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Vila Nova de Famalicão
Segunda-feira, 6 Maio 2024
Raphael de Souza
Nasceu em 1997 em Vila Nova de Famalicão. É licenciado em Línguas e Literaturas Europeias pela Universidade do Minho. É também mestre em Língua, Literatura e Cultura Inglesa pela mesma academia, com tese em Literatura Norte-Americana. Apaixonado pela Literatura desde cedo, começou a escrever poesia aos 15 anos, aventurando-se atualmente pela Ficção. É co-fundador do projeto “Sarcasmos Irónicos”, que visa dar palco a novos escritores.

A literatura como instrumento de finitude

O palco que o mundo real não dá à natureza quotidiana.

6 min de leitura
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Raphael de Souza
Nasceu em 1997 em Vila Nova de Famalicão. É licenciado em Línguas e Literaturas Europeias pela Universidade do Minho. É também mestre em Língua, Literatura e Cultura Inglesa pela mesma academia, com tese em Literatura Norte-Americana. Apaixonado pela Literatura desde cedo, começou a escrever poesia aos 15 anos, aventurando-se atualmente pela Ficção. É co-fundador do projeto “Sarcasmos Irónicos”, que visa dar palco a novos escritores.

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“Eu sou um homem de substância, carne e osso,
fibras e líquidos – e pode-se dizer que possuo uma
mente. Sou invisível, compreenda, simplesmente
porque as pessoas se recusam a ver-me”
(passagem do prólogo de
“Invisible Man”, de Ralph Ellison)

Desde cedo que o homem quer ser grande. Aquilo que vemos atualmente a acontecer na Ucrânia é uma plena demonstração desta premissa. O homem sempre gosta se perseguir um horizonte, rumo a um estatuto absoluto, supremo. Rumo a um pedestal acima de qualquer Deus. E sei, caro leitor, que falei disto na segunda crónica da rubrica, onde falei de Stephen Crane. Contudo, com esta situação na Europa (e no mundo, porque há guerra noutros lados), a história, como ciclo matemático, se repete. Repetindo a história, terei eu então de voltar à premissa dessa crónica.

O Homem comporta-se como o sujeito lírico desse poema (“I saw a man pursuing the horizon”). É difícil detê-lo. O Homem acha-se invencível e acredita que pode vencer a sua própria existência. É como o Dorian Gray que Oscar Wilde nos mostra, ou seja, uma personagem obcecada com a ideia de um tempo galopante que nos apanha e que nos enfraquece. Dorian tenta tudo para escapar a ela. “O Retrato de Dorian Gray” pode nos servir como um dos bastantes exemplos de como a literatura, tal como ela nos é oferecida, pode ser um instrumento de finitude, um veículo de permanente desconstrução da nossa existência, reduzindo-a a um aglomerado vasto de células.

A literatura, sob as suas variadas formas de expressão, tenta-nos lembrar daquilo que nós somos: pedaço de nada. Já na Antiguidade Clássica, os gregos construíam tragédias e comédias para nos transmitir essa certeza. As tragédias eram as mais duras nessa tarefa, mas o lado jocoso das comédias fazia as pessoas rirem-se de si próprias e das suas tolices. Não obstante, a sociedade helénica instigava as pessoas a assistirem a estas peças nos anfiteatros com suas famílias, para que pudessem refletir com base naquilo que as personagens retratavam.

Com a vinda do Cristianismo, essa tarefa de tornar o homem humilde através do poder narrativo da literatura (porque há literariedade na Bíblia) segue mais fundo, tomando um tom moralista. A partir daí, passamos a ter variadas Escrituras que, através das histórias que contam, nos tentam lembrar da nossa mortalidade e da nossa insignificância em relação ao universo. É o caso do versículo 20 do terceiro capítulo do Eclesiastes: “Todos vão para o mesmo lugar; vieram todos do pó, e ao pó todos retornarão”. Uma das mais fortes que se poderão ler e que poderá ser adequada à sede incontrolável por conquista e domínio é aquilo que São Marcos no capítulo oitavo, no versículo trigésimo-sexto: “Pois, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?”.

