Aproxima-se o Natal e com ele, chegam também os investimentos astronómicos por parte das Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia. Enchem-se as ruas de luz, música, cor e eventos, decoram-se árvores e erguem-se outras imponentes árvores, fazendo parecer que se tornou uma competição entre cidades para perceber quem ganha um concurso inexistente. Os orçamentos públicos esticam-se para garantir o “espírito Natalício” – com dinheiro público – esquecendo assim, uma realidade menos visível, de um país onde o custo de vida sufoca famílias inteiras, a habitação tornou-se num bem de luxo ao alcance de poucos, onde o desperdício convive, de forma quase obscena, com a carência.
Assistimos, nos últimos anos, ao aumento generalizado dos preços da alimentação, da energia, das rendas de casa, que tem deixado marcas profundas na vida de milhares de portugueses, de famílias que fazem contas ao cêntimo para tentar chegar ao fim do mês, idosos que, com as miseras reformas de uma dura vida de trabalho, enfrentam o isolamento e vivem sem serem garantidas as necessidades mínimas do dia a dia. Percebemos ainda, e não difícil identificar pelos casos que todos conhecemos, que existem jovens adultos que adiam a saída de casa dos pais porque não conseguem aguentar com os custos e com os baixos salários, adiando assim o sonho de ter o seu próprio lar e construir a sua família. Tudo isto num contexto em que as desigualdades se acentuam cada vez mais e o poder de compra continua a encolher.
Ainda assim, multiplicam-se as iniciativas para promover “a Magia do Natal”. Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia anunciam, orgulhosamente, investimentos significativos em iluminação, decorações e eventos natalícios. São milhares ou mesmo milhões de euros (públicos) canalizados para iluminar praças, avenidas e ruas durante várias semanas, enquanto persistem graves carências nas áreas da habitação, apoio social, saúde mental e combate à pobreza.
O contraste é difícil de ignorar. Num país onde muitas pessoas vivem em insegurança económica, a opção por despender recursos públicos em festividades exuberantes parece, no mínimo, questionável. Sobretudo quando continuam por resolver problemas estruturais como escassez de respostas sociais para idosos e famílias vulneráveis, a falta de infraestruturas de apoio à saúde mental, a ausência de políticas eficazes de combate ao isolamento social, bem como de apoio e incentivo aos jovens.
Entre as sombras deste Natal, estão também os sem abrigo, onde homens e mulheres sobrevivem nas ruas de forma quase invisível, tendo como cama uma caixa de cartão e um teto, quando o encontram, debaixo de umas escadas, das pontes, nos parques de estacionamento, nas estações de camionagem e comboios ou até nas entradas das lojas e casas abandonadas. Recentemente, duas voluntárias que distribuíam alimentos a pessoas sem teto, voluntárias que despendem do seu tempo familiar e social para tornar a vida de outros seres humanos mais leve, foram agredidas barbaramente, supostamente por indivíduos ligados a um grupo de ideologia neonazi. Este episódio chocante e revelador, expõe a ferida que vai muito além da pobreza: a da intolerância, da violência e da falta de respeito pelo Ser Humano, que começam a insinuar nas ruas do nosso país.
Estes sinais de violência, brutalidade e desumanização, antes esporádicos, são agora uma constante e parecem ecoar em diversos pontos do nosso território. Silenciosamente cresce o clima de insegurança, alimentado pelo medo, pela frustração e pela indiferença. Quando até gestos de solidariedade se tornam alvo de agressão, é porque algo de essencial se está a perder – o respeito pela vida, pela diferença e pela condição humana.
O Natal, mais do que uma época de consumo exagerado, deveria ser um tempo de reflexão e de valores – de respeito, esperança, generosidade, amor, paz, partilha, gratidão e solidariedade. No entanto, estes valores parecem cada vez mais esquecidos pela lógica do mercado e pela necessidade de “mostrar” em vez de “significar”.
Celebrar o Natal não deveria ser incompatível com a responsabilidade pública. Talvez fosse tempo de repensar prioridades com menor investimento em brilho efémero e mais aposta em políticas que “iluminem” a vida das pessoas de forma duradoura. Porque a verdadeira Luz de Natal não se acende nas ruas, mas na dignidade, a empatia, no respeito e na justiça social.
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