Como todas estas benfeitorias se fazem à custa do orçamento municipal, era um bocado à descarada chamar-lhes agora Mariopassinas… de maneira que decidiu ser original e chamou-lhes Antoninas. Outra vez.
O que levanta um problema. Os menos desmemoriados de entre nós lembrar-se-ão de que no ano passado se instalou uma certa polémica por conta do maior orçamento de sempre das Antoninas. Passava dos 700 mil euros. Pois bem: este ano a fasquia aumentou. Para quase, quase um milhão de euros.
Também com quem se foram eles meter. Já deviam saber que o homem não se fica. E quando lá em cima, paira numa dimensão de ufania que é só dele. Ufano é pouco, diria antes jactante – curioso, esta palavra entrou na minha vida há bem pouco tempo e agora não consigo desfazer-me dela.
Pois é, Mário Passos está super, super orgulhoso. Até escreveu uma crónica no “Jornal de Notícias” para nos anunciar que as Antoninas são hoje das maiores festas populares do norte do país.
[eu, que não lhe conhecia esta veia cronista, já aqui exorto a senhora directora do “Notícias de Famalicão” a endereçar o convite ao nosso edil, e que bom seria podermos contar com a palavra douta de tão ilustre colega]
Sim, eu sei: o homem tem uma necessidade compulsiva de se comparar. Vide o caso das exportações e tal. Mas devemos perdoar-lhe estes acessos de vaidade, até porque, por uma vez, não estará a ser modesto? Quer dizer, uma das maiores festas do norte do país porquê? De Portugal inteiro! E de Portugal apenas? Da União Europeia! Da Europa toda? Do hemisfério norte! E mais não digo, mas os cariocas que se cuidem: se Mário Passos ganha as eleições de outubro, antevejo tempos difíceis para o maior Carnaval do mundo.
Preciso dizer que também eu estou super orgulhoso de ter um presidente da câmara com este nível olímpico de falta de noção.
Foi da maneira que o nosso edil se fechou em copas para as críticas e acto contínuo pôs em prática o seu ditado favorito: “Siga a marinha!” E ainda lhe deu para o escárnio, senão vejam: aos críticos (poucos, uma meia dúzia se tanto) espetou-lhes com um chafariz no meio de uma rotunda. É uma obra de regime, como outros fizeram a Casa das Artes ou o Parque da Cidade? Ora, batatas! É que não apenas a água repuxa muito alto, e em camadas, como se metamorfoseia num caleidoscópio de cores. Sim, sim: num caleidoscópio de cores!
Felizmente tem muitos admiradores para o compensarem de tanta maledicência. E com efeito, aos admiradores deixou-os extasiados como nunca antes. Um chafariz metido no meio de uma rotunda! Vejam lá que já se fala em excursões organizadas para virem a Famalicão ver a oitava maravilha da criação.
Estão no seu direito: serão dos que pagam pouco e comem muito. Há em Famalicão quem muito pague e se queixe do que lhe dão de comer, mas são poucos, uma meia dúzia se tanto. A maioria vociferadora que gravita na bolha comunicacional da câmara não se poupa em elogios, todos eles sincronizadamente espontâneos. Pudera, vivem num êxtase sincopado e jactante – a tal palavra que não me sai do caco – de façanhas múltiplas, se até da água se fez vinho, ali para os lados do Parque da Cidade! Foi há umas poucas de semanas que o rio Pelhe amanheceu vermelho (outra vez…) e a Câmara prometeu apresentar queixa nas autoridades competentes. Descansemos, a Câmara está atenta.
Preciso dizer que também eu estou super orgulhoso de ter um presidente da câmara com este nível olímpico de falta de noção. Não ter noção é por exemplo isto: congratular-se a si mesmo por reduzir a taxa de IMI de 0,34% para 0,335% e depois gastar quase um milhão de euros em foguetório, em cima disso chamar-lhe investimento e depois fechar a conversa a dizer que é tudo muito razoável.
E não é? Ouçam, se calhar não, não é! Deixemos de pensar em pequeno! Veio a Mariza; se viessem os Pink Floyd, quem é que me diz que não era um grande furo? Já estou a ver Famalicão em todas as televisões do mundo, imaginem o orgulho. E o nosso edil a tirar a fotografia da praxe com a banda, ainda o confundiam! Vinha a torre do Cupertino abaixo com tanta patine.
E continuávamos na esteira do razoável, podem crer. Eu explico, é que há por aí uns teóricos da gestão da coisa pública que nos explicam como se faz agora, ora tomem nota: despesismo é coisa que não existe desde que tudo esteja devidamente cabimentado. Percebem? Não interessa se as festas custam um milhão, dez milhões ou cem milhões: o importante mesmo é que a verba esteja cabimentada. O resto é o que o povo gosta.
De uma coisa sei: se o povo gosta, o Mário Passos adora (digam lá que não dava um belo slogan). Começou logo pelas criancinhas: político que se preze adora criancinhas! Levamos com ele a distribuir afectos na parada infantil, sem pejo algum de revelar as ditas. Já parava de exibir a inocência das criancinhas para seu bel proveito eleitoral, mas parece que não. Os pais que se cuidem: não é por falta de aviso.
