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Vila Nova de Famalicão
Sexta-feira, 18 Julho 2025
Paulo Barros
Paulo Barros
Economista famalicense

O Passiquistão

Surpresa, surpresa: Mário Passos é recandidato à câmara municipal. Divertido foi ver – tão-logo se espalhou a notícia – a quantidade de dirigentes associativos que se preparou para meter uns dias. De pouco valeu: deram com eles como coelhos na toca. Ah, pois é, com a coligação não há cá improvisos: “I’m gonna make him an offer he can’t refuse.” Pois não: à cautela, muitos foram à apresentação da recandidatura. E como era, se depois Mário Passos ganha mesmo as eleições? Improvável, será? Nunca se sabe, nunca se sabe. De todo o modo, sempre dizem que o Eduardo tem mais bom feito. Olha: é lidar com uma coisa de cada vez.

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Paulo Barros
Paulo Barros
Economista famalicense

Famalicão

O Passiquistão é um pedaço de país onde acontecem coisas singelas. Esta é só uma: funcionários municipais, no horário de expediente, pago com o dinheiro de nós todos, fazendo uso de meios públicos (telefones, telemóveis, dados) pagos com o dinheiro de nós todos, ao invés de trabalhar… (que é para isso que lhes pagamos) …

Desatam a enviar convites à rede de contactos institucionais do município para comparecerem à cerimónia de lançamento de recandidatura do grande chefe. Deles: o chefe é deles, não nosso. Ainda.

Troquemos por miúdos: quando falamos da rede de contactos institucionais do município, estamos a falar dos dirigentes das associações de pais, de colectividades desportivas e culturais, e das IPSS’s que pontificam pelo concelho. Malgrado a “ajuda” que a câmara dá. Gente que palmilha a terra e sua as estopinhas em prol do bem comum, e tem de levar com esta caterva de medíocres: fazem mais é estorvar e ainda cobram por isso.

Porque a “ajuda”, está bem de ver, vem com um preço.

Sucedeu até uma senhora, que se devia dar a mais respeito porque também é paga por todos nós, disseminar a fotografia de campanha do grande chefe no grupo oficial de whatsapp das Academias Seniores, pedindo aos coordenadores do projecto nas freguesias para partilharem o convite. Com quem? Com a família, com os amigos no café? Ou estamos a falar de instrumentalizar os nossos idosos para se arregimentarem em torno do grande chefe?

Vejam bem, isto está documentado. É crime e devia dar lugar a despedimento, e, se não fosse por mais nada, por triste e indecente figura. Claro que não vai acontecer: e se os deixamos continuar, ainda lhe dão uma medalha nos 50 anos do município.

Porque o Passiquistão é também um estado de alma. Este à-vontade? A liberalidade com que se trata a coisa pública, como se fosse tudo “deles”. E deve ser. Instrumentalizar velhinhos é o que está a dar, senão veja-se o passeio anual da União de Freguesias de Famalicão e Calendário: quem marcou presença em representação do município foi o vice-presidente da câmara municipal. I-né-di-to!

Mas tudo se explica. Por esta altura já devem conhecê-lo, tão catita ele está nos cartazes que já proliferam pela cidade ao lado do grande chefe. Pois é, o vice-presidente da câmara é o candidato pela coligação à junta de freguesia de Famalicão e Calendário. Olha a sorte: visto assim de fora, parece uma despromoção de quem não soubesse mais o que fazer à vida, mas isso é só visto de fora. De dentro, parece que parece outra coisa. Disseram-me.

Mas afinal a que é que os nossos dirigentes de associações foram convidados a associar-se? O que é que a sua excelsa presença na sessão de recandidatura cauciona, com o seu prestígio, o seu exemplo, a sua gravitas? Simples, simples: um projecto de promoção pessoal como nunca antes visto em Famalicão, capitalizado com recursos públicos e potenciado por uma rede clientelar de interesses e favores trocados à vista desarmada.

É o Passiquistão a chegar; ninguém pode dizer que não foi avisado. Quem lá foi dar o corpo ao manifesto, é bom que saiba que o “seu” candidato enfia com cartazes políticos pelo meio de passeios; depois a oposição reclama e os serviços lá vão corrigir o passo mal dado. O mesmo para os canteiros cimentados das árvores na Avenida de França. Já estão descimentados, obrigado.

E mandou limpar a rotunda na entrada norte da cidade, aquela em que o PS – num raro caso de irreverência – se propôs lá colocar uma cabra para dar conta do matagal. Mas se o fez foi tarde e à má fila para que um cartaz da coligação pudesse ser visto pelos automobilistas.

Ou seja, um clima de impunidade reina sobre a incompetência pegada, e depois que abateram a “acácia do Jorge” e ninguém se deu por achado, queriam o quê?

É que já manda tiques de títere, e se o faz é só porque o deixam. Mandou a esposa a representar o município na procissão de St. Catarina; se alguém souber dizer em que qualidade a senhora se apresentou ali, a encabeçar o corpo da procissão? Claro que o partido engole mal estes caprichos, mas isso é o problema do partido. E fosse só isso.

Saibam que foi a Outiz inaugurar um campo de jogo da malha e a costumeira plaquinha com o seu nome e o da presidente de junta lá está de prova, a eternizar a falta de sentido do ridículo.

