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Vila Nova de Famalicão
Quinta-feira, 28 Março 2024
Paulo Barros
Economista famalicense.

A prenda da Noite de Reis

A Câmara nunca desilude, o que surpreende é a reincidência nos erros do passado. Este projecto é um abuso de cidadania porque insiste em erros que são evidentes à vista desarmada.

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Paulo Barros
Economista famalicense.

Famalicão

Procissão do Senhor do “ECCE HOMO” cancelada

Recriação da Última Ceia transferida para o interior da Igreja Matriz Antiga.

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Exposição itinerante patente até 31 de março

Concerto coral sinfónico de Páscoa esta quarta-feira

Na igreja matriz velha pelas 21h30

Vem isto a propósito do plano de ordenamento urbanístico da saída norte da cidade (sentido Braga). A designação é outra, chamam-lhe Unidade de Execução 1 da UOPG 1.2 – Área envolvente ao Palácio de Justiça (Gavião).

Descanse, caríssimo leitor: parece complicado, mas não é, visto que a Câmara já tem tudo muito bem definido. Seja como for, lançaram o habitualmente curto período de discussão pública, para que os cidadãos interessados possam dizer de sua justiça. Só lhes fica bem.

O que não lhes fica bem é decidirem as coisas antes de concluída a discussão pública.

Explico-me: na Noite de Reis teve lugar, em formato virtual atendendo às restrições que vivemos por conta da pandemia, a sessão pública de apresentação da proposta de delimitação da dita Unidade de Execução. Presidiu a arq. Francisca Magalhães, directora do Departamento de Ordenamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão (DOGU).

O responsável político pelo pelouro primou pela ausência, e ficou-me a dúvida: por não querer condicionar a discussão cívica do projecto (concedo nessa possibilidade) ou por não se querer incomodar com estas arrelias? Mistério. Quem se fez representar foi o promotor imobiliário (a bem conhecida DST), a quem, aliás, competiu apresentar o projecto.

Isto tudo para concluir que vamos ter mais do mesmo. Passemos aos detalhes: para princípio de conversa, o executivo camarário, herdeiro fidelíssimo das políticas urbanísticas que nos trouxeram até aqui, quer instalar na saída norte da cidade (mais) uma superfície comercial. Corre livremente que se trata do LIDL, e a diretora do DOGU não desmentiu.

Uma pessoa ouve e pasma: então o período de discussão pública está a decorrer e já se assume como facto consumado que o LIDL se vai instalar ali?

Reparem, não se fala de uma qualquer superfície comercial, fala-se concretamente do LIDL. E se é assim, reuniões, conversações, negociações em rondas sucessivas, entre a empresa e a autarquia, já tiveram lugar, certo? Certo. Ora, é isto intelectualmente sério? Digo que não, mas isto sou eu que entrei na sessão convencido de que todas as opiniões contam para o resultado. Deve ser como dizia o Orwell, contar até contam, só que umas contam mais do que outras. Digamos que fiquei surpreendido; desiludido não.

Porque a Câmara nunca desilude, o que surpreende é a reincidência nos erros do passado. Alguém avise a Câmara de que já não estamos em 1985, por favor. Esse era o tempo em que “mais” equivalia a “melhor”. Volvidas quase quatro décadas, olha que bem: era mesmo o que precisávamos ali para a zona, de mais uma superfície comercial. Quer dizer, não satisfeitos com ter-se permitido a instalação, à boca da rotunda, do McDonald’s do E. Leclerc, até da Farmácia de Gavião, tudo pontos de afluência que contribuem para afunilar o trânsito automóvel até ao limite do (in)suportável.

Para mais, para o Lidl projectaram um espaço em tudo igual ao que já existe ali do outro lado da rua no E. Leclerc. Ou seja, um perfil de armazém com impermeabilização do terreno circundante para acomodar o inevitável parque de estacionamento. Está bem, sim senhora. O que se chama um equipamento qualificador para uma zona que se quer nobre da cidade, assim o dizem.

A gestão do leito de cheia (passa um ribeiro pelo terreno) não diz nada ao Departamento de Ordenamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão. Como dizia o outro, eles é mais perfis de caixilharia e alinhamento de cérceas.

Quanto ao essencial da questão, achava eu que a rotunda de Santo António é, já hoje, um dos pontos de maior congestionamento do trânsito automóvel da cidade. Parece que não.

A senhora diretora do DOGU teve o cuidado de informar os incautos cidadãos interessados de que já terá sido feito um estudo de tráfego, e surpresa, surpresa: tudo bate certo com as intenções do promotor imobiliário. Não duvido que sim. Somente eu, que bastas vezes me vejo parado na fila ali onde o Parque de Sinçães ainda vai a meio, permito-me desconfiar de estudos que invariavelmente concluem no sentido que mais interessa a quem os encomendou. Não há problema porque o estudo de tráfego que a Câmara encomendou conclui que não há problema. Entendido?

