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Vila Nova de Famalicão
Sábado, 23 Agosto 2025
António Cândido de Oliveira
António Cândido de Oliveira
Professor catedrático jubilado da Faculdade de Direito da Universidade do Minho.

A imprensa regional que faz falta (e não temos)

As câmaras municipais estão cada vez mais apetrechadas e preocupadas em tomar conta do espaço dos jornais, colocando neles as “notícias” que lhes interessam.

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António Cândido de Oliveira
António Cândido de Oliveira
Professor catedrático jubilado da Faculdade de Direito da Universidade do Minho.

Famalicão

O artigo que segue é uma opinião, porventura polémica e, como opinião que é, está sujeito à crítica, o que se aceita desde já.

Louva-se muito a importância de imprensa regional e com razão, mas faz falta a crítica à imprensa regional. Desde logo, importa ter presente que a maior parte da denominada imprensa regional não o é. A grande maioria da imprensa “regional” do nosso país é meramente municipal.

Não há mal em haver imprensa municipal, principalmente nos grandes e médios concelhos. O mal está noutro lado. Muita desta imprensa municipal e muita da imprensa regional não tem jornalistas de investigação ou, pelo menos, jornalistas que tenham tempo para aprofundar as notícias que surgem e os factos que não são notícia, por estarem escondidos.

À partida, seria a imprensa verdadeiramente regional que estaria em melhores condições para ter jornalistas dedicados a esse trabalho, mas muitas vezes não tem ou não tem em número suficiente para fazer o trabalho que lhes compete.

Nestas condições, de termos uma imprensa regional/local sem jornalistas (ou sem tempo para fazer jornalismo fora das tarefas exigentes da preparação de cada edição) o que sucede é triste. Abrimos, de um modo geral, esses jornais e o que neles vamos encontrar é mera informação/propaganda da ou das câmaras municipais (e as câmaras municipais estão cada vez mais apetrechadas e preocupadas em tomar conta do espaço dos jornais, colocando neles as “notícias” que lhes interessam) e encontramos também, frequentemente (mas nem em todos), comunicados ou posições da oposição/oposições, que valem o que valem, porque estas também só transmitem o que lhes interessa e muitas vezes estão longe de ser fiáveis.

Com jornais assim não vamos longe e quem perde são os leitores e eleitores em tempo de eleições. Para não se dizer que estamos apenas a escrever generalidades, vamos descer ao concreto e dar exemplos de um município.

Esse município é Famalicão e espelha bem o que dissemos. Existem, na sede do concelho, três semanários e um mensário impressos e um jornal apenas digital. Todos têm uma característica comum: não têm jornalistas com tempo disponível para vir para a rua e dar aos leitores uma informação aprofundada do que acontece de relevante no concelho.

Damos alguns de muitos exemplos. Aprovou-se durante o mandato que agora termina a instalação numa parte do concelho Outiz/Calendário/Vilarinho das Cambas de uma central fotovoltaica de produção de energia eléctrica, cobrindo uma área de 80 hectares e acolhendo mais de 100.000 painéis solares no meio do maior segredo. Foi apenas quando se começaram a derrubar árvores (sobreiros inclusive) na concretização da instalação que este assunto foi trazido para os jornais e debatido. Já era tarde. Um jornalismo atento não teria permitido este segredo e daria informação que ainda não temos.

Outro exemplo. A Câmara aprovou e deu até grande relevo no seu boletim de propaganda (o denominado “boletim municipal”) e até num bom vídeo na net a um projecto ambiental do maior interesse que ficou conhecido como a “Paisagem Protegida das Pateiras do Ave” na extensa freguesia de Fradelos. Ao que parece, interesses económicos bem fortes opuseram-se e tiveram êxito. O projecto foi abandonado durante o presente mandato e  depois de várias peripécias acaba por se instalar naquele local um estranho Pavilhão Multiusos cuja história detalhada está por fazer. Os jornais locais, em geral, não trataram devidamente este assunto.

Outros exemplos poderiam ser dados, tais como o “Ecoparque de Cabeçudos”, a recentíssima ampliação de uma indústria de produtos químicos perigosos em Landim, a aprovação da instalação no centro da cidade de estabelecimentos do Lidl e do Continente, mas o espaço desta habitual coluna não me permite escrever um pouco mais sobre eles. Também tinha o maior interesse que a imprensa local nos desse informação neste tempo eleitoral da grave crise que assola o PSD e também, em boa parte, o PS em Famalicão. Mas como é isso possível se não há jornalistas com tempo disponível?

Devemos concluir que a imprensa local/regional não faz falta? Não! Faz falta, mesmo assim, até porque dá, desde logo, informação provinda de associações e instituições locais e outra, mas não nos devemos contentar com o seu estado actual. Importa que tenha meios para bem exercer o seu papel. Tema para outro artigo e para questionar o sempre falado apoio do Estado à imprensa regional que tão preciso é.

Aditamento:

O artigo supra foi publicado no Diário do Minho de 21 de Agosto de 2025 e a presente publicação constitui uma pequena revisão desse texto com os aditamentos que seguem.

Devo dizer antes de mais que a Directora do Notícias de Famalicão (NF) me chamou a atenção, com toda a razão e larga documentação, para os cuidados informativos que teve o jornal que dirige sobre assuntos como a central fotovoltaica, as pateiras do Ave, o Eco-parque de Cabeçudos e outros.

Reconheço que o NF tem procurado fazer aquilo que se pode chamar “informação activa” em vez da cómoda e muito mais habitual “informação passiva”, ou seja, transmissão da informação que se recebe, principalmente das entidades oficiais.

De qualquer modo, o NF reconhecerá que também padece da falta de meios que são necessários para dar a informação que os famalicenses precisam e têm direito.

Essa informação que frequentemente é aquela que os poderes de turno não querem que se saiba não é fácil de obter. Implica trabalho e muitas vezes perigo até. Já não falamos sequer do perigo de instaurar processos no Tribunal (Ministério Público) e este jornal tem “medalhas” dessas, mas o perigo de ameaças mesmo físicas. Quem conhece os meandros do poder sabe bem disso.

Mas voltemos ao trabalho. Ser jornalista implica gastar muitas horas para procurar informação fidedigna, deitando fora meros boatos, conquistando a confiança de fontes de informação e implica correr o risco de publicar, sabendo que não foi possível obter toda a informação.

Ser jornalista é uma profissão exigente e muito mal paga (e, por vezes, nem paga é…).

Dito isto, interessava escrever sobre a falta de informação eleitoral que está a acontecer no nosso concelho. Deixamos isso para uma oportunidade próxima, porque o leitor já está, certamente, cansado da extensão deste texto.

 

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Os artigos de opinião publicados no NOTÍCIAS DE FAMALICÃO são de exclusiva responsabilidade dos seus autores e não refletem necessariamente a opinião do jornal.

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