O Natal começa sempre de mansinho, como uma promessa antiga que regressa antes do calendário.
Começa nos brilhos discretos que surgem nas ruas, na luz cor-de-rosa que desliza pelas fachadas e nos devolve, por um instante, a doçura da infância.
Há algo nesse brilho que não se explica — sente-se.
Uma ternura silenciosa, um perfume a memória, uma saudade íntima que raramente confessamos.
Mas a beleza, às vezes, ilude.
Por detrás das luzes chega a pressa.
Por detrás da música chega a exigência.
Por detrás da cidade iluminada chega o peso invisível que se instala no peito — esse cansaço que tentamos esconder de todos, até de nós.
E é então, no meio do esplendor artificial, que o coração murmura baixinho:
“O que é que eu estou realmente a celebrar?”
É uma pergunta suave, mas firme.
Não acusa, não fere — apenas desperta.
Entramos em lojas como quem procura consolo.
Compramos presentes para preencher vazios que não admitimos.
Corremos como quem foge de si próprio.
E chamamos a isto “espírito natalício”.
Mas o espírito, o verdadeiro, não faz ruído.
Não se impõe.
Acontece.
Chega devagar, como a luz que antecede a madrugada.
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