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Segunda-feira, 1 Setembro 2025
Paulo Barros
Paulo Barros
Economista famalicense

A lei do menor esforço

No dia 09 de agosto fomos surpreendidos com uma denúncia do PAN-Famalicão, que divulgou nas suas redes sociais um vídeo amador onde se via um funcionário municipal da brigada de limpeza a ostensivamente fazer o contrário daquilo que lhe pagam para fazer: sujar ao invés de limpar. Também não está mal, podia dar-lhe para bem pior. O quê, não sei.

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Paulo Barros
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Economista famalicense

Famalicão

Era o fim da feira semanal, quando entra em acção a brigada de limpeza camarária. No vídeo vemos um brigadista, armado de soprador, a empurrar o lixo para o fundo da ponte sobre o rio Pelhe. E está feito, pensará ele. Menos porcaria para ele tratar a seguir.

Em suma, paga-se-lhe para limpar e o homem suja. Parecendo que não, o quadro deprimente revela muito do que somos enquanto país, ainda aos dias de hoje.

Claro que devemos começar pelo princípio das coisas. No caso, o funcionário: porque é preciso ter um ódio militante ao serviço que é o seu para simplesmente boicotá-lo desta forma tão desabrida. E à vista de todos, note-se o sentimento de impunidade.

Entretanto, gerou-se uma pequena polémica no espaço virtual sobre as causas profundas destes episódios de incivilidade. Falta de formação, decretaram alguns comentadores. Eu, francamente, não vejo que formação se possa dar a um tipo destes. Será caso de perguntar como raio recrutam estas pessoas para estes trabalhos específicos. Que requisitos, que competências, quantas, quais juras de amor terá ele proferido para agarrar o lugar? Para agora cuspir-nos na cara – a nós, cidadãos pagadores de impostos – o desprezo que tem pelo serviço público. Olha, pá, da parte que nos toca, obrigadinho!

Imagine agora o leitor que se deparava com um dentista que lhe arrancasse dentes sem necessidade. Ou com um mecânico que desmontasse um motor e retirasse peças propositadamente. Ou com um ajudante de cozinha que mordicasse a posta de bacalhau antes de a servir à mesa. Deviam todos ir despedidos, verdade?

Pois é isso. Este funcionário que não reúne as condições mínimas para desempenhar a função para a qual foi contratado devia, por conseguinte, ser liminarmente despedido. Simples, lógico, indolor. Do jeito que o homem justifica o salário que lhe pagam, ainda nos agradecia por isso. Está bem à vista que anseia por uma mudança de vida e ninguém lhe faz o favor.

Agora, vai acontecer? Suspeito que não. Temos, afinal, o precedente da ‘Acácia do Jorge’, lembram-se? Foi há bem pouco tempo. A culpa não morreu solteira, ficou é assim a modos que um bocado manca. Acharam o culpado do costume num subalterno desentendido dessas coisas da política e, posto isso, despacharam-no com uma suspensão temporária e uma modesta multa.

A marinha seguiu o seu curso sem mais delongas, claro: nem dois meses passados estava o senhor presidente da câmara, com aquele ar de quem nunca leu um livro e ainda se orgulha por isso, a proferir uma das comunicações oficiais da conferência promovida pela câmara para comemorar o bicentenário do nascimento de Camilo. Há de ter sido escrita pelos assessores e a minha única pena é não me terem pedido opinião, tinha ideias para dar: o título seria “Mais Passos, menos Camilo”.

É a lei do menor esforço, aqui aplicado à gestão de topo do município.

Passemos aos colegas. Os colegas do brigadista insurgem-se contra esta bandalheira que por junto lhes mutila o brio profissional? Suspeito que não. Está instalada na câmara uma cultura de indolência e o deixa-andar virou modo de vida. Modo de sobreviver num clima eivado de favorecimentos, cunhas e perseguições pessoais.

Até porque o mote vem de cima. No mesmo dia em que aconteceu a façanha do brigadista, o senhor presidente da câmara mostrava-se nas redes sociais em visita à casa de uma munícipe que comemorava o seu centenário. Prioridades. Tinha aquele sorriso tamanho do mundo que nos entra pelos olhos dentro a partir dos cartazes múltiplos que enxameiam a cidade. Um sinal dos tempos: deixamos de ter gestores públicos para passarmos a ter cicerones.

É a lei do menor esforço, aqui aplicado à gestão de topo do município. Investir numa cultura de exigência, aplicar princípios de transparência e rigor aos serviços, disciplinar a utilização de recursos e submeter a acção política a uma relação de custo-benefício, tudo isso é muito bonito mas não rima com eleições. Então na cabecinha deles, de certeza.

E se é assim com a gestão de topo, o que poderíamos esperar das chefias intermédias? Aquelas que nunca sabem, nunca veem, nunca ouvem? (como se viu com a “Acácia do Jorge”) Isto está assim: estes funcionários pensam e agem como se ninguém tivesse mão neles. E não tem, de facto. Restava ao menos que tivessem um pouco de vergonha em causa própria, mas nem isso: andam em roda-livre.

