fossem prevenidos logo na sua génese.
Por que ninguém toma medidas equivalentes para punir quem permite o arrendamento de garagens, barracões e armazéns a famílias, cobrando valores exorbitantes? Acresce ainda o facto — embora menos relevante face à perspetiva humana, mas significativo do ponto de vista fiscal — de tais arrendamentos implicarem fuga ao fisco.
Torna-se cada vez mais clara a necessidade de uma política de habitação eficaz. Não obstante existirem inúmeras famílias que labutam, se esforçam, lutam e também sofrem — ainda que longe das câmaras de televisão —, não podem, nem devem, ser votadas à desigualdade.
Posto isto, é essencial afirmar que o princípio da dignidade humana deve prevalecer sobre o da legalidade. E, sem que o primeiro esteja devidamente salvaguardado, as demolições não deveriam sequer ter começado.
Depois da adoção do “deixem-nos trabalhar” cavaquista, talvez esteja na hora de um novo PER — Plano de Erradicação de Barracas — desta vez, montenegrista!
2. Um outro processo, menos noticiado, mas igualmente estranho, envolve a Diocese do Porto. Moradores de um bairro pertencente à mesma tentaram adquirir as casas onde habitam. O pedido foi rejeitado, com a justificação de que tal não era viável, por estas terem sido anteriormente doadas à instituição.
Contudo, os imóveis foram objeto de uma permuta com uma empresa, a qual já notificou os moradores para procederem ao despejo. O Bairro das Eirinhas, bem como outros edifícios no centro histórico da Invicta, são algumas das propriedades que a Igreja terá permutado por habitações a construir na zona da Boavista. A justificação invocada assenta numa estratégia de “racionalização patrimonial”.
Bem prega Frei Tomás…
Contudo, os imóveis foram objeto de uma permuta com uma empresa, a qual já notificou os moradores para procederem ao despejo. O Bairro das Eirinhas, bem como outros edifícios no centro histórico da Invicta, são algumas das propriedades que a Igreja terá permutado por habitações a construir na zona da Boavista. A justificação invocada assenta numa estratégia de “racionalização patrimonial”.
Bem prega Frei Tomás…
- No dia de ontem, partiu Nuno Portas. Um arquiteto que pensava cidades. Docente de Teoria e História do Urbanismo Contemporâneo e responsável pela fundação e direção do Mestrado em Planeamento e Projeto do Ambiente Urbano da Universidade do Porto. Interessante e brilhante a sua concessão para o Bairro de Chelas. O conceito de “injeção de misturas” que se refere à intencional introdução de diversidade funcional e social nos espaços urbanos. Trata-se de planear e projetar bairros e cidades de forma a misturar usos (residencial, comercial, serviços, lazer) e grupos sociais diferentes, evitando zonas monofuncionais ou segregadas.
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