A maternidade pode ser, muitas vezes, um papel duro – a privação de sono, a falta de rede de apoio, o acumular de tarefas profissionais com as tarefas de casa e dos filhos, as mudanças hormonais e corporais, as amizades e a vida em casal que já não são como eram… e no meio disto tudo, é muito fácil a mulher se deixar para último e abdicar do autocuidado (muitas vezes, imposto por uma sensação de falta de tempo).
Já não basta a mulher se sentir mal por estar “menos cuidada”, e ainda sente a pressão de que deveria realmente prestar mais atenção ao seu autocuidado e estar sempre impecável. É que para além da comparação com outras mulheres e dos comentários sem noção de terceiros, as redes sociais enchem-se de frases motivacionais como “tens de estar bem para o teu filho estar bem”, “cuidares de ti é cuidares do teu filho”. E é fácil pensar “que clichê, como é que eu vou cuidar de mim se tenho de cuidar primeiro de tudo o resto?”.
Mas será mesmo um clichê? Será que é possível a mulher cuidar bem dos filhos se não cuidar de si? Vamos pensar em dois cenários:
cenário 1 – a mulher acorda, vai imediatamente preparar o pequeno-almoço e vestir as crianças, assegurar-se de que levam tudo na mochila, veste qualquer coisa à pressa porque já estão atrasados e nem sequer lava a cara nem arranja o cabelo… o dia é corrido, quando chega a casa tem de colocar uma máquina de roupa a lavar e fazer o jantar. Os miúdos chegam e lá está a mãe, com um ar super desanimado porque não se sente bem com ela própria;
cenário 2 – a mulher acorda e dedica 10 minutos a vestir-se, a cuidar da pele do rosto e a pentear-se (seja porque acordou 10 minutos mais cedo, porque deixou tudo pronto no dia anterior, ou porque delegou tarefas aos filhos mais velhos e ao marido), olha ao espelho e fica imediatamente com um sorriso na cara porque se sente bem consigo mesma. Tem igualmente as tarefas do dia pela frente, mas enfrenta com mais leveza porque não sente que o dia já começou mal, consigo em último lugar. É fácil imaginar que quando a mãe faz as coisas animadas e a sentir-se bem consigo própria, vai impactar também na disposição dos filhos e na forma como lida com eles.
O objetivo não é colocar pressão na mulher para estar sempre impecavelmente arranjada! O objetivo é exatamente que a mulher se sinta mulher para além de mãe. Queremos fazer tudo pelos nossos filhos, mas esquecemo-nos que muitas vezes colocamos neles, mais tarde, um peso que não lhes pertence: “desleixei-me porque tinha de cuidar de ti”, “deixei de estudar porque engravidei de ti”, “fiquei sempre em último porque era tudo em primeiro para ti”, “fiz sempre tudo por ti”.
Muitas destas coisas, apesar de serem verdade, foram escolhas que não devem ser cobradas mais tarde. A cobrança pode ter consequências que não são, de todo, fazer algo de bom pelos filhos (trauma intergeracional, já ouviram falar?).
Por último, vale lembrar que nós somos os modelos dos nossos filhos. Queremos passar a mensagem aos nossos filhos de que eles devem valorizar-se, mas estamos a dar o exemplo de que, em prol dos outros, deixamos de nos valorizar a nós mesmas. O nosso autocuidado é também um legado que deixamos aos nossos filhos, para que eles saibam que devem ser os protagonistas das próprias vidas, tal como a mãe também era!
Por isso não, o autocuidado da mãe não é um clichê, é tarefa básica que deve estar no dia a dia de todas as mulheres, tal como estão tarefas como dar banho às crianças e fazer o jantar!
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