Chegados aqui, pergunto-me se serei só eu. Querem lá ver que os responsáveis camarários nunca se viram a braços com as filas de trânsito, na avenida Carlos Barcelar, por exemplo? Especulemos: fosse esse o caso, ter-se-iam questionado sobre as razões para tal, quiçá descobrir que as decisões urbanísticas passadas impõem consequências sobre o modo de vida do presente? Vamos acreditar que sim.

Sim, eu sei: o desenvolvimento económico e tal. O serviço às populações, a quem assiste o direito de acesso aos bens de consumo. O emprego criado! A lengalenga é sempre a mesma. Nunca ninguém faz contas aos empregos que se perdem, para o caso no comércio local, tão pujante que ele está.

A representante da DST, e dá-se-lhe um desconto porque falava em causa própria, achou por bem referir que a cidade deve estar grata pelo investimento que a empresa decidiu fazer. Presumo que o raciocínio implícito é o de que nós, cidadãos pobretes mas alegretes, devemos conformarmo-nos com estas manigâncias. Entretanto a digníssima representante não vive em Famalicão e não leva com estas benfeitorias. Alguém que lhe explique, a ela também, que já não estamos em 1985.

Já ouvimos isto, mais coisa, menos coisa, a propósito da expansão do CITEVE em pleno Parque da Cidade, que obrigou à deslocalização das hortas. Um processo verdadeiramente exemplar de procedimentos expeditos e transparência cívica. O Presidente da Câmara veio dizer que estava muito satisfeito com o desfecho (provisório) da contestação judicial, mas não surpreendido, visto que a Câmara tinha feito tudo bem, desde o início.

Ainda bem para ele, estar satisfeito consigo mesmo é meio caminho andado para o sucesso na vida. Pelo menos eu lembro-me sempre dele e do antecessor dele quando por lá passo, deve ser a isto que chamam deixar uma marca indelével na cidade. Temo que não seja a última.

Pois o ponto é que a questão não é essa, nunca foi. Ninguém põe em causa que o CITEVE possa expandir as suas actividades, como ninguém põe em causa que o LIDL possa abrir mais superfícies comerciais no concelho. A questão é onde, porquê e a que custo da qualidade de vida das populações.

Mesmo porque o projecto da saída norte impõe outras visões “modernizantes”. Há a proverbial paixão pelas rotundas: são mais duas, caríssimo leitor. Numa faixa de estrada de quatrocentos metros (sem rigor científico…) vamos passar a ter quatro rotundas!

A diretora do Departamento de Urbanismo acha que servem para moderar a velocidade do trânsito automóvel. Eu cá acho que, a não ser que se justifiquem por razões de escoamento de trânsito, o que manifestamente não é o caso, servem para armar ao pingarelho e para infernizar a circulação dentro e fora da cidade.

Vamos ter passeios e ciclovias em ambos os sentidos, coisa que (pelos vistos) se deve agradecer e que a representante da DST muito perorou por aumentar o espaço de cedência(!). Mas para espaços verdes só sobra 17% da área do terreno, e lá se vai a expansão para norte do corredor verde de que sucessivas vereações do município fizeram gala.

Acaso acha que o parque de estacionamento afecto ao tribunal é suficiente para as necessidades? Fique a saber que os lugares de estacionamento vão diminuir, não aumentar. Assim se acautela o futuro, mas pode sempre ir ao tribunal usando os passeios e as ciclovias que a DST nos vai oferecer.

E por fim, a cereja no topo do bolo: ainda não é certo que a parcela destinada a fins habitacionais não venha a ter uso comercial. Então, aí sim, seria a epifania do cimento e do negócio, e a nós parece que só nos cumpre dizer: obrigadinho!

Voltando ao LIDL, claro que o LIDL agradece o obséquio. É melhor ter o estaminé dentro da cidade do que fora dela. Mas não é no LIDL que somos chamados a votar para eleger quem represente o interesse do município. Não é ao LIDL que compete gerir o território pondo em equação prós e contras do ordenamento urbanístico. É na vereação em exercício que recai essa responsabilidade.

Termino dizendo o seguinte: eu gostaria muito mais de “viver aqui” se percepcionasse os poderes públicos locais como estando ao serviço dos interesses das populações e da sua qualidade de vida.

Entendo que este projecto é um abuso de cidadania porque insiste em erros que são evidentes à vista desarmada e que importa por isso não repetir, pois só provocam o (des)ordenamento arbitrário do espaço citadino e prejudicam para futuro a fruição da cidade que é de todos.

O mantra do desenvolvimento não tem que ser isto, pode muito bem compatibilizar-se com a integração harmoniosa das funções da cidade (económicas, cívicas e de lazer). Ainda vão a tempo, mas será que querem?

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