Também, era de se esperar o quê? As ditas chefias são por via de regra recrutadas no partido, de onde saem directamente para a câmara, sem contar com nenhuma experiência profissional prévia. Medram num ambiente insalubre de conveniências mútuas. Conheço algumas: acham-se imperdíveis apenas porque nunca se permitiram testar-se a si mesmas no mundo cá fora. Algumas andam há mais de vinte anos a acomodar sensibilidades. A apascentar correligionários. A pactuar com a mediocridade e a pesporrência. Tudo ilusões.

Paços do Concelho de Famalicão

Veja-se como temos agora um recém-vereador que, enquanto membro do gabinete de apoio à presidência, na prática coordenava os motoristas da câmara. Tarefa ingrata e complexa, não duvido. Outro “jovem” que nunca fez nada na vida sem ser arranjar-se pelas reuniões do partido e prontificar-se a servir o próximo, desde que próximo de quem manda. Que alguém suba a vereador sem um assombro de pudicícia, prestando-se a cumprir o lugar até às eleições que se avizinham (não é candidato), diz tudo sobre a forma de pensar desta gente. Dá asco pensar que lhes entregamos a gestão da coisa pública.

Tenho por adquirido que o tempo de expediente destes directores e chefes de divisão, a maior parte dele, ocupa-se com “iniciativas”, colóquios, formações, reuniões, avaliações, e outros oões. Não sobra um módico de paciência para explicar aos funcionários o básico dos básicos. Que é isto: o lugar existe em função da tarefa. É assim que tem de funcionar, não ao contrário.

Pois a fila anda: dá-se o lugar a quem queira fazer o trabalho.

Portugal é o país onde as pessoas apreciam ser elogiadas por cumprirem com o seu dever. Está por todo o lado, esta mania. Facto inédito (que, já se vê, nada tem que ver com as eleições), agora o presidente da câmara reúne com os reformados da câmara para lhes agradecer pelos serviços prestados. Pensava eu que o salário pagava isso, parece que não. Ainda lhes devemos. Ou melhor, devíamos: agora já não. Desde que o presidente da câmara saldou a nossa dívida, por meio de palavras delicodoces.

A mim não me surpreende nada que cheguemos ao ponto em que são os “lixeiros” quem conspurca os rios. Estão-se todos positivamente nas tintas, dali até ao topo. E até à oposição: sim, sabemos que o PAN-F denunciou o caso. É um tema que lhe é particularmente caro, o da conservação da natureza. Mas não vai além disso. Discutir a cultura da organização e exigir consequências na esfera laboral para quem incumpre é uma conversa que ninguém quer ter.

E veja-se. Acaso o PS-F, que ao contrário do PAN-F se projecta como alternativa de poder, alguma vez tomou da palavra para enunciar a necessidade de reformular o quadro de pessoal da câmara? Para se comprometer com a introdução de princípios de transparência nos recrutamentos, para denunciar a muito evidente promiscuidade partidária, para exigir a racionalização dos recursos manifestamente desproporcionados? Não! Cruzes, credo. É que sobre isso nem uma palavra. É um tema tabu. Nos sacrossantos funcionários municipais ninguém toca.

E faz o seu sentido: quer dizer, o PS-F podia granjear o respeito de uns quantos munícipes revoltados com a bandalheira reinante. Podia até fazer valer o princípio junto daqueles funcionários muito justamente revoltados com este estado de coisas – acredito que sejam muitos! E de caminho arriscava-se a comprar uma guerra com a corporação, querem lá ver? São quase dois mil votos, mais as famílias…

Pois eu lamento concluir que a “mudança” que preconizam é à superfície das coisas. Os partidos todos. Querem fazer o mesmo com outros nomes, outros programas, outras “iniciativas”. Continuará essa mentalidade paroquial de dispor do orçamento para lustrar a própria vaidade. Veja-se como o candidato do CH-F, que ainda agora chegou e já diz que vai “de certeza” ganhar a câmara em 2029, até assume sem gaguejos que se tem de “favorecer” as empresas concelhias nos concursos de fornecimento lançados pela câmara. Assim na lata, sem preocupações com “legalidades”. Eu já não tenho paciência para tanta vista curta.

Dizer, por fim, que um país assim não sai da cepa torta, mas não é por culpa dos políticos. Os políticos que temos são função dos eleitores que temos. Quando mesmo o IL, que supostamente veio para quebrar o verniz da política nacional, não se atreve a propor mais do que uma redução singela de 20% das despesas camarárias com festas e foguetórios… 20%?! Mas essas despesas não cresceram acima de 100% só no mandato de Mário Passos? E agora o IL-F só quer cortar isso em 20%? Então estamos bem com um aumento de 80% face a quatro anos atrás?

Não me interpretem mal, ao menos o IL-F propôs reduzir a verba para festas e foguetórios, e que eu saiba foi o único. Até ver.

Conclusão: nenhum partido perde a ocasião para passar a mão pelo pêlo aos eleitores. E os eleitores gostam. Depois queixam-se, mas no fundo gostam é disto assim.

Vasco Pulido Valente dizia, há já muitos anos, que a culpa é nossa. E é, nossa. A culpa é nossa. Assumamos isso ao menos que dói menos.

 

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Paulo Barros
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