Saibam que armou um evento para comemorar os 40 anos de cidade (há o quê para comemorar?) com bolo e tudo e teve o fraco instinto de não convidar os vereadores da oposição. De boca cheia com o bolo pago por todos nós fica mais evidente a tibieza do raciocínio, que é o de ainda haver quem ache, nos alvores do século XXI, que quem quer que pense de forma diferente deve ficar de fora da fotografia. Não está mal para quem gosta de se arvorar a presidente de todos os famalicenses.

A propósito disso. Já por aqui nas caixas de comentários do “Notícias de Famalicão” esvoaçam amiúde uns comentaristas encomendados – tão estimáveis quanto incógnitos, excepção feita ao Taralhoco, honra lhe seja feita – e o mote é sempre o mesmo: quem quer que critique o status quo está contra a cidade e o concelho. Dizer que confundem a beira da estrada com a estrada da beira é pouco. Pois eu quero aqui dizer que o que está contra a cidade e o concelho é a proliferação de mentes anquilosadas. É um escândalo! E a polícia municipal finge que não vê…

Aos que se prestaram a emprestar o seu nome à credibilidade deste presidente recandidato, é bom que saibam que é em seu nome que a feira de Artesanato e Gastronomia já vai em quase meio milhão de euros de orçamento. Subiu para o dobro em quatro anos de mandato. Para no final, bem vistas as coisas, concluir-se que de artesanato tem pouco e a oferta gastronómica, de tão patética, quase se resume só a casas de grelhados e de comidas rápidas. Agora imagine-se que era a sério, onde é que não ia parar o orçamento?

E o Fim de Semana Gastronómico no Mercado Municipal, que custa a módica quantia de 40.000 euros? Quantos “apoios” se podiam dar com essa verba às colectividades do concelho? Eu não sei, mas aposto que sei quem saiba: os candidatos “independentes” às juntas de Gavião e de Joane. Sim, sim: como aparecem em cartazes com o grande chefe ao lado, eles de certeza que sabem.

Também ninguém diz que existam carências nessas freguesias, já por isso apoiam o grande chefe. E, menos mal, os 40.000 euros do Fim de Semana Gastronómico sempre são menos do que os 100.000 euros que a câmara vai investir na remodelação do parque infantil da praça D. Maria II. Que foi inaugurado há dois anos. Dois anos, disse? Pois é isso, dois anos. Talvez seja mais apropriado dizer reinvestir.

Mas pronto, ponhamos as coisas em perspectiva. Em Portugal, o verdadeiro desporto de eleição, aquele que a todos contagia, sem excepção de credos e convicções – não, não é o futebol: chama-se nacional-porreirismo. É um fenómeno sociológico profusamente estudado que se traduz na reiterada capacidade que o povo português tem para levar com medíocres na sua vida, e ainda assim obstinar-se em promovê-los a arautos da causa própria.

Como o santo que pregava aos peixinhos – soa familiar? Chamou-os da parte de Deus para lhes dizer que Lhe deviam estar muito agradecidos por terem sido criados peixes, e outras coisas como terem barbatanas e saberem nadar. Eles estavam. Muito. Nós também devíamos ser agradecidos pelas graças que nos dão. Sabendo nadar ou não.

Ora bem. Sendo um conceito sociológico complexo e derivativo, o nacional-porreirismo encerra variantes várias, dentre as quais a mais importante delas todas é o nacional-carreirismo. Vejamos: ainda há umas poucas de semanas foi aventada a possibilidade de existirem dirigentes concelhios do PSD que não trabalhem na câmara.

Debalde, parece que estão todos lá. Achei o tema sumamente pertinente, na medida em que quem sai a perder é a economia. Mais a mais o PSD, que tanto perora sobre a meritocracia e o primado da vontade individual para forjar o destino das nações. É que, desta forma – involuntariamente, eu sei – a câmara municipal, tratando de captar para si os melhores dos melhores, fatalmente espolia as empresas concelhias (e não apenas) do capital humano de excelência. Sem o qual, lá está, não conseguem ascender nas cadeias de valor internacional.

[eu cá, a propósito disto, deixo aqui e agora o apelo ao PSD, logo o PSD para quem as empresas são o alfa e o ómega da narrativa da prosperidade: libertem os quadros camarários que são filiados no partido! Deixem-nos transportar para as empresas a sua experiência, o seu conhecimento, a sua competência! Portugal saberá agradecer]

Mas voltando ao tema. É que não nos ficamos por aqui com as variantes ao nacional-porreirismo. O maravilhoso mundo autárquico traz à superfície o húmus com que se labora o porfiar de um povo. Famalicão, por exemplo: as eleições autárquicas estão aí à porta e então um novo conceito derivativo entra em cena: o nacional-carneirismo.

Porque reparem: apoiar Mário Passos é uma espécie de triângulo maçónico de virtudes em que a cada ângulo correspondem os três princípios da maçonaria perfeitamente irmanados com os conceitos sociológicos atrás descritos. Fé (porreirismo), esperança (carreirismo) e caridade (carneirismo). O equilíbrio é perfeito, mas eu digo: Homens de pouca fé! Não vos bastava apoiar medíocres? Não vos bastava zelarem pelo emprego? Tinham ainda de tirar uma tarde de sábado e vir para a vila fazer méee, méee?

Calma, o que importa mesmo é todos termos muita calma nesta hora. Antes que me queiram dar com o badalo, prescrevo cuidado: li algures que a indignação selectiva pode obstruir a aorta.

E ainda a campanha está só a começar.

 

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Paulo Barros
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