Pois nestas últimas semanas fartou-se de nos torrar a paciência em publicações sucessivas na página oficial do facebook da presidência da câmara em que aparecia, à vez, a comer sardinhas, a jogar matraquilhos e a dar o seu pezinho de dança. E a saltar à fogueira – lá está! O pacote completo.
Agora, para quem se admire de como é que o nosso edil consegue conciliar a sua agenda carregadíssima com o cumprimento escrupuloso desse dever superior que é o de informar as massas sobre o que vai fazendo ao minuto, devo esclarecer que os conteúdos são alimentados por uma equipa contratada pela câmara. Nada de amadorismos! Ele é textos, ele é vídeos, ele é fotos! Quanto aos textos, não precisava de ajuda nenhuma, atenta a qualidade da crónica que deu à estampa no “Jornal de Notícias”. Mas as fotografias e vídeos, como é que se fazia então? Não ia dar jeito nenhum andar sempre de máquina fotográfica a tiracolo, certamente. E portanto, lá quanto a isso, ouvi dizer que terão contratado um par de fotógrafos japoneses, o Sr. Pecu e o Sr. Lato. Será verdade?
Agora, do que não restam dúvidas é que para o fim ficou o melhor, e foi isso quando Mário Passos se deixou finalmente tocar pelo povo enquanto transportava o andor – nessa altura estava já em modo papa-hóstias (não confundir com papa-hortas). Mas a oposição está atenta: e se não critica, ao menos imita. Era ver Eduardo Oliveira a andar ao mesmo, com os anjinhos de permeio. Quase parecia o duelo ao sol dos filmes.
Não me interpretem mal, é em grande medida reconfortante sabermos que temos na esfera da representação política local cidadãos tementes a Deus. Mas quero aqui lembrar que Mário Passos, não obstante tudo isso, é um ortodoxo: segue apenas a linha oficial da doutrina da igreja.
Donde se tira que os mandamentos “apócrifos” não lhe caem tão bem. Um deles seria “Não abusarás dos dinheiros públicos como se fossem teus”. Repare-se: tinha começado a semana com esse conseguimento pessoal que é ter a judiciária a inspecionar a câmara por causa da mania dos ajustes directos. Em Famalicão é tudo à grande: numa só semana, parece que o executivo decidiu entregar mais de 500 mil euros em adjudicações sem concurso a uma empresa com capital social de 1.000€. A judiciária estranha. Pena foi não termos sabido disto mais cedo: por 1.000 euros até eu me tinha apresentado a concurso.
Veja-se aquele outro que diz “Não usarás o teu poder para zombar de quem discorda de ti”. É outro que não lhe assiste. Pois sucedeu que, enquanto o edil andava em folias, uma brigada a soldo da câmara decidiu sem pré-avisos arrasar uma fiada de árvores numa rua da freguesia de Cruz. Os moradores indignaram-se, e posto isso o vereador Paulo Folhadela cobrou satisfações na reunião de câmara da semana passada. Foi nessa altura que o grande Mário, com a cabeça cheia de sardinhas e matraquilhos, tratou de desvalorizar o assunto, sentenciando logo ali que quem se queixou “foram os 1% de insatisfeitos do costume”. Mau, não eram meia dúzia?
Logo a seguir a isto, a junta de freguesia de Cruz pôs cá fora um comunicado a informar a galáxia de que tinham sido os próprios moradores a pedir o abate das árvores. Ah, sim, foram? Quais moradores, perguntaram então… os moradores! A junta não disse. Ainda.
Outro mandamento apócrifo é aquele que diz “não exibirás a vulnerabilidade alheia em prol da tua vaidade”. Mas o nosso Mário, com a cabeça ainda cheia de confetes, foi entregar casas de arrendamento acessível a munícipes em condição económica desfavorecida e não resistiu a fazer-se publicar numa foto caritativa que expunha ostensivamente os agraciados à curiosidade pública. Por certo deram o seu acordo a este espectáculo de exibicionismo gratuito: o deles. Nem faltava mais nada que não dessem acordo, já bastava serem pobres, iam agora ser mal-agradecidos?
E portanto. Tantos e tão admiráveis são os cometimentos do nosso autarca providencial que nem admira que tenha aproveitado a ressaca das festas para anunciar a sua recandidatura à câmara. Não apenas ufano, eventualmente jactante – já tinha dito que não me sai a palavra da cabeça? –, onde é que Mário Passos decidiu divulgar em primeira mão a boa nova? Na mesma página oficial da presidência no facebook em que comia sardinhas e jogava matraquilhos. O Sr. Pecu e o Sr. Lato não são burros nenhuns: primeiro alimentaram o algoritmo com uma catadupa de publicações oficiais para dessa forma alavancar a mancha digital da página. Depois de dar de comer ao burro puseram-lhe o arreio.
Não está mal, não senhora. Mas tinha sido melhor se ninguém tivesse topado a manobra.
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