Sou um assumido apaixonado pelas caminhadas na natureza, onde encontro o silêncio, a liberdade e a força para tantas vezes, me reerguer dos problemas pessoais e profissionais. Ao ver a destruição provocada pelas chamas, tantas vezes de mão criminosa, e ver reduzidas a cinzas maravilhosas paisagens provoca em mim uma dor que não passa e uma sensação amarga de nada poder fazer.
Caminhos que guardavam histórias, sombras que davam descanso, rios e riachos com margens “pintadas” de belas cores, hoje é um triste e desolador quadro gris. Além da tristeza, sinto uma revolta gigante contra todos os responsáveis por estas catástrofes, mas também com os responsáveis que, ano após ano, falham em proteger aquilo que é de todos nós.
Ardem pinhais, campos, casas que guardavam memórias de uma vida, meios de transporte que tanto ajudavam no dia a dia de pessoas que os necessitam para trabalhar ou mesmo deslocarem-se para terem apoio médico, já que muitos dos hospitais se encontram a centenas de quilómetros.
Ardem os corações de pessoas que vêm a sua terra engolida pelas chamas, impotentes perante este inimigo que todos os verões faz questão de demonstrar a sua maldade como se fosse o dono deste país. A dor aumenta, quando todos sabemos que, muitos dos incendiários nunca chegam a ser punidos – como se o fogo fosse apenas um acaso da natureza e não um crime horrendo contra a vida.
Gente simples e trabalhadora vê desaparecer tudo o que construíram durante uma vida, transformando-os em seres revoltados, que silenciosamente choram e pedem ajuda e só encontram o eco do silêncio. Como se não bastasse, quando o pior acontece, vemos populações inteiras à espera de apoios tardios e “embrulhados” em burocracias que não apagam o fogo nem a dor.
Apesar de reconhecermos que a mão criminosa é uma verdade incontornável, não é menos verdade que a omissão política alimenta as chamas. Ano após ano lemos e ouvimos promessas de prevenção que se desfazem na primeira onda de calor. Para quando um planeamento sério, um forte investimento, uma estratégia devidamente delineada para evitar todo este caos, garantindo que a floresta se mantenha como património vivo e não como uma ameaça inevitável?
No meio de todo este inferno, encontramos heróis, homens e mulheres que se erguem contra o impossível, que enfrentam o calor que queima a pele, o fumo que os sufoca, a fadiga que dobra o corpo, que avançam quando outros recuam, que, além de todo este trabalho físico, ainda encontram forças para uma palavra de ânimo, para um abraço de conforto, para um olhar de confiança: os bombeiros.
O seu trabalho é duro, perigoso e ingrato, com meios escassos, colocando-se em situações de risco entre casas e chamas, entre a vida e a morte, sendo pagos com aplausos quando deveriam ser reconhecidos com melhores condições e políticas de prevenção que os libertassem de estar sempre no papel de última defesa. São ele que carregam, no olhar, uma coragem que não exige reconhecimento, mas que merecem tudo.
Não podemos permitir que Portugal continue a ser consumido por estes ciclos de tragédia e esquecimento. Sem aprendermos a prevenir, a cuidar e a punir severamente os responsáveis, ficaremos condenados a viver eternamente este luto coletivo.
Das cinzas pode nascer força e esperança, mas não podemos esperar que sejam os Bombeiros a carregar o peso dessa esperança. Cabe a todos fazer a sua parte e à classe política estar à altura do pais que diz servir.
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