Contudo, se nos cingirmos à literatura pura e dura, temos vários exemplos de consciencialização sobre a pequenez do ser humano. Tolstói, o grande cânone da literatura russa (porque a Rússia não é só Putin e há coisas boas na cultura russa), dá-nos uma grande lição em “A Morte de Ivan Ilitch”, onde vemos a forma como um grande homem das Leis com enorme reputação sucumbe a uma doença e o reduz à insignificância que a morte lenta traz.

Outro caso, embora de forma mais indireta, temos “A Metamorfose”, de Kafka. Na obra, podemos ver Gregor Samsa (o protagonista da obra) ficando sujeito à inércia que a sua transformação num besouro lhe impõe. Apesar de todos os esforços que faz para tentar se erguer e prosseguir, ele acaba por ceder ao destino que permanece perante ele.

Perante este facto de a literatura nos apresentar a natureza de finitude do Homem, há algo que me parece acontecer (e que me agrada) na mesma: as personagens quotidianas ganharem palco que, no mundo real, não teriam. A literatura parece ter o pode de dar voz a personagens com problemas reais e com problemas, contrariando a ideia primária (muito disseminada por áreas como o cinema) de que um protagonista necessita de ser maior que a própria vida.

Há vários exemplos de protagonistas “da vida real”. Temos o caso da obra “The Left-Handed Woman” (em português, “A Mulher Canhota”), de Peter Handke (Prémio Nobel da Literatura 2019). Durante a obra, vemos o casal protagonista da obra lidando com problemas reais da vida como a distância, o aborrecimento, o amor (ou a falta dele), o alcoolismo, etc. Outro caso é “O Velho e o Mar”, de Ernest Hemingway, romancista famoso pelo realismo das suas obras. O herói desta obra (um velho pescador) nos guia nas aventuras que ele próprio tem durante uma ida ao mar para pescar, onde tenta quebrar com o constante azar de não conseguir pescar nada. O autor nos relata de forma detalhada as dificuldades que o pescador passa em alto mar nas suas tentativas de pesca.

Temos também heróis da vida real noutros campos da Literatura. É o caso da Literatura Afroamericana (ou “Black Literature”), uma das áreas onde mais realismo é impresso nos enredos. Ainda em 2021, foi lançada pela editora “Library of America” a obra “The Man who Lived Underground” (em português, “O Homem que viveu debaixo da terra”), escrita em 1942 por Richard Wright.

Esta obra nos apresenta a história de um jovem negro que é confundido com uma outra pessoa e é vítima de abuso policial, sendo obrigado a confessar um crime que não cometeu. Após uma fuga através do buraco de um esgoto, passa a observar durante 3 dias todos os abusos que eram praticados sobre a comunidade negra. Fred Daniels, a personagem principal da história, pode ser facilmente comparada a George Floyd e a outros casos de pessoas que sucumbiram ao abuso policial.

Ainda nessa área, temos obras epistolares e ensaísticas como “Fire Next Time” (de James Baldwin) ou “Carta a minha filha” (de Maya Angelou). Na primeira parte de “Fire Next Time”, James escreve uma carta ao seu sobrinho a falar do mundo opressor que o rodeia, seguindo-se depois a segunda parte do livro, onde o autor aborda os problemas da comunidade. Em “Invisible Man”, de Ralph Ellison, o protagonista narra-nos na primeira pessoa as dificuldades que vai tendo em acender socialmente num país tendencialmente segregativo.

Contudo, a Literatura não é sempre realismo, pelo que temos a parte ficcional nas obras, pelo que devemos ter a noção de que, algumas vezes, podemos ter perante nós exageros empregues na tentativa de tornar a realidade em algo memorável. É o que acontece no caso do cinema, onde temos séries e filmes que, por via de remediação, tentam criar formas de não se esquecer um acontecimento passado, nem que, para isso, tenham de romantizar os factos.

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Nasceu em 1997 em Vila Nova de Famalicão. É licenciado em Línguas e Literaturas Europeias pela Universidade do Minho. É também mestre em Língua, Literatura e Cultura Inglesa pela mesma academia, com tese em Literatura Norte-Americana. Apaixonado pela Literatura desde cedo, começou a escrever poesia aos 15 anos, aventurando-se atualmente pela Ficção. É co-fundador do projeto “Sarcasmos Irónicos”, que visa dar palco a novos escritores.
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