Diretor de Turma: a arquitetura invisível da escola pública

Há uma dimensão da escola que raramente entra nos relatórios: a dimensão humana.

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Há dias em que a escola não termina quando toca para a saída.
Fica connosco. Nos pensamentos que não desligam, nos nomes que regressam enquanto se arruma a mala, na inquietação que insiste quando já devia haver descanso.

É nesses dias que penso no que significa, afinal, ser Diretor de Turma.

Não é um título.
É uma condição.

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É estar sempre um pouco antes e um pouco depois: antes da rutura, depois do erro; antes da desistência, depois da esperança. É ocupar um lugar que não vem descrito de forma clara em lado nenhum, mas que todos reconhecem quando dizem, quase instintivamente:
“Fale com a Diretora de Turma.”

O Diretor de Turma é quem vê o aluno quando já ninguém está a olhar. Quando deixou de ser apenas comportamento, apenas classificação, apenas número. Vê-o inteiro: com o peso que traz de casa, com o silêncio que carrega, com a coragem que, por vezes, mal se sustém.

Sabe que nem todas as faltas são escolhas.
Que nem todas as respostas bruscas são desafio.
Que nem todos os silêncios são indiferença.

Sabe porque acompanha. Porque permanece. Porque insiste.

Este saber não se aprende em formação alguma. Constrói-se no tempo longo, no erro assumido, na escuta paciente, na repetição dos dias. Constrói-se quando já não é possível virar costas.

A lei fala-nos de inclusão. E ainda bem.
Mas a inclusão não se faz em documentos. Faz-se em manhãs difíceis, em reuniões que não resolvem tudo, em estratégias que resultam apenas em parte, em avanços mínimos que custam horas inteiras de energia emocional.

É o Diretor de Turma que sustém a distância entre o que está escrito e o que é possível. Que traduz a norma para a vida real. Que tenta, todos os dias, que ninguém fique para trás — mesmo quando o sistema parece avançar depressa demais.

E fá-lo, quase sempre, em silêncio. Sem palco. Sem proteção. Com a sensação persistente de que tudo passa por ali… e quase nada pára para cuidar.

Há uma dimensão da escola que raramente entra nos relatórios: a dimensão humana. A social. A frágil.

É o Diretor de Turma que percebe quando a mochila vem mais pesada do que devia. Quando a ausência se repete porque falta chão em casa. Quando a escola é o único lugar minimamente estável na vida de um aluno.

As autarquias falam de território; o Diretor de Turma conhece-o pelo nome próprio.
O Ministério fala de políticas; o Diretor de Turma executa-as com pessoas reais.
A escola fala de resultados; o Diretor de Turma conhece o custo humano desses resultados.

Há dias em que tudo converge: mensagens, emails, preocupações, expectativas. Dias em que sentimos que estamos a segurar demasiado com duas mãos apenas. E, ainda assim, raramente alguém pergunta se é possível continuar assim indefinidamente.

Talvez por isso esta função seja tão invisível: porque se confunde com a ideia de missão, de entrega, de “alguém tem de o fazer”. Mas nenhuma arquitetura pode depender eternamente do sacrifício de quem a sustém.

Valorizar o Diretor de Turma não é criar mais uma função.
É olhar com verdade para aquilo que já existe.

É reconhecer que a escola pública não se mantém apenas com programas, mas com relações. Que o sucesso não nasce apenas das metas, mas da persistência humana. Que a inclusão não acontece sem tempo, sem cuidado e sem quem fique quando é mais difícil ficar.

O Diretor de Turma é a arquitetura invisível da escola pública.
Não pede palco; pede sentido.
Não pede elogio; pede estrutura.
Não pede heroísmo; pede humanidade.

Porque tudo o que sustém sem ser visto acaba, um dia, por cansar.
E quando a escola perde quem a sustém, não perde apenas eficiência. Perde alma.

E uma escola sem alma é apenas um edifício com horários.

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