As eleições legislativas de 2025 deixaram um sinal de alarme para todos os que acreditam na democracia, na justiça social e nos valores de Abril. A direita e a extrema-direita obtiveram um resultado histórico. Não só em votos, mas em legitimidade política e narrativa pública.
Hoje, o discurso dominante é o da desvalorização das conquistas sociais. Dizem que “a esquerda não deu nada ao país”. Mas essa frase, repetida até à exaustão, é uma distorção perigosa e profundamente injusta.
O que muitos chamam de “nada” é, na verdade, tudo o que garante dignidade à vida das pessoas comuns.
Foi a esquerda, com o contributo do Bloco de Esquerda, da CDU, e até do PS quando não cedeu à pressão neoliberal, que construiu o Portugal democrático e social que hoje conhecemos. Falamos de conquistas como:
- O SNS gratuito e universal;
- Os 14 salários por ano;
- A escola pública com manuais escolares gratuitos;
- Os passes sociais a preços reduzidos;
- As creches gratuitas;
- O salário mínimo a crescer anualmente;
- A despenalização da IVG, o casamento igualitário, os direitos LGBTQIA+;
- A defesa dos direitos laborais, a luta contra os falsos recibos verdes, e os apoios sociais a quem mais precisa.
E não podemos esquecer: foi graças à pressão da esquerda, com o Bloco e a CDU na linha da frente, que se reverteram muitas das medidas brutais impostas pela troika e executadas por Passos Coelho e Paulo Portas, cortes em salários, pensões, subsídios de férias e de Natal, e um ataque sem precedentes ao Estado Social.
No entanto, grande parte do descontentamento popular contra a esquerda tem também raízes em erros do Partido Socialista, que muitas vezes optou por não ser alternativa à direita, mas sim complemento. Ao longo dos anos, o PS escolheu governar ao centro, fazendo pactos com o capital, protegendo os interesses privados, e marginalizando as lutas dos trabalhadores.
Mesmo agora, após uma derrota eleitoral clara, o PS fala em “moderar-se”, o que só confirma a sua deriva liberal. Um erro político crasso que empurra ainda mais pessoas para braços perigosos da direita radical.
E é aqui que entra o Chega, cuja ascensão assenta num discurso de ódio e divisão. Ao invés de combater a corrupção, o empobrecimento ou o poder económico, prefere atacar os mais pobres entre os pobres: ciganos, imigrantes, beneficiários do RSI. O Chega constrói um inimigo interno para justificar o fracasso de décadas de políticas neoliberais, e transforma o ressentimento legítimo em xenofobia institucionalizada.
Mais grave ainda é o facto de a AD (liderada pelo PSD) e a Iniciativa Liberal já ecoarem esse discurso, normalizando o racismo, a exclusão social e o ataque aos direitos humanos. A IL propõe alterar a Constituição, uma ideia de que, no passado, só a extrema-direita ousava defender. Agora, é apresentada como uma medida “moderna”, escondendo o verdadeiro objetivo: fragilizar os direitos sociais, laborais e coletivos consagrados em Abril.
Este novo bloco político neoliberal, conservador e cada vez mais autoritário, representa uma ameaça direta ao que resta da nossa democracia social. Se tiverem força suficiente, irão desmantelar o Estado Social, privatizar o SNS, eliminar os apoios sociais, rever a Constituição e colocar o país nas mãos de interesses económicos incontroláveis.
Perante isto, a resposta não pode ser moderação. Não pode ser centrar-se ainda mais, como propõe o PS. A resposta tem de ser mais esquerda, mais democracia, mais justiça social.
É com a esquerda que se conquistaram direitos. É com a esquerda que se construiu o Serviço Nacional de Saúde. É com a esquerda que se garantiram salários, reformas, habitação, educação e dignidade.
Se isto é “nada”, então que nunca nos falte o nada.
Agora, mais do que nunca, é hora de lembrar, resistir e lutar. O futuro da democracia social em Portugal depende disso.
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