O projeto de Resolução foi apresentado pelo Bloco de Esquerda e apoia-se num estado da arte que contextualiza, à superfície, conceitos como arqueologia industrial, património industrial e museologia industrial. Não mergulha na verdadeira dimensão e relevância da história industrial do Vale do Ave, mas não omite o mais importante: o papel desempenhado pelo Museu da Indústria Têxtil da Bacia do Ave (instalado em Famalicão); a desativação do Roteiro Industrial do Ave (criado em 2002 pela ADRAVE, mas que devido a dificuldades, como a acomodação idiossincrática dos proprietários à abertura dos seus espaços à comunidade, ou a insensibilidade generalizada para se aproveitar o potencial cultural, turístico, patrimonial, pedagógico e económico) acabou por definhar e desaparecer; e a necessidade imperativa de proteger a memória industrial da região.
As duas recomendações inscritas na Resolução sugerem, em primeiro lugar, a criação de uma linha de financiamento por parte da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) para apoiar projetos de investigação científica “com o objetivo de aprofundar o conhecimento científico e académico sobre o objeto em causa”; em segundo lugar, propõem a elaboração de um novo «Roteiro Histórico do Património Industrial do Vale do Ave», a desenvolver através do Turismo de Portugal e do Turismo do Porto e Norte de Portugal.
A verdadeira dinâmica de investigação e de estudo deve ser, simultaneamente, promovida e patrocinada pela própria região. Refiro-me aos municípios do Ave, agregados que estão como fundadores do Museu da Indústria Têxtil, às associações industriais existentes, às entidades culturais e, evidentemente, às Universidades e Institutos.
Um novo roteiro industrial na região tem de explorar o património industrial em todas as suas dimensões e contemplar todos os seus protagonistas – do edificado ao documental, do tecnológico ao social – conjugando-se com a divulgação da ciência e da tecnologia.
Sem esta mistura de riquezas múltiplas, qualquer roteiro que se desenhe sem pensar a História na sua relação permanente com o presente e o futuro ou que exclua, por mera ideologia, atores dessa História, só tem um destino: o fracasso. E antes de qualquer desenho no mapa é preciso desenvolver um levantamento exaustivo da realidade, identificar, referenciar, estudar, para depois agir e intervir.
Enternecemo-nos com a excecionalidade do património industrial do Vale do Ave, mas são poucos os que se unem para defender esse património e combater a obliteração a que está sujeito. Nos próximos anos desaparecerá parte da memória humana e com ela extinguir-se-á o seu conhecimento.
Assistimos, impávidos e serenos, ao desmantelamento das fábricas históricas do setor têxtil – em Famalicão, Guimarães, Vizela, Fafe e Santo Tirso –, aceitamos a desfiguração dessas unidades fabris e de todo o seu espólio. O nosso desprezo coletivo contribuiu para apagar as vidas daqueles que, com o seu engenho, ousadia, sacrifício, sofrimento e muito trabalho, mereciam a dignidade de um lugar na memória histórica e na identidade da região onde somos e vivemos.
A vitalidade industrial e económica que tanto nos orgulha não surgiu por geração espontânea. Ela é fruto de um continuum cuja origem remonta ao século XIX. Se hoje o Vale do Ave está bem posicionado para enfrentar a designada Quarta Revolução Industrial muito deve aos pioneiros das indústrias de há 150 anos. Omitir a história, ignorá-la, desprezá-la ou desconhecê-la é um suicídio cultural, um apagamento em massa. É inaceitável.
A Resolução n.º 98/2021 é uma boa oportunidade para se criar uma nova dinâmica em torno do Património Industrial do Vale do Ave, impedir a sua marginalização e o apagamento. Mas convém não perder de vista recomendações gerais muito anteriores, de âmbito transnacional, como as que são expressas na Carta de Nizhny Tagil sobre Património Industrial (apresentada em julho de 2003 ao ICOMOS para ratificação e aprovação pela UNESCO) ou nos Princípios de Dublin (aprovados em novembro de 2011 pela Assembleia Geral do ICOMOS).
Comentários